Os motivos para o Ibovespa estar tão descolado da economia real, segundo Henrique Bredda e Ana Carla Abrão

Os motivos para o Ibovespa estar tão descolado da economia real, segundo Henrique Bredda e Ana Carla Abrão

julho 17, 2020 Off Por JJ

InfoMoney na Expert 2020 (Getty Images/Leo Albertino)

SÃO PAULO – Com o Ibovespa superando os 100 mil pontos, mas com as previsões de uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil sem precedentes em 2020 por conta da pandemia do novo coronavírus, a pergunta que vem sendo recorrentemente feita é sobre porque o mercado está tão descolado da economia real.

Esse foi um dos temas do painel “Perspectivas e o futuro do mercado de capitais no Brasil”, realizado nesta sexta-feira (17) e que contou com Henrique Bredda, sócio-gestor da Alaska Asset, Ana Carla Abrão, sócia e head da Oliver Wyman Brasil, e teve a mediação de Gilson Finkelsztain, presidente da B3.

Para Ana Carla, esse descolamento ocorre por um conjunto de fatores, sendo que já “dava as cartas” antes mesmo da crise com o coronavírus explodir.

Do lado da demanda, está a forte queda da taxa básica de juros, a Selic, que levou os investidores a procurarem investimentos mais rentáveis. Já do lado da oferta, os bancos públicos, principalmente o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), está saindo do financiamento de longo prazo das empresas, o que faz com que mais empresas busquem o mercado. “Isso gerou um desenvolvimento muito positivo no mercado de capitais, em particular até o momento em que a crise bateu no Brasil no começo de março”, apontou.

Esses fatores foram combinados à resposta dos bancos centrais e de governos pelo mundo ao atual cenário de crise, com um conjunto de estímulos fiscais muito relevantes, gerando assim maior liquidez no sistema.

Bredda, por sua vez, ressalta que há diferenças significativas entre a economia e as empresas que estão listadas na bolsa. “Nem sempre quando a economia está bem, as empresas da bolsa estão bem. Se fosse assim, seria impossível o ocorrido entre 1971 e 1983, quando a bolsa dividiu praticamente em dez em dólares, ao mesmo tempo em que o PIB cresceu 10% na média ao ano em termos reais”.

Assim, apontou, apesar de parecer que há descolamento, há fundamento nessa diferença por conta da composição da carteira da bolsa brasileira: “temos listadas uma elite da economia, entre 300 e 400 empresas enquanto que, no Brasil, há 8 milhões de CNPJs”.

As empresas menores são mais frágeis a contratempos na seara econômica, afirma Bredda, o que abre espaço para que companhias mais robustas – no caso atual, por exemplo, com maior estrutura para o e-commerce e com muitas delas com capital aberto – ganhem participação.

Ou seja, há um efeito zero ou negativo na economia, com empregos sendo perdidos, compras não realizadas, mas com um efeito na bolsa positivo pelo fato da empresa maior estar listada na Bolsa. “Assim, há incremento de vendas e lucros em uma empresa listada e destruição numa empresa não listada. A Bolsa anda, enquanto a economia fica de lado ou cai”, avalia.

O gestor ainda cita que, da década de 1960 até hoje, a Bolsa chegou a render 50.000% em dólares, o que não guarda relação com o quanto a economia subiu no mesmo período. “Há um processo darwinista grande nas empresas listadas. Estamos vendo, aqui no Brasil, as empresas de varejo e tecnologia começando a crescer, o que vai ocupar espaço dentro do índice e puxar a Bolsa para cima, enquanto a economia vai ter seus desafios naturais”, afirma.

Há motivos para ser otimista com a economia?

De qualquer forma, Bredda reforça que está um pouco mais otimista com o Brasil por conta das reformas estruturantes que têm sido feitas desde 2016. Na visão do gestor, as reformas estão sendo impulsionadas pela opção da sociedade brasileira em demandar políticas contra o “inchaço” do estado e pelo fim das políticas de campeões nacionais, em que eram usados bancos públicos e gerava danos ao capitalismo brasileiro.

