Os torcedores de futebol: uma visão atual, seus riscos e oportunidades
setembro 26, 2020Há algumas semanas, a Associação Europeia de Clubes de Futebol (ECA, na sigla em inglês) lançou um interessante relatório baseado numa pesquisa feita em sete países e que traz o perfil do torcedor de futebol atual.
Ainda que o estudo seja único e não uma repetição de outras pesquisas feitas ao longo do tempo, o que nos daria capacidade de monitorar e acompanhar evolução dos temas, trata-se de um apanhado de informações que podem indicar algumas tendências. Trarei alguns dados, com as devidas ressalvas.
Os países que fazem parte da pesquisa da ECA são Inglaterra, Espanha, Alemanha, Polônia, Holanda, Índia e Brasil. As pesquisas foram feitas com pessoas de todos os sexos, de 8 a 64 anos. Na amostra geral a primeira avaliação foi sobre o grau de interesse no futebol. Na amostra o resultado foi:
Enquanto temos 38% com alto grau de interesse, formados pela soma de “Grande Fã” e “Fã”, 30% dos entrevistados não gostam do futebol (“Não tenho interesse” e “Odeio o esporte”). Ou seja, temos um certo equilíbrio na população, com outros 32% de pessoas que se interessam, mas não se consideram grandes fãs do esporte.
Falando em fãs do esporte, a pesquisa também indicou o percentual de “Grandes Fãs” e “Fãs” de outros esportes nos países da amostra.
Note que o futebol é, disparado, o esporte que possui o maior número de aficionados. Enquanto isso, o automobilismo – que, na prática, inclui a motovelocidade – é o segundo esporte com maior número de aficionados. Depois, temos uma grande quantidade de esportes com percentual parecido. Destaque para os eSports, que tem um grande número de fãs, e para as lutas (boxe, wrestling e UFC).
A presença do críquete se dá pela Índia, onde ele é o esporte de maior atração de fãs no país (tem 55% de aficionados por lá), enquanto o futebol é o maior nos demais. No Brasil, temos a seguinte composição:
Esses números indicam que há grande potencial de exploração de outros esportes além do futebol, tradicionalmente o carro-chefe por aqui.
Ressalva: o ideal seria saber o número total de fãs de cada esporte. Da forma colocada, é impossível avaliar o impacto real desses percentuais em termos de mercado potencial. Mas ele serve de referência.
Observe agora o comparativo entre o nível de adesão ao futebol entre o Brasil e a amostra:
Note que, no Brasil, os extremos ainda favorecem o futebol: enquanto os aficionados estão em maior volume (46% x 38%), os que não gostam do esporte estão em menor quantidade (22% x 30%), sendo que o percentual que “odeia” futebol é bastante baixo.
Ou seja, há um enorme campo de trabalho para os clubes do Brasil, um país cuja população tem no futebol seu principal esporte, se considera aficionada e tem baixa rejeição pela modalidade.
Nos demais países da amostra, aquele que mais se aproxima do Brasil é a Inglaterra, onde 44% das pessoas se dizem aficionadas. Mas, em contrapartida, 23% dos ingleses entrevistados dizem não gostar do esporte.
Agora, falaremos de um tema interessante: a adesão ao futebol de acordo com a faixa etária. Veja abaixo.
Aqui, já venho com outra ressalva: sem um histórico longo, é impossível dizer se o que temos é uma tendência, uma melhora ou uma piora. O que temos é uma foto DESTE MOMENTO. E a foto indica que, a partir dos 25 anos de idade, há uma tendência de que cerca de 40% das pessoas se considere aficionada pelo futebol, com cerca de 30% indicando não gostar do esporte.
Quando olhamos as idades mais jovens, notamos dois comportamentos distintos: entre 8 e 15 anos há muito interesse no futebol e baixa rejeição, enquanto na idade entre 16 e 24 anos esse cenário se inverte.
Considerando que não há histórico que nos permita analisar em detalhes este comportamento, o máximo que dá para afirmar é que os mais jovens têm certa fascinação pelo esporte, e que ela se perde em algum momento – justamente o período “onde as coisas acontecem” na vida – e, depois, uma parte retorna ao futebol.
