Por que este app para pagamento de boletos e recarga de celular recebeu aporte de R$ 385 milhões
março 1, 2021SÃO PAULO – Algumas startups argentinas tiveram tanto sucesso em terras brasileiras que abriram seu capital internacionalmente – como o site de cotações Decolar.com e a plataforma de comércio eletrônico Mercado Livre. Menos conhecida, a também argentina RecargaPay está atacando problemas bem brasileiros: pagar boletos; recarregar cartões de transporte e celulares; e obter microempréstimos.
A fintech de microtransações anunciou recentemente a captação de US$ 70 milhões (R$ 385 milhões) para continuar adicionando produtos e serviços em seu aplicativo. O InfoMoney conversou com Rodrigo Teijeiro, fundador e CEO da RecargaPay, para entender como funciona a carteira digital (ewallet) – e quais são os planos para o aplicativo após o investimento.
Como funciona a RecargaPay?
A RecargaPay foi cofundada pelo argentino Rodrigo Teijeiro em 2010. Teijeiro criou oito anos antes o Tarjetas Telefónicas, negócio que vendia fisicamente cartões de ligações internacionais. A empresa se transformaria no Recarga.com, site focado em créditos pré-pagos para celular, que atuou em nove países.
O Recarga.com foi tocado em paralelo com a Sonico, rede social parecida com o Facebook, mas voltada para a América Latina. A Sonico teve mais de 50 milhões de usuários e foi adquirida pelo IAC, grupo de internet dono do aplicativo de relacionamento Tinder.
Os recursos com a venda foram usados para transformar o Recarga.com em RecargaPay. Teijeiro focou no mercado brasileiro e incluiu mais serviços, agora no formato de aplicativo para smartphones.
O app oferece hoje recursos como pagamento de boletos, compra de vale-presentes e recarga de cartão de transporte e de celular. Também fornece um cartão de crédito pré-pago, microempréstimos e parcelamento de contas. Os pagamentos podem ser feitos de maneira online ou offline, escaneando o QR Code. O dinheiro pode ser inserido dentro da carteira digital pagando boletos, realizando transferências, fazendo Pix ou cadastrando cartões de crédito e débito.
“Queremos que os usuários resolvam do sofá seus pagamentos essenciais, aqueles feitos todos os meses. Estamos empoderando consumidores e pequenos negócios por meio de democratização e escalabilidade dos serviços financeiros”, afirma Teijeiro ao InfoMoney.
O mesmo aplicativo pode ser usado por usuários finais e por pequenos comércios – que oferecem tais serviços em seus estabelecimentos, e podem ou não cobrar uma taxa extra dos consumidores. “É uma forma das dezenas de milhares de estabelecimentos que temos cadastrados atraírem clientes para suas lojas”, diz Teijeiro.
O populoso mercado das carteiras digitais
Para incentivar a recorrência dos “milhões” de usuários, o RecargaPay investe em dinheiro de volta em boa parte das operações. O cashback costuma ir de 1% a 13% do valor transacionado. A fintech se monetiza com taxas no pagamento de boletos e nas recargas; com juros dos empréstimos e parcelamentos; e com o Prime+, serviço de assinatura mensal que aumenta benefícios e reduz taxas.
Por mais que os serviços da RecargaPay sejam úteis principalmente para os desbancarizados, Teijeiro afirma que a maioria dos usuários tem uma conta bancária. Quanto mais serviços são adicionados à RecargaPay, mais o mercado potencial cresce – assim como o número de concorrentes.
Eles vão de empresas de tecnologia a varejistas. Ame, Apple Pay, MercadoPago, PicPay, PayPal e Samsung Pay são apenas alguns exemplos de carteiras digitais. Em junho de 2020, a Inteligência de Mercado da Globo estimou que existiam 600 ewallets disponíveis no país.
Teijeiro defende que a experiência do usuário é o diferencial da RecargaPay. A interface de pagamentos, a gestão das ordens de pagamento, o sistema antifraude e o atendimento ao consumidor foram desenvolvidos pela fintech.
“Essa verticalização permite um uso mais conveniente e econômico dos nossos serviços. As comissões que recebemos de provedores de telecomunicações e transporte, por exemplo, são repassadas aos consumidores em cashback”.
A fintech tem cerca de 320 funcionários, tanto no Brasil quanto em países como Argentina, Espanha, Estados Unidos, França e México.
Salto em investimentos, e em receitas
Teijeiro afirma que a fintech já estava preparada para o trabalho remoto antes da chegada da pandemia de Covid-19 ao Brasil – o próprio fundador mora nos Estados Unidos. Do lado dos usuários, houve uma maior procura por uma solução de pagamentos dentro de casa.
“Nossa proposta ficou ainda mais importante para os usuários, porque eles não precisavam se expor em filas ou se deparar com agências fechadas. Tanto o trabalho remoto quanto o pagamento pelo celular viraram mainstream”, diz o fundador.
A vertical de recarga para transporte caiu, mas aumentaram as demandas por pagamento de boleto e por recarga de celular. Em 2020, a fintech teve receita de R$ 168 milhões. O negócio opera com EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) positivo .
A RecargaPay já havia captado US$ 28,6 milhões de fundos como FJ Labs (que investiu em negócios como Uber, Rappi e Wish), IFC (Dafiti, Loggi) e TheVentureCity (Cabify). O investimento série C de US$ 70 milhões (R$ 385 milhões) foi liderado pelos fundos IDC Ventures e Fuel Venture Capital (entenda os estágios de crescimento e as rodadas de investimentos das startups). Também teve participação da ATW, da Experian (Grab) e da LUN Partners (23AndMe).
“O acesso a empréstimos, cartões de crédito e outras formas de pagamento permanece ilusório para muitos no Brasil e em outros países da América Latina. Historicamente, a infraestrutura de pagamentos digitais da região tem sido profundamente fragmentada”, afirmou em comunicado Bobby Aitkenhead, sócio-diretor executivo da IDC Ventures e ex-executivo do PayPal.
A fintech usará os novos recursos para investir em novos produtos e serviços, mas não revelou quais serão. Esse investimento inclui a contratação de profissionais de ciência de dados, desenvolvimento de produto e tecnologia. A RecargaPay projeta chegar a 500 funcionários em 2021.
Ao todo, a fintech captou US$ 98,6 milhões (cerca de R$ 550 milhões). A receita anualizada está em R$ 275 milhões, equivalente ao resultado de janeiro multiplicado por doze vezes.
O negócio de cartões telefônicos que deu origem ao RecargaPay atendeu diversos países – mas Teijeiro afirma que sua tese atual continua focada no extenso mercado brasileiro. “Estamos resolvendo um problema complexo de forma escalável, fazendo a diferença no país. Continuamos focados no potencial do Brasil.”