Possível fim de exigência de conselhos para empresas listadas na B3 preocupa entidades do mercado

Possível fim de exigência de conselhos para empresas listadas na B3 preocupa entidades do mercado

dezembro 8, 2020 Off Por JJ

(Getty Images)

SÃO PAULO – A possível flexibilização das exigências para a formação de Conselhos de Administração e Fiscal de companhias listadas em Bolsa caso o Marco Legal das Startups passe no Congresso é objeto de preocupação entre associações sobre os efeitos para a governança corporativa e, consequentemente, para a credibilidade do mercado de capitais brasileiro.

A proposta do Marco Legal das Startups, projeto de lei complementar que prevê uma série de medidas para desburocratizar regras, ampliar as possibilidade de investimentos em empresas inovadoras e facilitar a contratação dessas companhias pela administração pública, foi enviada em outubro pelo governo ao Congresso Nacional. Com o texto, o governo espera multiplicar o número de startups no Brasil, hoje em 14 mil empresas, em até dez vezes nos próximos cinco anos.

Segundo a Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (AMEC), a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec Nacional), o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), o projeto de lei complementar provê incentivos e flexibilizações apropriados para o estímulo a startups e ao empreendedorismo inovador no Brasil.

Porém, o que causa preocupação nas entidades, conforme elas destacaram em nota técnica conjunta, é a proposta de criação do artigo 294-B, que propõe que “a Comissão de Valores Mobiliários regulamentará as condições facilitadas para o acesso de companhias de menor porte ao mercado de capitais e será permitido dispensar ou modular” práticas de governança corporativa e direitos de acionistas previstos na Lei 6.404/1976 que, dentre outras normas, dispõe sobre a criação dos Conselhos.

O Conselho de Administração é um corpo de membros eleitos ou designados, que supervisiona as atividades de uma organização; já o Conselho Fiscal é um órgão de controle e fiscalização juntamente com a auditoria independente.

Assim, caso passe no Congresso, a CVM poderá “dispensar ou modular” a exigência deles para companhias com faturamento de até R$ 500 milhões por ano. No ano de 2018, cerca de 140 das 384 empresas listadas na B3 estavam enquadradas nesse quesito, ou 36% do total.

De acordo com as entidades, além de não guardarem relação com startups, os eventuais benefícios colhidos pelas empresas atingidas por essa flexibilização trazida pelo artigo 294-B são altamente questionáveis.

As entidades destacam que o marco legal foi concebido para fomentar startups, que têm necessidades específicas para seu desenvolvimento. O projeto considera como startups empresas com foco em negócios inovadores, com faturamento bruto anual de até R$ 16 milhões, com até dez anos de constituição, entre outros requisitos. Já a flexibilização concedida pela proposta do art. 294-B destina-se a companhias de porte bem mais elevado,  classificando “companhia de menor porte”, aquelas com receita bruta anual inferior a R$ 500 milhões. “Claramente, o alvo dessa medida não são startups. A supressão do art. 294-B em nada prejudica, portanto, os objetivos almejados para as startups”, avaliam.

Além disso, AMEC, APIMEC e IBGC ressaltam que as boas práticas de governança não inibem o acesso de empresas ao mercado de capitais. “Em visão diversa, essas práticas foram determinantes para o crescimento do mercado de capitais no Brasil nos últimos 20 anos. Lançado no fim de 2000, o Novo Mercado, segmento de listagem da B3 com regras mais rígidas de governança corporativa, estabeleceu novo paradigma no relacionamento das companhias com investidores e se tornou a primeira opção de praticamente todas as companhias que abriram o capital desde então”, avaliam.

Elas ainda destacam que há fortes evidências nacionais e internacionais que mostram que companhias que adotam padrões mais elevados de governança corporativa têm desempenho melhor, beneficiando investidores e partes interessadas, sendo a resistência das empresas em profissionalizar a gestão por meio de práticas de governança que acaba afastando investidores.

Além disso, IBGC, AMEC e APIMEC ressaltaram que empresas em estágio inicial, como as startups, dependem da atração de investidores para financiar seus projetos e ganhos de escala.

“A instalação e participação de investidores em conselhos nas empresas investidas são práticas de mercado, não ocorrendo por demanda legal. Servem para mitigar riscos e contribuir para a geração de valor da empresa, por meio de acompanhamento mais efetivo do desempenho e resultados da gestão e pela incorporação de experiências de mercado trazidas pelos conselheiros. A possibilidade de dispensa de instalação de conselho de administração para companhias maiores, com faturamento de até R$ 500 milhões, não mudará em nada a dinâmica e incentivos pretendidos para as startups”, apontam.

Para as entidades, dispensar companhias abertas de porte considerável de cumprirem requisitos básicos de governança– como a instalação de conselhos de administração – transmitirá mensagem negativa para a comunidade global sobre o mercado brasileiro, “cuja credibilidade já foi abalada por casos de corrupção e de falhas de governança corporativa recentes e de grande repercussão”.

O parecer do projeto foi apresentado na semana passada pelo relator, deputado Vinicius Poit (NOVO – SP), e aguarda a aprovação de um requerimento de urgência para ser votada direto no plenário da Câmara. O parlamentar afirmou ao jornal Valor Econômico que não tem ainda posição formada e que consultará o governo e as empresas, ponderando que o argumento do IBGC “é válido”, mas que o projeto não torna nada obrigatório. “Vai no sentido da liberdade. […] Nesse caso, os acionistas, a pessoa que comprar ação na bolsa ou o fundo, é que julgarão a empresa e possivelmente podem até ‘penalizá-la’ por oferecer menos transparência. Aí a empresa que tiver mais transparência ganhará mais valor”, argumentou.

Efeito reverso

Segundo avaliação do Bradesco BBI, as incertezas sobre a estrutura regulatória e o ambiente de negócios são alguns dos fatores que geralmente justificam um desconto para ações de mercados emergentes em comparação com aquelas negociadas em países mais desenvolvidos. Certas regras, portanto, avalia a equipe de análise do banco, são geralmente estabelecidas nesses mercados para reduzir preocupações e atrair fluxos estrangeiros.

“Podemos dizer que certas regras de governança estabelecidas por lei, reguladores ou mesmo atores do setor privado (como B3) visam mitigar os riscos, ajudando a atrair investidores para o ainda pequeno mercado brasileiro. Mudanças em algumas dessas regras podem aumentar as preocupações e, portanto, a percepção de risco”, afirmam.

Nesse caso específico, pondera o BBI, a responsabilidade seria transferida da lei para a CVM, entidade que, na avaliação dos analistas, está fazendo um bom trabalho na estruturação das regras para o mercado local.

“Notamos, no entanto que, dependendo da forma como é feito, os riscos são de que haja uma diferenciação ainda maior em termos de padrões de governança corporativa entre as empresas de pequeno e grande porte”, avaliam os analistas.

Isso, ao invés de ajudar ou aumentar o acesso dessas empresas menores ao mercado, poderia ter o efeito oposto, deixando os investidores mais céticos em relação a essas companhias. “Apesar de limitada à certa categoria de empresas, a redução dos requisitos de governança corporativa pode não gerar os efeitos positivos suficientes para compensar as preocupações que podem ser criadas com a nova norma. Este é um assunto que vale a pena acompanhar”, concluem.

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