O homem que já previa a Selic a 3% diz o que espera da taxa de juros
maio 7, 2020Recorremos à Guilherme Abbud, fundador e chefe de investimentos da Persevera Asset, para entender as implicações para o Brasil de uma taxa Selic a 3% ao ano – na tarde de ontem, o Copom optou pelo corte de 75 pontos-base na taxa.
Para quem ainda conhece, a Persevera Asset é uma gestora de um só produto que investe em diferentes mercados (juro, moeda, câmbio etc). Apesar de ser um multimercado de baixa volatilidade, uma das estratégias é ter exposição à bolsa. No ano, a cota do fundo sobe 2,4% enquanto o CDI (benchmark da casa) avança 1,4%.
Desde o lançamento do fundo, ali ao final de 2018, Abbud vem externando o seu entendimento de queda do juro brasileiro para patamares historicamente baixos. O episódio 42 do Stock Pickers, que foi gravado antes da crise, contou com a participação dele e já naquela momento, Abbud falava na tese de Selic em 3%.
Passado pouco mais de dois meses e após os desdobramentos do coronavírus em todo o mundo, soltamos na última terça-feira, um Stock Pills com a participação dele na qual ele diz que existe sim espaço para que a taxa de juros venha para perto de zero.
O fato é que o cenário pré-crise de Guilherme Abbud se tornou certeiro e foi com esse pano de fundo que conversamos com ele.
Veja abaixo como foi o bate-papo:
Quando fizemos o episódio 42 do Stock Pickers você falava de Selic a 3%. Claro que no meio do caminho tivemos uma pandemia. Mas você imaginava que ela viria para 3% de maneira tão rápida?
Nossa tese desde quando começamos a Persevera Asset era que o mercado iria se surpreender com três coisas: i) crescimento de atividade que iria sempre decepcionar, ii) uma inflação que sempre surpreenderia para baixo e que, portanto, iii) a taxa de juros do Brasil cairia mais do que todos imaginavam.
O corte de 75 pontos-base foi mais do que o mercado esperava e parece que teremos mais um corte de mesma magnitude na próxima reunião. Qual a sua interpretação sobre o corte?
Foi uma mudança muito importante e que nos leva a acreditar que, finalmente, o Banco Central percebeu o tamanho do colapso de atividade e inflação que vão acontecer. O BC vinha atuando como se estivéssemos em uma crise média, observando com gradualismo as pressões inflacionárias.
Quando nós olhamos o que pode acontecer com o PIB, vemos um verdadeiro colapso. O PIB deve cair entre 5% e 10% esse ano. Podemos ter deflação no Brasil, algo que nunca aconteceu e que vem de forma muito violenta (mercado não precifica isso). Nos causava estranheza ver o Banco Central reticente.
O BC deveria se manter muito rigoroso em perseguir a meta de inflação. Demorou quase 20 anos para o Brasil ter total liberdade no BC. Antigamente, ele não conseguia fazer sempre o que era correto fazer porque o Brasil não tinha condições para isso. Muitas vezes queria cortar juros, mas não conseguia porque o Brasil não tinha reservas internacionais, ou porque tinha déficit em conta corrente e inflação alta. Hoje, o BC não precisa ter medo do câmbio, o país não vai quebrar se o câmbio subir. O BC está livre para combater uma recessão, mas não estava fazendo. Ficamos muito animados em saber que o BC está indo no caminho correto.
Como você enxerga esses dois pontos: 1) juro baixo é ambiente para país desenvolvido e 2) impacto real dessa queda de juros na economia é quase nulo
“Juro baixo é luxo para país desenvolvido”, essa frase não é verdade. Inúmeros países emergentes já têm juros próximo de zero. Em relação ao impacto na economia real, o brasileiro tem uma mania de achar que o Brasil é totalmente diferente do resto do planeta.
O instrumento clássico para recessão e depressão é cortar juros. Aqui o brasileiro acha que não funciona. Temos que diferenciar condição necessária de condição suficiente. Não estou falando que juro zero acabaria com nossos problemas, o Brasil tem inúmeros desafios. Mas não ser suficiente não significa que não seja necessário. Se não fizer isso, o resto não adianta.
Porque temos acertado esse call? Porque temos percebido que é quase um “vale a pena ver de novo”. Todos os países desenvolvidos já passaram por isso.
O que foi feito lá fora: primeiro os juros chegaram próximo de zero, depois novas ferramentas (como o instrumento de compra de títulos do BC) foram implementadas. Olhando para cá, primeiro vamos cortar os juros, depois implementamos coisas diferentes.
A forma de derrubar juros faz muita diferença. Uma diretora do FED disse o seguinte: “existem evidências suficientes de que nessa situação, Bancos Centrais que agem rapidamente tem muito mais capacidade de arrancar seus países de recessões do que aqueles BCs que não agem de maneira forte e rápida. Não faz nenhum sentido guardar a munição para o futuro.
Às vezes, inclusive, é necessário surpreender o mercado.
A comunicação é muito importante: o BC brasileiro tem que falar que o risco maior é o de deflação e não o de inflação. Dessa forma, a curva longa derreteria de 8% para 3%.
Qual o risco que estamos exposto caso o juro caia muito forte?
Um deles é o receio de gerar fuga de capital descontrolada no Brasil. Não enxergamos dessa maneira. Grande parte da desvalorização do câmbio já veio. Os estrangeiros já saíram do Brasil.
Os estrangeiros têm 9% da dívida pública (já chegaram a ter 25%), isso equivale a aproximadamente US$ 75 bilhões. O Brasil tem US$ 400 bilhões em reservas internacionais. As empresas brasileiras já transformaram suas dívidas antes dolarizadas, em real.
Achamos o medo exagerado que todos os dólares saiam do Brasil caso os juros caiam pra zero. Brasileiro tem pânico do câmbio porque ele sempre trouxe problemas, mas estamos há quatro anos vendo mas valorização cambial isso não quebrou nenhuma empresa. Câmbio valorizado com juros baixo para país que precisa crescer é a combinação dos sonhos.
Para saber mais detalhes, gravamos a conversa que foi feita pelo Instagram do Stock Pickers e já subimos em nosso canal do YouTube. Não deixe de conferir.
Apresentado por Thiago Salomão, analista da Rico Investimentos, o Stock Pickers vai ao ar toda quinta-feira às 17h. Você pode seguir e escutar pelo Spotify, Spreaker, Deezer, iTunes e Google Podcasts.