Teto de gastos tem alto risco de ser substituído no próximo governo, dizem analistas

Teto de gastos tem alto risco de ser substituído no próximo governo, dizem analistas

agosto 2, 2022 Off Por JJ

Cada vez mais ameaçado em razão da expansão de despesas do governo federal e das promessas de campanha dos principais candidatos à Presidência da República, o teto de gastos corre elevados riscos de ser substituído no próximo mandato.

Esta é a avaliação de analistas políticos consultados na 38ª edição do Barômetro do Poder, iniciativa do InfoMoney que compila mensalmente as avaliações e expectativas de consultorias de análise de risco político e especialistas independentes sobre alguns dos assuntos em destaque na política nacional.

O levantamento, realizado nos dias 28 e 29 de julho, mostra que 92% dos especialistas entrevistados atribuem chance alta ou muito alta de o teto de gastos ficar pelo caminho a partir de 2023. Apenas um analista (8%) apontou risco baixo para a atual âncora fiscal.

Considerando uma escala de 1 (muito baixo) a 5 (muito alto), a média das respostas dos especialistas consultados sobre a probabilidade de o teto de gastos ser substituído por outra regra fiscal no próximo governo ficou em 4,54. Já a mediana das respostas foi de 5,00.

Esta edição do Barômetro do Poder ouviu 9 casas de análise de risco político – Control Risks; Empower Consultoria; Eurasia Group; Medley Global Advisors; Patri Políticas Públicas; Ponteio Política; Prospectiva Consultoria; Pulso Público; e XP Política – e 4 analistas independentes – Antonio Lavareda (Ipespe); Carlos Melo (Insper); João Villaverde (FGV-SP) e Thomas Traumann.

Conforme acordado previamente com os participantes, os resultados são divulgados apenas de forma agregada, sendo preservado o anonimato das respostas e dos comentários.

Clique aqui para ter acesso à íntegra do levantamento.

Teto ameaçado

Criado em 2016, durante o governo Michel Temer (MDB), sob o argumento de restaurar a credibilidade fiscal do país, o teto de gastos limita a evolução de boa parte das despesas públicas à inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no ano anterior.

A regra fiscal visava trazer maior previsibilidade para os gastos públicos e para a dinâmica da dívida do país, mas sofreu uma série de ataques nos últimos anos. Dois dos mais significativos ocorreram nos últimos 12 meses, com a aprovação da PEC dos Precatórios e da PEC dos Auxílios pelo Congresso Nacional, ambas com forte empenho do Palácio do Planalto.

A primeira permitiu que o governo federal passasse a atrasar o pagamento de precatórios – que são dívidas judiciais da União sem possibilidade de novas contestações – e modificasse a metodologia de cálculo do teto de gastos, abrindo, na prática, espaço para mais gastos para o governo Jair Bolsonaro (PL) em 2022.

Já a PEC dos Auxílios, promulgada em julho deste ano, permitiu a edição de créditos extraordinários no valor de R$ 41,25 bilhões para o pagamento de programas sociais, às vésperas das eleições, sem necessidade de atendimento às normas fiscais vigentes. Uma das medidas tomadas é o aumento das parcelas do Auxílio Brasil para R$ 600,00 mensais, até 31 de dezembro, a todas as famílias que se enquadram nos critérios de elegibilidade do programa.

No meio do caminho, também houve a cessão onerosa, que excluiu do teto de gastos o dinheiro que a União repassa aos estados, Distrito Federal e aos municípios pela exploração de petróleo. Outro drible no teto veio com a aprovação de uma PEC que tornou o Fundeb (Fundo de Desenvolvimento e Valorização dos Profissionais de Educação) permanente e ampliou gradualmente os repasses feitos pela União, que não entram nos cálculos da regra fiscal.

Especialistas em contas públicas apontam para um cenário nebuloso com a aproximação das eleições presidenciais e as promessas ousadas dos principais postulantes ao comando do Poder Executivo. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder nas pesquisas de intenção de voto, já indicou que pretende retomar o Bolsa Família e manter os repasses na faixa dos R$ 600,00 – promessa também feita pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, que diz contar com o apoio do próprio ministro Paulo Guedes (Economia).

Só essa medida tem impacto estimado em R$ 50 bilhões para as contas públicas – o que muitos economistas já dizem que inviabilizaria o cumprimento do teto de gastos na forma como a regra hoje é conhecida. Isso porque tal montante faria com que as despesas discricionárias ficassem abaixo de R$ 85 bilhões, patamar considerado mínimo para evitar o chamado “shutdown” (ou seja, a paralisação de determinadas atividades da máquina pública).

Lula também promete retomar programas sociais de suas gestões e lançar mão de um pacote robusto de investimentos públicos em infraestrutura, saúde, educação, ciência e tecnologia. Ele é crítico assíduo do teto de gastos e diz que não precisa deste instrumento para demonstrar responsabilidade fiscal.

Os ataques à regra fiscal e a defesa de um Estado mais atuante na economia também fazem parte do repertório de Ciro Gomes (PDT), ex-governador do Ceará e ex-ministro, que hoje ocupa a terceira posição nas pesquisas para o Palácio do Planalto.

Caso o escolhido seja Lula ou Bolsonaro, seria necessária uma complexa engenharia política para garantir a manutenção do pagamento do Auxílio Brasil (ou Bolsa Família) no valor de R$ 600,00 a partir de janeiro de 2023.

Para isso, o eleito teria de negociar com o Congresso Nacional ainda em 2022 – o que, no caso de Lula, significaria negociar antes mesmo de tomar posse. As tratativas, inclusive, teriam que envolver deputados e senadores que não estarão no parlamento na próxima legislatura.

Nas estimativas dos analistas políticos consultados pelo Barômetro do Poder, a taxa de renovação da Câmara dos Deputados deverá girar em torno de 30% e 40%. Quanto maior, mais complexas poderão ser as negociações.

No Senado Federal, a renovação pode ser menor, já que apenas 1/3 dos assentos será submetido a eleição, embora alguns integrantes da casa legislativa estejam disputando governos estaduais ou a própria Presidência da República.

Por se tratar de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), o texto precisaria contar com a boa vontade de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, e de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado Federal, que provavelmente tentarão ser reconduzidos aos respectivos cargos.

As PECs costumam passar por complexa tramitação no parlamento, e, nos plenários, precisam do apoio de ao menos 3/5 dos integrantes (ou seja, 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores) em dois turnos de votação em cada casa.

Clique aqui para ter acesso à íntegra do Barômetro do Poder.