WhatsApp, iFood, Uber: quais empresas poderão ser iniciadoras de pagamentos e como vai funcionar o novo serviço aprovado pelo BC?
novembro 3, 2020
SÃO PAULO – Na onda do lançamento do Pix, novo sistema de pagamentos criado pelo Banco Central, e da proximidade da primeira fase do Open Banking no Brasil, que tem data marcada para 30 de novembro, mais uma novidade foi anunciada pelo BC recentemente: a criação do prestador de serviço de iniciação de pagamento (Pisp), que poderá começar a atuar a partir de 30 de agosto de 2021.
O iniciador de pagamentos é um novo tipo de instituição de pagamentos (IP), ou seja, uma empresa que viabiliza serviços de compra e venda e de movimentação de recursos sem a possibilidade de conceder empréstimos e financiamentos a seus clientes. “As instituições de pagamento possibilitam ao cidadão realizar pagamentos independentemente de relacionamentos com bancos e outras instituições financeiras”, conforme explica o BC.
O chamado Pisp se encaixa nesse conceito, mas tem características diferentes dos outros tipos de IPs já existentes. “O Pisp é uma empresa regulada pelo BC que, mediante a solicitação do cliente, poderá executar uma ordem de transação. Ou seja, pode movimentar quantias de uma conta para outra a pedido do usuário. Porém, não pode ‘encostar’ nos valores que está movimentando”, explica Bruno Balduccini, sócio do Pinheiro Neto Advogados e especialista em direito bancário e transações financeiras.
Quais empresas podem ser iniciadoras de pagamentos?
Atualmente, existem três tipos de instituições de pagamentos e o Pisp é a quarta modalidade criada. Veja:
Tipos de instituição de pagamento, segundo o BC |
||
---|---|---|
a) Emissor de moeda eletrônica | Gerencia conta de pagamento do tipo pré-paga, na qual os recursos devem ser depositados previamente. | Exemplo: emissores dos cartões de vale-refeição e cartões pré-pagos em moeda nacional, como Sodexo e Alelo |
b) Emissor de instrumento de pagamento pós-pago | Gerencia conta de pagamento do tipo pós-paga, na qual os recursos são depositados para pagamento de débitos já assumidos. | Exemplo: instituições não financeiras emissoras de cartão de crédito |
c) Credenciador | Não gerencia conta de pagamento, mas habilita estabelecimentos comerciais para a aceitação de instrumento de pagamento. | Exemplo: adquirentes, como Cielo e Rede |
d) Iniciador de pagamentos (Pisp) | Inicia uma transação de pagamento ordenada pelo usuário final, relativamente a uma conta de depósito ou de pagamento, sem ser a instituição detentora dessa conta | Exemplo: podem ser Pisps empresas como WhatsApp, iFood, Uber e Mercado Pago |
Segundo o BC, para obter o aval e se tornar um iniciador de pagamentos, o principal critério é ter um capital mínimo de R$ 1 milhão. “Cumprindo esse critério, no fundo qualquer empresa ou banco pode ser um iniciador de pagamentos. Empresas como WhatsApp, iFood, Uber, Mercado Pago, Nubank e Cielo podem solicitar o aval para se tornarem Pisp”, diz Balduccini.
“Inclusive, uma mesma instituição pode atuar em mais de uma modalidade [das citadas acima]. Seria como se essas empresas assumissem novos papéis nas operações que já fazem, podendo movimentar o dinheiro conforme o cliente solicitar, além de executar suas outras funções como emitir cartões ou liquidar transações”, explica o advogado.
Na prática, segundo ele, o iniciador de pagamentos vai permitir que uma pessoa transfira um valor da conta do Itaú para uma conta do Bradesco, sem precisar acessar os respectivos aplicativos ou mesmo o internet banking das instituições financeiras.
E o que isso significa?
“Eu poderia acessar o WhatsApp e pedir para realizar uma transferência de R$ 100 da minha conta no Itaú para um amigo que tem conta no Bradesco. E o WhatsApp, sob a regulação do BC, poderia acessar a minha conta corrente do Itaú, pegar o dinheiro e colocar na conta corrente do Bradesco do meu amigo. Ser um iniciador de pagamentos permite que a empresa movimente o dinheiro, mas proíbe a participação no fluxo financeiro da transação”, exemplifica o advogado.
Também seria possível cadastrar uma conta corrente no iFood, no lugar de cadastrar o número do cartão. Então, o próprio iFood poderia pegar o valor da refeição na conta do cliente e transferiria para a conta do restaurante, se o cliente optasse por essa forma de pagamento, segundo explica Marcelo Martins, responsável pela área de pagamentos da ABFintechs.