“O capitalismo brasileiro era fajuto, nós tínhamos taxas de juros subsidiadas para algumas empresas, detonando o Tesouro Nacional e, para compensar tudo isso, havia taxas de juros enormes para financiar esse estado gastão”, avalia. Ele reforça o avanço com o teto de gastos, lei das estatais, reformas trabalhista, da Previdência e futuramente a administrativa e tributária ao apontar que, enquanto a sociedade continuar pedindo medidas promotoras de mais liberdade econômica, será cada vez melhor o ambiente para fazer negócios no Brasil, independentemente do tamanho das companhias.

Bredda explica que isso leva a uma diminuição da taxa estrutural e faz com que as pessoas realoquem o seu capital, saindo do CDB e começando a aportar em imóveis, ações, fundos imobiliários e fundos de ações, o que vai para o caixa de empresas. As companhias, por sua vez, são melhores tomadoras de decisão sobre alocação do que o poder público, o que leva a ampliações de fábricas, inovação e tecnologia, além de um mercado mais promissor de aquisições.

“Esse círculo virtuoso eu, particularmente, nunca tinha visto aqui no Brasil. Houve um primeiro passo no Plano Real (…). Quando o CDI de dois dígitos começa a cair aos patamares que vemos hoje, um outro grande passo começa a ser dado”, aponta o gestor. Os efeitos dessa mudança de alocação direta para as companhias são de mais arrecadação, crescimento e taxas de juros mais baixas, o que, na avaliação do gestor, tornam as perspectivas mais otimistas para a economia do Brasil.

Ana Carla, por sua vez, reforça que a forma de condução do grave problema fiscal – principalmente em meio à forte alta dos gastos recente para atenuar o impacto da pandemia – será determinante para definir o aspecto da recuperação econômica brasileira.

A economista aponta que o problema fiscal foi, em alguma medida, tratado com a reforma da Previdência e com a queda de juros. Mas o custo da máquina pública, que deve ser tratado com a reforma administrativa, é um dos desequilíbrios ainda pendentes a serem tratados. Ao mesmo tempo, o problema fiscal em nível subnacional segue sendo muito grave.

Além disso, ainda há discussões sobre manter ou não o teto de gastos e de financiamento de redes de proteção social e de transferência de renda, debates estes que deverão ser retomados em algum momento à medida que passe a crise mais aguda de saúde.

“Obviamente, se não resolvermos a questão fiscal, a perspectiva é muito negativa”, avalia. Desta forma, o formato da recuperação, se em “V”, “V da Nike”, “W” ou “L”, vai depender muito das ações de política pública, fundamentalmente de como o governo se posicionará quando o assunto é a retomada da agenda de reequilíbrio fiscal.

“Embora tenhamos que proteger as pessoas nesse momento de crise, o foco do nosso problema é fiscal [num horizonte mais longo de tempo]. Não conseguiremos resolver um déficit que pode superar os 10% do PIB neste ano, mas devemos colocar o Brasil na direção do reequilíbrio, uma vez que será isso que vai determinar a nossa capacidade de solvência, de retomada de crescimento e, acima de tudo, de combater o principal problema deste país, que ficou óbvio durante a pandemia, que é a desigualdade social”, avalia a sócia e head da Oliver Wyman Brasil.

Assim, todas as políticas públicas terão que olhar pela ótica do combate à desigualdade social, mas passam necessariamente por direcionar o país para uma condição de equilíbrio e de alocação de gastos de forma mais eficiente.

“É isso que vai determinar o formato da nossa recuperação. Porque poderemos ter uma recuperação em L (ou seja, não haver retomada) se não voltarmos a essa agenda, que é da reforma administrativa, tributária, PECs emergenciais que estão paradas no Congresso, além de um conjunto de ações amplamente amadurecido e discutido, como o projeto de independência do Banco Central e a reforma da lei de falências. Esses são projetos que vão devolver produtividade, melhorar a alocação de recursos e vão permitir que o país ganhe tração na recuperação”, destacou.

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