Ou seja, pela pesquisa não dá para afirmar que há redução no desejo pelo futebol. O máximo que dá para dizer é que numa parte da vida ele deixa de ser prioridade para muitos. Mas será que no passado os 28% entre 16 e 24 anos eram perto de 40%? Não dá para saber. Assim como não dá para saber se os números na infância eram menores.
Logo, vai aqui uma primeira indicação: menos alarmismo. Pelo menos com o que se tem em mãos não dá para afirmar muita coisa. Esta geração entre 16 e 24 anos pode ser uma “geração perdida” para o futebol, ou pode voltar a níveis históricos mais adiante. Mas é preciso monitorar e garantir que os jovens até 15 anos se mantenham firmes no esporte. Como? Com qualidade em campo e ações que permitam manter a atenção.
Um item fundamental é entender os motivos que levam as pessoas a não gostarem de futebol. Aqui divididos em duas categorias: quem nunca gostou e quem não gosta mais.
Naturalmente, quem não gosta do esporte é porque tem outras coisas mais interessantes a fazer, e este é o principal motivo. Seja porque nunca gostou – e para esses é natural esta resposta – seja porque as pessoas mudam, amadurecem, passam a ter vidas e prioridades diferentes.
Trata-se de uma pesquisa bastante interessante e que traz uma fotografia curiosa do momento, e que, na minha visão, é menos ruim do que se tenta transmitir, especialmente porque não temos histórico para comparar. O futebol é relevante, a massa de adesão entre as camadas com maior renda – acima de 25 anos – é estável e quem trouxe o esporte ao patamar atual.
Obviamente, há motivos para não se acomodar e continuar evoluindo no relacionamento com os fãs, que hoje vão além dos simples torcedores. Veja no gráfico abaixo como se dividem os 70% de torcedores atuais da amostra que acompanham o futebol (ignore os que não gostam):
Cerca de 1/3 dos fãs do futebol são os chamados “Seguidores” – em inglês são os “FOMO: Fear Of Missing Out” – e que se entendem moderados, mas seguem o tema para manter as relações sociais e ter assunto.
São jovens (abaixo de 35 anos, em sua maioria) e acompanham os grandes clubes das Top 5 ligas europeias. Por que? Porque a chance de vitória é maior, porque há mais informações e porque “é bacana acompanhar esses clubes”.
O ponto é: são consumidores reais do clube e do esporte? O quanto revertem financeiramente para os clubes ou são apenas “fãs de redes sociais”? Está aí um tema a ser desenvolvido pelos especialistas.
Há ainda os fãs de grandes eventos como a Copa do Mundo e os torcedores que acompanham os fanáticos, em geral são pais que acompanham a paixão de seus filhos.
Na prática, pouco mais de 1/3 daqueles 70% – ou cerca de 21% do total da população – é vinculada ao esporte (fãs do jogo e que acompanham tudo), a algum clube ou a atletas específicos.
E quais clubes esses torcedores seguem? Veja:
No Brasil, já temos 23% de torcedores que dizem torcer para clubes das principais ligas europeias, o que, curiosamente, é parecido com os percentuais da Holanda e da Alemanha. Os alemães, por sinal, têm uma distribuição democrática da torcida, com 39% que torcem pelas grandes equipes e 38% pelas equipes menores.
Mas essa atenção que os clubes brasileiros precisam ter não é apenas uma questão de conteúdo e engajamento nas redes sociais, mas especialmente apresentação de jogos de qualidade. Quantas vezes já não ouvimos coisas como “o futebol jogado no Brasil é outro jogo”. Pois é. E esse jogo, geralmente, é de qualidade inferior ao europeu.
O resultado merece atenção. O futebol parece estar mudando. E como todo negócio em mudança, ou que aparente estar em mudança, precisa ter um pé no core business e outro na evolução. O risco neste momento é pensar no supérfluo – conteúdo, gameficação, fãs ao redor do mundo – e esquecer que o que faz essa roda girar é a qualidade do que se entrega dentro de campo.
Finanças saudáveis, investimentos em estrutura, formação, elencos relevantes esportivamente. Isso atrai torcedor e permite que se explorem inúmeras alternativas de engajamento e manutenção deles na base. E isso retroalimenta toda a indústria.