Quando o efeito colateral do remédio não atrapalha a recuperação do paciente

Quando o efeito colateral do remédio não atrapalha a recuperação do paciente

maio 21, 2020 Off Por JJ

Embora a Paineiras seja uma casa fundamentalista com horizonte de investimentos de longo prazo, o atual cenário de incertezas no Brasil e no mundo tem feito a gestora tomar posições mais táticas do que estruturais. E uma das ferramentas mais importantes para essa dinâmica tem sido tentar entender em profundidade a cabeça do Central.

No Coffee Stocks desta quinta-feira, José Carlos Carvalho, economista-chefe da Paineiras, definiu as últimas ações da gestora como “tática de guerrilha” e disse que não é o momento de segurar uma posição estrutural. “Nós identificamos a oportunidade e fazemos o trade”, completou.

Carvalho, que já passou pelo Pactual e foi um dos fundadores da JGP, deu uma aula de economia para os quase 800 ouvintes que o acompanhavam ao vivo no Instagram do Stock Pickers. O Coffee Stocks vai ao ar todos os dias, às 7h15.

Posições

A exposição em bolsa local e internacional, que chegou a ser de 20% do fundo, hoje está em 5%. Do lado do câmbio, a estratégia tem sido a de manter 10% da carteira em dólar frente ante ao real. Contudo, como as consequências dos estímulos fiscais e monetários na economia americana são incertas e ainda existe a possibilidade de não só o dólar, mas também outras moedas perderem valor, a Paineiras carrega uma posição de 5% em ouro como proteção. Em juros, a posição aplicada (com viés de queda) no vértice para 2023 foi zerada recentemente e a tese por trás de todo o investimento – tanto na montagem como na zeragem da posição – foi uma verdadeira aula de estratégia de investimentos. Abaixo, a aula dada por Carvalho. Abaixo, os principais trechos:

A importância de entender a cabeça do Banco Central

Quando o Banco Central olhava para a curva de juros do país e observava que o juro de longo prazo estava mais alto que o juro de curto prazo [que reflete a taxa Selic], ele percebeu que, ao emitir títulos públicos de curto prazo, as LFTs [títulos pós-fixados indexados à taxa Selic], estaria financiando a dívida federal a juros mais baixos, já que esses títulos estão pagando hoje 3% ao ano. O BC também ganhou recentemente uma ferramenta de atuação que chamamos de “Operação Twist”, que é a possibilidade de ele comprar os títulos públicos de longo prazo de modo a intervir na parte longa da curva (diminuir os juros longos).

Os efeitos colaterais dessa estratégia do BC é que o investidor poderia não querer financiar a dívida do governo em troca de 3% ao ano, o que faria o dólar sair do país e consequentemente se valorizar frente ao real. E a verdade é que o Paulo Guedes não estava nem aí para esse efeito colateral. Para ele, quanto mais o dólar subisse melhor, já que isso, na opinião dele, seria um incentivo para as exportações e ainda geraria um efeito positivo na balança comercial do país. Foi então que ficamos aplicados nos juros de curto prazo [para 2023] e comprados em dólar frente ao real.

Além disso, o BC também carrega muitas reservas internacionais. Quanto maior o patamar do dólar, maior a munição do BC para intervir no câmbio e na própria redução da dívida pública, já que ele poderia vender essas reservas para diminuir o endividamento. Então o efeito colateral não era tão ruim assim.

Muita gente fala do patamar da nossa dívida pública, mas ninguém coloca as reservas na conta. Hoje, metade da dívida é atrelada à Selic e o juro dela está caindo – foi de 7% no ano passado e deve ser de 5% nesse ano.

Recentemente, zeramos toda a posição em juros não só porque a taxa recuou consideravelmente, mas também devido a atuação mais forte do Banco Central no câmbio. A atuação dele no dólar vinha sendo muito discreta e aumentou nos últimos dias. O Roberto Campos Neto [presidente do BC], inclusive falou em entrevista ontem que o real desvalorizou mais do que as outras moedas de países emergentes e disse que poderá fazer mais intervenções no dólar. Então, se antes era juro pra baixo e dólar pra cima, agora podemos ver o inverso: juro pra cima [para conter a saída de dólares] e dólar pra baixo.