Sector Pickers – Quer comprar ações da Via Varejo? Leia isso antes
abril 13, 2020SECTOR PICKERS – o futuro do varejo nas lojas, na internet e na Bolsa
Convidados: Aline Cardoso (Trafalgar Investimentos), Carolina Ujikawa (Mauá Capital) e Pedro Fagundes (XP Investimentos)
Quem é Aline Cardoso?
Sou gestora e sócia da Trafalgar investimentos, fui analista de varejo por mais de 15 anos e, é o setor que eu mais gosto de cobrir porque todas as empresas são diferentes. Tenho preferência pelas empresas do segmento de e-commerce, em empresas com posição de caixa sólida e com pouca dívida vencendo em 2020. Na carteira da Trafalgar temos: Mercado Livre, B2W, Vivara, Lojas Renner e Alpargatas.
Quem é Carolina Ujikawa?
Sou analista e sócia da Mauá Capital. Olho o setor de varejo há quase 15 anos e assim como a Aline disse, acredito que todas as empresas de varejo devem sofrer, mas o que tem acontecido é que as empresas de varejo alimentar, de e-commerce e com caixa, são aquelas que vão acabar sobrevivendo e que ainda gostamos. Temos Magazine Luiza, Lojas Renner (tem uma posição de caixa confortável e se antecipou nesse movimento de fechamento de lojas físicas), Vivara (que além de caixa, tem uma elevada participação de ouro em seu estoque), e Raia Drogasil.
Quem é Pedro Fagundes?
Sou analista de varejo do time da XP Investimentos, estou no mercado desde 2012 e cubro o setor de varejo desde 2015. Em relação as preferências, a visão pro setor hoje é bem cauteloso, seja pelo fechamento de lojas, seja pela quarentena. Mas também porque não sabemos o que vai acontecer quando a recuperação chegar, temos pouca visibilidade sobre o poder de compra do consumidor, confiança e nível de desemprego. Então estamos focando em dois grupos: i) os beneficiários de curto prazo, que como a Carol disse são as empresas do varejo alimentar, e, nesse grupo, preferimos Pão de Açúcar por valuation, ii) vencedores de longo prazo, que são empresas que tem caixa para sobreviver e acelerar o ganho de participação de mercado para quando a recuperação vier. Dentro desse grupo, temos preferência em Magazine Luiza e Vivara.
E Via Varejo?
Pedro Fagundes: O caso da Via Varejo sempre foi de turnaround e cases de turnarond tendem a ser cíclicos. Tínhamos um cenário muito mais favorável há dois meses, com uma perspectiva construtiva para o macro e para a própria gestão micro da companhia. Muita coisa foi feita em pouco tempo. Tudo mudou quando o coronavírus apareceu. Para eles, a situação é um pouco mais delicada porque ela não se encaixa em nenhum dos dois grupos que eu disse (beneficiários de curto prazo e vencedores de longo prazo). A empresa tem um descasamento de liquidez e passivos de curto prazo, seja pelo perfil de dividas vencendo no curto prazo, mas também pela própria carteira de crediário. Hoje a empresa tem, mais ou menos, R$ 3,5 bilhões de carteira de crédito de Casas Bahia. Eu diria que o cenário de inadimplência não é o melhor para os próximos meses e o risco dessa carteira é da Via Varejo. É um case assimétrico, mas no curto prazo não é uma de nossas preferencias porque não conseguimos ter visibilidade do quanto de dinheiro ao acionista vai sobrar ao final da crise.
Carol: Essa crise começou com todo mundo achando que teríamos um problema de oferta e não de demanda. Ou seja, que o problema seria não receber produtos. Eu, inclusive, no início da crise havia conversado com os executivos dessas grandes empresas e eles disseram que estavam elevando estoque, pois estavam se preparando para uma crise de oferta e não demanda. Mas a verdade é que passamos por um problema de demanda também. Ou seja, as empresas estão com estoque elevado ao mesmo tempo que o consumidor não está consumindo. A Magalu tinha acabado de fazer uma oferta e está com caixa super forte. Mercado Livre a mesma coisa. E a Via Varejo não fez isso. Ou seja, como não sabemos como o consumidor vai reagir ao final da crise, você precisa ter caixa para aguentar esse período difícil. Por mais que ela seja uma empresa grande do setor, ela pode vir a enfrentar um cenário mais difícil.