Além disso, Balduccini explica que, a partir do momento que uma empresa recebe o aval do do BC para ser um Pisp, ela poderá realizar uma movimentação de dinheiro sempre que o usuário pedir, e as instituições financeiras ou outras empresas participantes da transação não poderão questionar a ação.
No exemplo dos bancos, o Itaú e o Bradesco seriam obrigados a aceitar a movimentação do dinheiro “desde que a transação seja feita por uma empresa credenciada como Pisp. A ideia é que o usuário final tenha mais uma opção para fazer uma transação, além da agilidade. Isso, integrado ao Pix, tem um potencial transformador porque vai facilitar o dia a dia das pessoas”, explica Balduccini (veja mais abaixo).
Segundo ele, vai existir essa obrigação por parte das empresas detentoras das contas financeiras dos clientes porque “o serviço vai existir no âmbito do open banking, ou seja, todas as instituições financeiras e instituições de pagamentos reguladas que ofereçam conta corrente ou de pagamento precisarão permitir que um Pisp atue em seus domínios, caso o cliente solicite uma transferência ou pagamento.”
Como vai funcionar exatamente cada etapa desse processo ainda não está definido, bem como ainda não se sabe se haverá ou não um padrão de interfaces para efetuar as transações. Mais definições serão explicadas conforme o calendário do open banking for se concretizando.
As empresas que tiverem interesse em se tornar um Pisp precisarão pedir a autorização para o BC e passar por um processo formal de aprovação. Segundo o BC, no entanto, a instituição que prestar serviço exclusivamente nessa modalidade terá um processo de autorização para funcionamento próprio e mais rápido.
O InfoMoney entrou em contato com o BC para saber quais empresas já deram entrada na candidatura e qual é o passo a passo do processo de aprovação, mas o BC não compartilhou essas informações.
Segundo a resolução n° 24 do BC, que dispõe sobre a criação dessa nova modalidade, além do capital mínimo de R$ 1 milhão também são requisitos para a aprovação: a origem lícita dos recursos utilizados na integralização do capital; sustentabilidade mercadológica, financeira e operacional do negócio; reputação livre de suspeita da direção, dos membros e do conselho de administração da empresa, se houver; e a capacitação técnica dos administradores, compatível com as funções a serem exercidas no curso do mandato.
Open banking
O início da atuação dos prestadores de serviço de iniciação de pagamento em agosto de 2021 é uma das etapas do open banking, que promete mudar a forma como o ecossistema financeiro funciona no Brasil.
A principal premissa do open banking é que o cliente é dono de seus dados e os usa da maneira que achar melhor. Ou seja, se o cliente desejar que seus dados cadastrais que estão na conta do Santander sejam compartilhados com o Itaú, basta ele pedir e autorizar essa transmissão de dados. Esse tipo de permissão vai possibilitar que um cliente com conta no Banco do Brasil interessado em fazer um empréstimo pessoal possa fazer a cotação das taxas de juros no Itaú e no Santander, por exemplo, mesmo sem ter conta aberta em cada um deles.
Com o arcabouço jurídico e de segurança do open banking, será possível executar transações com os diferentes iniciadores de pagamentos de forma mais estruturada. “Por isso, o cliente terá esse poder de escolha. Novas opções vão surgir e o cliente vai decidir como, quando e por qual canal vai transacionar seu dinheiro. Vale lembrar que o Pisp conversa com DOC, TED, Pix e boleto, então, são mais opções para o cliente final”, explica Balduccini.
Juan Ferres, fundador da Teros Open Banking, empresa de governança em open banking, acrescenta que o iniciador de pagamento surgiu como uma figura para o BC regular outras entidades além dos bancos, como carteiras digitais e instituições de pagamentos, justamente para ter controle sobre quem acessa os dados no novo ecossistema do open banking.
“Antes, cada empresa era dona dos dados de seus clientes. Com a Lei Geral de Proteção dos Dados (LGPD), os clientes têm a propriedade dos dados e a empresa é custodiante deles. O open banking é um passo adicional: ele não só reconhece que os dados são do cliente, como também obriga o envio deles para uma segunda ou mesmo terceira empresa devidamente credenciadas pelo BC, se o cliente desejar”, diz.
Vale lembrar que todas as instituições financeiras classificadas como S1 e S2 pelo BC são obrigadas a participar do Open Banking – se enquadram nessas categorias os cinco grandes bancos do país (Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander) e as instituições de porte entre 1% e 10% do PIB (Safra, Citibank, BNDES, entre outros). A participação será voluntária para as demais instituições financeiras.
