Toada positiva de ações de tecnologia poderá dar espaço para retomada de setores tradicionais e commodities, diz Ashmore
setembro 7, 2020SÃO PAULO – No foco das preocupações dos investidores nos últimos dias, a queda das ações de tecnologia, setor que tem sustentado o forte desempenho das bolsas americanas, pode não ser temporária.
Depois de atingirem níveis recordes de preços, papéis de empresas como Apple, Microsoft, Alphabet (controladora do Google) e Amazon despertam dúvidas sobre uma eventual reviravolta.
“Alguns ativos, como no mercado de tecnologia, já estão operando em um nível extremamente exuberante, que geralmente está associado a uma bolha”, avalia Gustavo Medeiros, responsável pela área de pesquisa macroeconômica global e de mercados emergentes da gestora Ashmore.
Em entrevista ao InfoMoney feita por telefone de Londres, onde reside há nove anos, o brasileiro assinalou que ações de tecnologia ainda se colocam hoje como a única possibilidade de ganho nos mercados, mas indicou que o cenário poderá mudar em breve, com uma migração das carteiras para papéis de empresas penalizadas na crise, de segmentos mais tradicionais como da indústria, e de commodities.
“Existem oportunidades de investimento muito interessantes em tecnologia, nas quais estamos investindo e monetizando, mas tendo que rotacionar o portfólio para setores mais tradicionais, que estão sofrendo bastante, mas que, quando a economia se normalizar, serão aqueles que deverão ‘outperformar’ [ter um desempenho acima da média do mercado]”, afirmou.
Essa realocação, diz, pode se dar de duas formas: com as ações de empresas tidas como mais tradicionais subindo e os papéis de tecnologia ficando praticamente estáveis, o que estimularia a toada já positiva das bolsas; ou com uma queda dos preços de companhias de tecnologia e, a partir de então, uma rotação para teses mais tradicionais, o que sugeriria um “double-dip” [uma nova perna de recessão no caminho da recuperação global] do mercado de ações.
“Tem uma chance de o segundo cenário acontecer e estamos posicionados para mudar o formato do portfólio nesse caso”, disse Medeiros.
Bolha ou não, o fato é que a Ashmore está mais apreensiva com o setor de tecnologia, ainda que veja espaço para a trajetória de alta continuar nos mercados asiáticos, onde a gestora de recursos inglesa que tem o foco em emergentes está alocada, em empresas como a chinesa Alibaba.
Dívida e ações de emergentes
Com mais de R$ 400 bilhões sob gestão, a Ashmore passou neste mês a ter duas versões de um fundo de ações, com e sem proteção cambial, ofertados pela XP para investidores qualificados brasileiros (com pelo menos R$ 1 milhão em aplicações financeiras), com tíquete mínimo de R$ 5 mil.
Além disso, o mesmo público poderá acessar um fundo focado em dívida soberana de emergentes, o Ashmore Emerging Markets Debt Advisory FIC FIM IE CP, sem exposição cambial e com igual valor mínimo de aplicação.
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Com a queda da taxa de juros brasileira abrindo espaço para o investidor brasileiro buscar diferentes opções no mercado, a XP oferece hoje mais de 50 alternativas internacionais em sua plataforma, sendo 30 novos fundos apenas neste ano, diz Leon Goldberg, head de relacionamento institucional com gestoras da XP Inc.
A ideia é ter pelo menos mais dez produtos até o fim de 2020, com um mercado em ascensão, dada a baixa participação da cena externa na carteira do brasileiro, e com um maior grau de sofisticação na oferta.
“Tem uma jornada longa para o investidor começar a diversificar seus portfólios, e ele vai ter cada vez mais maturidade”, afirma Goldberg.
China como vetor das commodities
Dentro da estratégia de ações de emergentes, o foco da Ashmore está nas chamadas “mega caps”, empresas com valor de mercado acima de US$ 10 bilhões, com destaque para as companhias de tecnologia da China, da Coreia do Sul e de Taiwan.
Outro foco recai sobre a retomada econômica da gigante asiática, que responde por 40% do benchmark do fundo, assinalou Medeiros, ressaltando os investimentos feitos pelos chineses em infraestrutura, especialmente de cidades, de olho em um aumento do consumo doméstico. A expectativa é que os efeitos desses aportes reflitam sobre os preços de commodities.
“Cobre, minério e até mesmo o petróleo estão em recuperação em formato de ‘V’, e boa parte disso é puxado pela China”, destacou o chefe da área de pesquisa da Ashmore.
Atenta a esse movimento, a gestora tem em seu fundo ações de empresas da América Latina que se beneficiam do movimento das commodities, como Peru, Chile e Brasil (com peso de 5,5% e papéis como os da Vale), além de africanas.
Prêmio de risco brasileiro no radar
No que tange à renda fixa, diante de uma liquidez abundante nos mercados com os estímulos adotados nesta crise, Medeiros aponta para a forte demanda de títulos de dívida de mercados emergentes.
O fundo que passa a ser ofertado no Brasil tem hoje posição em 54 países, com emissões de títulos que superaram os US$ 500 milhões e com prazos acima de um ano. Apenas quatro países têm hoje peso acima de 6% no fundo: Brasil, México, Indonésia e Equador.
“As pessoas percebem um risco de crédito muito maior em mercados emergentes que em desenvolvidos, a despeito do fato de que os balanços de emergentes são muito mais desalavancados, têm muito menos dívida do que os de mercados desenvolvidos”, disse Medeiros.
O fundo ainda pode investir até 30% em risco de dívida corporativa denominada em dólar e títulos de dívida soberana em moeda local, mas o percentual não chega hoje à metade dessa parcela.
A escolha de Sofia
Com os bancos centrais entre a cruz e a espada no que diz respeito aos estímulos adotados na crise, diante de uma atividade econômica global que ainda demanda incentivos, porém com uma escalada tida como preocupante do ponto de vista dos déficits fiscais, Medeiros ressaltou que será necessário encontrar um equilíbrio.
O desafio recai sobre a perda da capacidade de controle do volume de recursos em circulação na economia, com potencial de gerar inflação.
“A quantidade de dinheiro na economia nesse novo cenário pós-coronavírus vai ser muito mais controlada pela política fiscal do que a monetária”, afirmou. “Os governos têm que achar esse balanço interno entre continuar programas de estímulo fiscal, enquanto a economia se normaliza.”
E o olhar de Medeiros também está voltado para o aumento da desigualdade mundial, especialmente nos Estados Unidos, fator que se coloca como outro elemento que dificulta a retirada dos estímulos financeiros.
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