O futebol de volta para o futuro
julho 12, 2020O tema do momento no futebol é MP 984 dos Direitos de Transmissão Esportiva. Tem quem seja a favor, tem quem seja contrário. Tem quem nem ao menos tenha entendido o buraco em que está se metendo.
Os acontecimentos recentes envolvendo Flamengo, Fluminense, Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ) e Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro (TJD-RJ) mostram a confusão que é o tema. E como pensar em ações coletivas no futebol ainda é algo distante da realidade.
Distante também está a ideia sobre o que é produzir conteúdo. Os clubes brasileiros costumam se aventurar rapidamente nas teorias futuristas sobre o futebol, transformando-as em modismos que viram ações estranhas como esta MP.
A moda mais recente é justamente a de que os clubes precisam produzir conteúdo para brigar com o Netflix, a Amazon Prime Video, a Apple TV+, a Disney +, os canais de YouTube e por aí vai. Afinal, dizem os adeptos desse modismo, o futebol morrerá se não tiver conteúdo para bater de frente com as diversas formas de entretenimento.
Mas o futebol não morrerá por isso. Enquanto os dirigentes não entenderam quais são as prioridades no processo evolutivo da indústria, se agarrarão ao supérfluo, sem conquistarem o básico.
Futebol é quarta e domingo. O engajamento fora de campo do torcedor é reflexo do sucesso esportivo. Simples assim.
Há algumas semanas, escrevi que os clubes precisavam entender que os modelos de gestão mais eficientes são aqueles em que as diversas áreas da instituição atuam de forma equilibrada, com metas e objetivos claros.
Isso não significa que o futebol, o jogo, deva ser tratado de forma secundária, mas sim que todas as estruturas precisam trabalhar coordenadamente para que os onze jogadores obtenham sucesso dentro de campo.
Sem isso, você pode montar 24 horas de programação ininterrupta, sete dias por semana, treinos ao vivo, transmissão de amistosos e até querer transmitir suas partidas. Mas o resultado será frustrante.
O torcedor brasileiro se engaja pelas vitórias, boas apresentações em campo e a possibilidade de conquista.
Nesta semana, Bruno Maia, que possivelmente é o principal especialista em inovação e transformação digital do esporte no Brasil, concedeu uma entrevista para a Folha de S. Paulo que é um primor, tratando justamente desse tema.
A visão dele bate com a de profissionais que atuam no futebol europeu: para eles, há um longo caminho a ser percorrido, que não necessariamente isso passa pela transmissão das partidas oficiais.
Mas muitos especialistas preferem defender suas opiniões de maneira corporativa, olhando apenas suas próprias possibilidades financeiras.
Ao entrar na briga pelos direitos do Campeonato Brasileiro, a Turner criou um monstrengo ao assinar com nove clubes para transmissões na TV fechada.
A culpa era da lei anterior? Não. A culpa foi da Turner e dos clubes, que preferiram se virar sozinhos em busca de mais dinheiro.
Num cenário em que a Globo propunha redução de valores, seria mais óbvio se houvesse uma organização eficiente entre os clubes para que a Turner ficasse com algumas datas do campeonato, com todos ganhando mais e a emissora carioca gastando menos.
Mas os clubes preferiram seguir suas vidas. Agora que a empresa americana percebeu que não tem um produto, mas apenas alguns jogos, criou-se um problema contratual.
Aliás, esses clubes se mostram parceiros porque tem um problema comum para resolver. Se a MP 984 virar lei, bastam dois ou três deles receberem propostas mais tentadoras que essa união ficará para outro momento.
Isso tudo porque é vendida a ideia de que os clubes precisam de conteúdo. Porém, da mesma forma que muitos não sabem trabalhar o marketing além das marcas estampadas na camisa, os clubes estão acreditando que “produzir conteúdo” é apenas transmitir suas partidas oficiais na internet.
Quando a LaLiga se transforma num negócio imponente, ainda que lastreada em Barcelona e Real Madrid, é justamente porque a organização se deu por completo.
Times financeiramente mais equilibrados, negociações coletivas de TV, criação de marca e produto para o mercado interno e externo e a preparação para que o dia que o campeonato ficasse sem Cristiano Ronaldo e Messi em seus campos.
Parte disso já chegou com a ida de CR7 para a Juventus. E, em algum momento, Messi deixará os gramados espanhóis. Mas a liga espanhola trabalha para minimizar efeitos de perder os dois maiores craques da geração. E desenvolve conteúdo, acesso ao fã, engajamento. Mas isso funciona apenas porque o que se vê em campo agrada.
Esse deveria ser o caminho do futebol brasileiro: pensar, planejar, organizar, implementar. Na ordem de prioridade que qualquer desenvolvimento de negócios manda.
E, no caso do futebol, é mais ou menos óbvio: organizar as finanças e buscar o equilíbrio, reduzindo dívidas e pagando as contas em dia. Depois é transformar o jogo, qualificar o espetáculo, atrair a atenção. A partir daí se cria valor.
Enquanto isso, os processos de produção de conteúdo e exploração de marca se aprimoram, para surtir efeito no longo prazo, quando todos os frutos vão estar maduros.
Há clubes que já andaram algumas casas, como Flamengo, Palmeiras, Grêmio, Ceará, Fortaleza, Bahia e Athetico. Se souberem aproveitar o momento, eles vão se destacar no dia em que houver uma indústria no Brasil. Mas esses clubes também precisam trabalhar para que haja essa indústria.
Porque há outros tantos que ainda mal entenderam para onde o vento sopra, e preferem acreditar nas velhas estratégias do século passado – contratam atletas sem condição de pagar, esperam ajuda de um mecenas que depois desiste da brincadeira, mantém estruturas de gestão arcaicas e baseadas em abnegados.
Alguns até acreditam que o negócio é produzir conteúdo, mesmo sem nem saber bem o que é isso.
O futebol brasileiro mantém um pé na modernidade e outro no passado. Embarcamos num DeLorean, mas sem saber quem está no comando. O problema é descobrirem que o piloto sumiu. Então, só restará apertar os cintos. Passou da hora de se organizar e olhar só para o futuro.