O Open Banking no Brasil tem quatro fases principais e o Pisp se enquadra na terceira etapa:
Fase | Data de início | Que tipo de dados passarão a ser compartilhados |
Fase 1 | 30/11/2020 | Empresas deverão compartilhar que tipos de produtos e serviços têm disponíveis em suas plataformas; objetivo é organizar as informações que as empresas têm hoje |
Fase 2 | 31/05/2021 | Cadastro de clientes e início de compartilhamento de dados usados em contas correntes e empréstimos; |
Fase 3 | 30/08/2021 | Serviços de iniciação de transação de pagamentos começam a funcionar; |
Fase 4 | 25/10/2021 | Compartilhamento de dados dos clientes sobre outros produtos como seguros e previdência; |
Segurança
Nesse contexto, um das preocupações dos usuários fica por conta da segurança. “O iniciador de pagamentos deve ser muito seguro, porque todas as empresas com as quais o serviço vai funcionar estarão sob a regulação do Banco Central, portanto sujeitas às suas punições. Essa proteção, do ponto de vista jurídico, é suficiente para que todas as envolvidas trabalhem com responsabilidade”, afirma Balduccini.
Inclusive, o BC já informou que todas as instituições de pagamentos das outras três modalidades também precisarão ser aprovadas para serem iniciadoras de pagamentos. “Com a chegada do Pix e do Open Banking, o BC quer migrar todas as instituições do sistema financeiro para entidades reguladas. Assim, terá mais controle sobre o ecossistema e deixará o ambiente mais seguro para o usuário final”, explica.
A lei do Sigilo Bancário e a LGPD também funcionam no âmbito do open banking, e consequentemente, do iniciador de pagamentos. Ainda não há informações de como vão funcionar os procedimentos em casos de fraude nos iniciadores de pagamentos.
Pix
Conforme explicou Balduccini, o iniciador de pagamento será totalmente integrado ao Pix. Isso quer dizer que, no exemplo da transferência do Itaú para o Bradesco citado acima, o cliente poderia escolher fazer uma transferência do seu banco para um terceiro com conta em outro banco usando o WhatApp e optando pelo Pix – indicando a chave do usuário recebedor. Nesse caso, o dinheiro iria cair na outra conta em até dez segundos.
Segundo o BC, qualquer instituição iniciadora de transação de pagamento poderá comandar uma transação do Pix, que atualmente está funcionando em sua fase restrita e começará sua operação plena em 16 de novembro. Isso significa que a instituição estará apta a ser um participante direto, mas ainda terá que cumprir as regras do arranjo Pix (saiba mais aqui).
“A iniciação de transação de pagamento de forma compartilhada, aliada ao Pix, possui forte sinergia que possibilitará a definição e a consolidação de novos modelos de negócio no sistema de pagamentos, com maior segurança jurídica e adequado gerenciamento de riscos”, disse o BC em nota.
A intenção da autoridade monetária é promover inovações e aumentar a concorrência na prestação de serviços de pagamento, “uma vez que o serviço de iniciação possibilita o comando de pagamentos por meio de diferentes instituições, a pedido do cliente, independentemente de onde estão domiciliadas as contas envolvidas na transação”, explicou o BC em nota.
WhatsApp Pay
Martins, da ABFintechs, afirma que toda a regulação do iniciador de pagamento foi pensada para o WhatsApp e seu serviço de pagamentos. “Empresas como iFood e Uber devem ser iniciadores de pagamentos. Mas quem está ainda mais perto disso e com uma regulação feita praticamente para ele é o Whatsapp Pay”, diz.
O BC suspendeu o serviço anunciado pelo Whatsapp, o Facebook Pay, em 23 de junho, e desde então há um impasse sobre a retomada do serviço. Questionado se o Whatsapp seria considerado iniciador de transação de pagamento em seu pedido para operar no Brasil, o BC respondeu que “cada situação deve ser avaliada especificamente.”
Balduccini afirma que o WhatsApp Pay deve ser um Pisp, e que a nova regulação se encaixa bem nesse caso.
“O WhatsApp nunca quis ser um meio de pagamento. Ele quer ter acesso aos dados para executar as transações, mas não quer participar o fluxo financeiro, não quer abrir conta corrente. Seu foco é comunicação. Nesse contexto, será um intermediário. Tornar-se um iniciador de pagamentos faz todo sentido. Com os milhões de usuários, é provável que a plataforma seja muito usada com Pisp. E o WhatsApp vai integrar uma etapa do novo processo de pagamento”, explica.