Popularização do home office: investidor deve se preocupar com maior vacância em grandes centros financeiros?

Popularização do home office: investidor deve se preocupar com maior vacância em grandes centros financeiros?

junho 3, 2020 Off Por JJ

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(nito100/Getty Images)

SÃO PAULO – O que empresas como Google, Facebook, Nubank, Twitter e XP têm em comum? Todas anunciaram que seus funcionários trabalharão de suas casas pelo menos até o fim deste ano, em meio à pandemia de coronavírus que impôs a necessidade de isolamento social.

Independentemente de quando as preocupações com a Covid-19 serão dissipadas, o fato é que, com a tecnologia permitindo um bom funcionamento das operações, a parcela de companhias que estão analisando a possibilidade de trabalho remoto permanente tem crescido.

O grupo francês PSA, que tem uma fábrica no Brasil para produção de carros das marcas Peugeot e Citröen, por exemplo, já tinha um programa de home office “modesto” desde 2015, mas se planeja para que 100% dos funcionários da área administrativa na América Latina continuem a trabalhar de casa, de maneira definitiva, após o fim do período de isolamento social.

Um novo futuro aos fundos imobiliários?

Com eventuais mudanças drásticas a caminho no modelo convencional de trabalho, como ficará a situação de grandes prédios corporativos e, consequentemente, de fundos imobiliários detentores dos edifícios?

Embora o mercado de fundos esteja sendo penalizado pela pandemia e o crescimento de aversão ao risco, por ora, gestores de fundos de fundos imobiliários, que compram e vendem cotas de FIIs, e especialistas do setor imobiliário são cautelosos com relação ao desenvolvimento de uma nova tendência no Brasil. Os escritórios ainda serão necessários, dizem, embora possam exigir adaptações.

Por mais que o trabalho remoto tenha surpreendido positivamente, tanto do ponto de vista da flexibilidade quanto da tecnologia e da eficiência, Carlos Martins, sócio fundador e gestor na Kinea Asset, avalia que a falta de socialização entre colaboradores, criatividade e questões de infraestrutura ainda são grandes desvantagens do modelo.

Pesquisa realizada pela rede social LinkedIn com 2 mil profissionais brasileiros que estão em home office mostrou que 62% deles estão mais ansiosos e estressados com o trabalho do que quando estavam nos escritórios. Além disso, 39% se sentem solitários devido à falta de interação com os colegas.

Ricardo Almendra, CEO da RBR Asset, destaca ainda gargalos na segurança da informação, bem como problemas jurídicos com relação à administração da carga horária dos funcionários.

Isso porque o trabalho remoto tem significado horas extras para muitos profissionais. Segundo o LinkedIn, 68% dos profissionais têm trabalhando pelo menos uma hora a mais por dia, com alguns (21%) chegando a um excesso de quatro horas.

A justificativa dos gestores é de que o modelo tem funcionado porque todos estão em casa ao mesmo tempo. O cenário, contudo, tende a mudar quando uma parcela dos funcionários retornar aos escritórios.

Empresas em situação indefinida

O InfoMoney procurou algumas das empresas que anunciaram regime de trabalho remoto para conferir se elas estão adotando medidas com relação aos seus espaços físicos.

Na XP, a intenção é transformar, no futuro, os espaços de trabalho atuais em escritórios-conceito, que servirão de apoio para demandas específicas de treinamentos de colaboradores, dinâmicas presenciais, recepção a clientes e parceiros, entre outras.

No Facebook, o fundador Mark Zuckerberg afirmou que, em um horizonte de cinco a dez anos, metade dos colaboradores da companhia poderá trabalhar de casa. Em pesquisa com os quase 45 mil funcionários, contudo, menos da metade (40%) se mostrou favorável ao home office permanente.

Questionada, a equipe da unidade brasileira disse que a empresa ainda não definiu o que pretende fazer com os escritórios atuais.

Com mais de 2,6 mil funcionários e unidades em São Paulo, Berlim, Cidade do México e Buenos Aires, o Nubank informou que está planejando montar um cronograma para retornar aos escritórios de forma gradativa e segura a partir de 2021.

Crise pode impactar mais que home office

Em meio à pandemia, o mercado pode ver uma devolução de lajes. O movimento, por sua vez, não seria atribuído a uma mudança nos hábitos de trabalho, mas pelo impacto financeiro da crise, assinalam as gestoras.

Além disso, devido à alta “liquidez” dos imóveis, isto é, pelo fato de escritórios serem mais facilmente ocupados do que galpões logísticos, por exemplo, gestores acreditam que os locais vagos nas regiões nobres da capital paulista, como Itaim, Vila Olímpia e avenida Paulista, seriam rapidamente preenchidos.

Ao abordar o tema de mudanças estruturais na ocupação das empresas em um cenário pós-coronavírus, o Credit Suisse afirmou em maio, via relatório, que ainda é muito cedo para fazer previsões assertivas.