Aline: Via Varejo tem R$ 1 bi de caixa, quase R$ 2 bi de dívida de curto prazo, mais ou menos R$ 3 bi de recebíveis de cartão de credito, e mais R$ 1 bi de crediário. Concordo que a situação da empresa é delicada porque ela tem uma dívida de curto prazo maior que o caixa dela, mas também tem um volume enorme de fornecedores a serem pagos. No varejo, a sazonalidade é que eles queimam caixa no primeiro trimestre porque é o período que se paga os fornecedores com relação ao que foi comprado durante o período de Natal. Acho que ela vai conseguir rolar a dívida, mas não será barato. Estamos vendo algumas empresas captando a 3% + CDI. Ela inclusive, já disse que deve postergar pagamentos para fornecedores.
Pedro: Uma dinâmica curiosa para esse primeiro trimestre é que deveremos ter uma geração de caixa recorde para as varejistas. Justamente porque a maioria delas tem postergado pagamentos e investimentos. Inclusive esses recebíveis de cartão que as empresas carregam tem sido completamente descontados. Provavelmente nesse trimestre, o primeiro movimento de sobrevivência, mas depois a conta chega.
Carol: Fechamento das lojas também aconteceu ao final de março. Impacto maior deve ser no 2 tri.
Postergação de pagamentos pode ser perigoso. Isso não pode gerar um efeito cascata na economia? Inclusive atrapalhando os fornecedores?
Aline: Sim. Podemos ter um efeito dominó. Se houver postergação do pagamento das empresas menores, isso pode gerar problemas em toda a cadeia do varejo.
Pedro: Em conversas com fornecedores de linha branca, eles não esperam receber nada nos próximos meses. Mas esses caras grandes conseguem esperar um mês sem receber nada. Eles postergam pros grandes para jogar oxigênio nos pequenos, já que são aqueles que não aguentariam 1 ou 2 meses sem receber nada. Mas sem dúvida, o risco de inadimplência na cadeia é gigante.
Carol: Magalu tem postergado o pagamento de fornecedores grandes para priorizar o pagamento dos pequenos fornecedores, justamente por entender que o cenário para eles é muito mais desafiador. Tem muita gente priorizando os pequenos. A diferença para essa crise das demais, é que nessa a alavancagem das empresas grandes está muito maior e elas estão conseguindo fazer essa administração de pagamentos.
Aline: O outro lado da moeda é legal. Por exemplo, Lojas Renner tem antecipado os pagamentos dos fornecedores pequenos.
Talvez não seja interessante ajudar o pequeno fornecedor, por outro lado você consegue salvar esse cara e ajudar o ecossistema como um todo. Como que um analista/gestor olha essas medidas? As empresas com caixa pagam como Magalu e Lojas Renner pagando esses caras e, por exemplo, Via Varejo, talvez tendo que postergar isso.
Carol: isso é um reflexo da situação de caixa de cada uma dessas companhias. Renner e Magalu podem fazer essa escolha de ajudar as menores, o que alimenta no longo prazo essa fidelização. Até porque bons fornecedores são poucos, é difícil ter credibilidade, entrega, qualidade. Então é bom você manter esses fornecedores vivos e daí a importância de mantê-los no ecossistema. Já Via Varejo é outra história “ou eu sobrevivo ou essas empresas sobrevivem”. Quando você da melhores condições ao seu fornecedor, é óbvio que ele vai lembrar de você no futuro. Essas diferença não parecem tão grandes agora, mas são.
Pedro: alocar capital para preservar a cadeia é um bom investimento em um momento como esse. Mas é um reflexo da realidade de cada empresa. O CEO da Boticário disse que é o momento de dividir prejuízos e, é exatamente isso. A saúde da cadeia é o que sustenta a perenidade do setor.