“O que mais nos preocupa no momento são os potenciais efeitos de uma desaceleração violenta na economia, que pode motivar reduções de espaços ocupados pelas empresas, causando um aumento da vacância geral.”

Em abril, seu fundo de lajes Castello Branco Office Park (CBOP11) teve pedido de diferimento (adiamento) de 25,2% da receita contratada, sendo a maior parcela da Azul Linhas Aéreas.

Martins, da Kinea, afirma que a redução temporária nos pagamentos de aluguel tende a impactar a distribuição de renda dos fundos imobiliários, gerando preocupações ao investidor – que ainda olha muito para o dividendo ao escolher FIIs.

O efeito, contudo, pode pressionar o preço das cotas dos fundos imobiliários para baixo no mercado secundário e abrir oportunidade para compra de ativos a preços “interessantes”, diz.

“O investimento imobiliário é para um horizonte mínimo de três a cinco anos. 2020 será um ano difícil, com PIB muito negativo, aumento do desemprego, mas, se o investidor tiver bons ativos, eles poderão trazer boas alegrias no longo prazo”, afirma.

Sem citar nomes, o gestor da Kinea diz que ainda vê alguns fundos de lajes descontados, com preço próximo ao custo de reposição. A preferência é por FIIs com imóveis na cidade de São Paulo, dada a grande variedade de setores e empresas. No Rio de Janeiro, assinala, há uma concentração setorial muito grande, ainda focada na indústria de petróleo.

Na RBR, Almendra afirma que o cenário de mudanças não gera preocupação com os fundos da casa. “Como as empresas tiveram queda no faturamento, algumas pediram diferimento temporário com retorno ainda neste ano. Mas não tenho visto nenhum inquilino querendo devolver ou sair por conta de home office.”

Por conta de um cenário pós-crise mais desafiador, Almendra diz que o aluguel de prédios nas regiões “nobres” deve continuar subindo, mas em menor medida. O CEO da RBR conta que projetava alta de 50% em alguns casos e que hoje vê o preço estável ou com aumento de até 30%.

Os fundamentos para o segmento, porém, ainda são otimistas, e o gestor tem aproveitado a queda no preço das cotas de escritórios para ampliar a carteira de fundos corporativos nas melhores regiões da capital.

Entre os papéis cujas participações no portfólio foram ampliadas desde o início da pandemia, Almendra cita o fundo VBI 4440 (FVBI11), o CSHG Prime Offices (HGPO11), o Tellus Properties (TEPP11), bem como o JS Real Estate Multigestão (JSRE11).

Existe um “novo normal”?

Daniel Caldeira, CEO e sócio fundador da Mogno Capital, se diz cético com relação às mudanças pós-Covid-19. “Não acredito em um novo normal. Acho que as pessoas tendem a exagerar os efeitos de uma crise enquanto estamos passando por ela”, diz.

Caldeira cita o caso do Yahoo, que já tentou implementar permanentemente o home office, mas que, em 2013, voltou atrás e chamou os funcionários de volta aos escritórios.

“Passamos as últimas décadas adensando escritórios, com as pessoas sentando mais próximas uma das outras. O que vemos agora na Europa é o movimento contrário. Vamos voltar só com 20% das pessoas e depois as empresas terão que aumentar os escritórios para manter a mesma quantidade de pessoas que tinham antes”, avalia.

Segundo ele, a redução de espaço por empresas que vão adotar o home office deve ser compensada pela necessidade de mais metro quadrado por outras companhias, para atender às novas medidas de segurança.

Flexibilidade veio para ficar?

Marcelo Hannud, consultor imobiliário da XP, tem visão diferente. Para ele, a pandemia consolida a tendência de espaços mais humanizados, flexíveis e com menor controle físico dos funcionários. “É uma tendência irreversível.”

Segundo o consultor, a expectativa é de que haja uma descentralização dos postos de trabalho e a utilização crescente de escritórios flexíveis, espalhados em diversos pontos da cidade.

Desta forma, uma mesma empresa teria polos de trabalho em diferentes regiões da cidade de São Paulo, de forma a dar ao funcionário opções de acesso a uma estação próxima de sua residência, quando necessário.

Hannud afirma que esse movimento já é realidade em países como Estados Unidos, Canadá e Alemanha e que já está sendo visto no Brasil, em companhias das áreas de tecnologia, comunicação e publicidade e marketing.

“Teremos uma diminuição dos espaços corporativos aglomerados e migraremos para uma situação de espaços descentralizados, humanizados e próximos das residências dos funcionários, proporcionando maior flexibilidade e maior comodidade para as equipes de trabalho”, avalia.

A tendência, segundo Hannud, é de que os edifícios localizados nas regiões nobres da capital se adaptem ao novo cenário. “Deixaremos de usar os escritórios por uma convenção e usaremos por necessidade”, diz.

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