Antes, Pedro joga um pouco dos dados que você soltou ontem no site de conteúdos da XP sobre como tem se comportado o setor de varejo aqui e no Brasil
Pedro: ontem soltamos um relatório na página de conteúdo da XP, mostrando alguns dados sobre o setor no Brasil e no Mundo. Estamos vendo três tendências acontecendo: 1) recuperação gradual da China: mesmo após a reabertura das lojas, o tráfego continua comprometido por algum período. Pessoas parecem ter algum receio para consumir. Um número que pegamos é que as vendas tendem a se recuperar, na média, de 6 a 7 pontos percentuais por semana. Tem loja com 50% abaixo do tráfego regular, 2) diferença de bens duráveis (eletrodomésticos, eletrônicos) e não duráveis (medicamentos e alimentos): temos os dados da Cielo de alta frequência. Do dia 9 ao 30 de março varejo como um todo caiu 20% a/a, bens não duráveis cresceram 14%, duráveis caíram 44% e serviços caíram 52% (principalmente vestuário). Mostramos também alguns dados da Inglaterra, período de quarentena próximo do nosso. As vendas caíram na segunda semana -8%, na seguinte -22%, na outra -56% e na outra mais de 90% de queda.
Link do estudo aqui
Aline: Também andei olhando os dados. A Yum Brands (dono do KFC e Pizza Hut) comentou que durante o lockdown o SSS (Same Store Sales) deles caiu 60% e mesmo agora está com 20% abaixo. Mesmo sendo ticket baixo, fast food.
Carol: Nem todos os estados fizeram lockdown por não ser mandatório. Mesmo assim, as grandes varejistas preferiram não abrir suas lojas nesses estados.
Será que até em um processo de expansão essas grandes empresas podem se aproveitar da crise?
Carol: Acredito, mas a princípio as empresas paralisaram seus planos de expansão. Por outro lado, antes da crise tínhamos pouco espaço para aquisição ou mesmo compra de espaços em Shoppings. Não acho que deve acontecer nos próximos meses. Todo mundo esperando estabilizar a situação porque não sabemos por quanto tempo isso ainda vai durar. Todo mundo deve ter um amigo comerciante e que sabe que o cara não consegue ficar um mês sem vender.
Vamos falar sobre Vivara?
Aline: Óbvio que ninguém vai comprar joia durante a crise, mas a empresa tem algumas vantagens: 1) companhia tem um estoque bastante perene, não precisará fazer liquidação. Caso essas joias sobrem, ela pode devolver pra planta, derreter e fazer novas joias. Tem 350 dias de estoque e só R$ 30 milhões em fornecedores a pagar nos próximos 12 meses, além de ser uma empresa bastante capitalizada (por ter feito IPO). Ela deve sobreviver e sair mais forte. Os competidores estão em situações bem mais delicadas, a H Stern por exemplo, talvez nem sobreviva.
Carol: Uma preocupação que o mercado tinha é que o ouro não parava de subir e que a empresa teria que fazer repasse. Mas a empresa tem um ano de estoque e não precisa repor o ouro todos os dias. Como a venda será menor, o estoque pode durar mais tempo. Empresa tem flexibilidade para fazer mudanças na composição das joias também. Consumir menos ouro, colocar mais pedra, para ter um produto que seja consumível e não tenha que fazer mudança de preços. Além disso a posição de caixa é confortável. A única coisa é que a expansão de lojas deve atrasar um pouco mais.
Pedro: A Vivara é verticalizada. Ela tem planta e produz a própria coleção. Não depende de outros ourives conforme os seus competidores o que garante a ela maior poder de precificação. A flexibilidade de mudança do mix: produtos tem prata de 15 p.p. a mais de margem. Ou seja, dada a sua flexibilidade, ela consegue ajustar parte do mix para não se prejudicar. Em outros trimestres, a margem bruta da empresa avançou 4 p.p. mesmo com elevação do preço do ouro. Importante mencionar que o setor de joias é muito pulverizado. Vivara tem 10% desse mercado. Por mais que o tamanho da pizza diminui, que o gasto dos consumidores diminua, ela tem a oportunidade de pegar uma fatia maior dessa pizza. A Renner em 2012 e 2010, tinha uns 3% do mercado de roupas. Durante a crise ela mais do que dobrou sua participação, mesmo durante o período mais crítico da crise. Esses movimentos de crise geram oportunidades de concentração de mercado, seja via crescimento orgânico ou por crescimento inorgânico, como a Carol mencionou. As duas preocupações do mercado: ouro e coronavírus, os pontos que mencionamos dão conforto nos dois lados e o papel foi completamente amassado.
O que vale pra Renner vale pra Guararapes, C&A, Lojas Marisa?
Pedro: Sobre C&A, ela teve um desempenho mais errático ao longo da última década. Teve um período de bonança mas em alguns anos, um desempenho inferior em torno do crescimento de vendas. A Renner tem uma logística de abastecimento mais desenvolvida. Um grande diferencial dela foi a operação de crédito ao consumidor (+de 40% das vendas da Renner). A C&A tem uma JV com o Bradesco e então não tem tanta flexibilidade em venda com crédito. Dado que existe esse questionamento, mercado prefere Renner. Para mim, LREN está muito bem posicionada para passar por esse período. Tem 400 milhões de caixa e zero de dívida. Fizeram uma captação há duas semanas com CDI + 1%. A gente gosta de C&A, mas existe dúvida. Como não é hora de ser herói, investidores preferem os líderes.
Carol: Concordo com o Pedro, não tenho muito o que falar de C&A, que inclusive acabou de abrir capital. Ainda não temos convicção.
Pra fechar, vamos falar de online. Queria que vocês comentassem sobre vendas online. Na China isso é muito forte. Eu li que o crescimento do online avançou muito após o SARS. Por aqui todos dizem que o e-commerce é o futuro, mas até então muita gente começou a usar os apps pela primeira vez. Como vocês enxergam esse mercado online e se as varejistas tradicionais podem se aproveitar disso?
Carol: Já gostávamos de Magalu antes, pensando que penetração do e-commerce no varejo total ainda era baixo (6 a 7%) com algumas categorias mais fortes (20% para eletroeletrônicos e outras mais baixas). Pouca gente está comprando efetivamente. Em uma Live com a OLX, viram que o fluxo e o tráfego nos sites tem aumentado muito. As pessoas estão começando a conhecer, se familiarizar com sites. Várias pessoas que não eram adeptas do internet banking estão começando a utilizar. Muitas pessoas que não tem esse habito e nesse momento essa mudança de habito comece a ser forçada. Ou seja, as vendas podem não estar acontecendo, devido as atuais preocupações, mas as pessoas podem estar começando a avaliar essa mudança de hábito.
Tem alguma empresa tentando se beneficiar?
Carol: Grande parte dessas empresas líderes já estavam trabalhando para aumentar o e-commerce dentro da base total. Acho que isso continua. Empresas não param de mandar mailing pra ver se ativa essa ida para a internet.
Aline: Concordo que essa crise vai acelerar a digitalização das empresas e pessoas. Vamos utilizar mais o Zoom, vamos viajar menos, vamos utilizar telemedicina, mais ensino a distancia e mais e-commerce. No caso do e-commerce, acho que os players que tem uma cauda mais longa, no caso do Mercado Livre que tem 90 milhões de SKUs. Por um lado venda de eletroeletrônicos deve estar caindo, por outro, venda de álcool gel e máscaras subiram muito, colocando como exemplo. Essas empresas que tem uma penetração de marketplace e 3P, se dão melhor nesse cenário. O numero de sellers de B2w e Meli também está aumentando. Quem está com a loja fechada está morto. Empresas mais interessadas em vender pela internet.
Pedro: Um ponto que eu gosto de destacar é o quão eficiente tem sido a logística nesse período. Mantendo o abastecimento de lojas que ficaram abertas. Minha mãe mora em Belém e comprou uma lava louça no sábado e recebeu na segunda pela manhã (menos de um dia útil). Pouca gente esperava isso poucos anos atrás. Experiência com logística foi positiva. Lá nos EUA, por mais que o fluxo tenha aumentado, a logística foi terrível. Sua experiência como cliente novo tem que ser boa o suficiente para te fazer voltar. E aqui no BR essa experiência tem sido positiva. Fala-se muito também sobre a segunda onda do e-commerce. A primeira onda foi de eletroeletrônicos (25% de penetração no canal online). A segunda, que é a onda dos cosméticos e alimentos (segunda onda) deve aumentar bastante.