O desafios do futebol hoje, amanhã e… sempre?
maio 21, 2020Uma das perguntas mais frequentes que recebo e tento responder é sobre o futuro do futebol pós-Covid.
A resposta exata não existe, mas temos alguns cenários possíveis. Todos e, em especial, as pessoas que operam essa indústria, precisamos estar atentos e nos prepararmos para o que virá.
O problema é que ainda estamos num momento no qual a preocupação está em fechar as contas de 2020. Como pagar salários sem jogos? Como fazer a roda girar numa economia debilitada, na qual as pessoas perdem renda?
Mas o desejo pelo futebol e a sensação de que tudo pode voltar ao que era pré-Covid ainda é grande. Os negócios não param.
Nesta coluna, falaremos um pouco sobre o presente e o futuro, num exercício baseado em informações e não em bola de cristal. Porque, se é impossível prever o futuro, é necessário traçar os cenários que nos permitam ajustar a rota conforme as premissas se confirmem no tempo.
Falemos do momento no Brasil. O cenário é bastante difícil, mas é preciso primeiro lembrar que muitos clubes foram atingidos pela Covid-19 já em estado de forte deterioração.
Logo, nunca é demais ressaltar que muitos dos que pedem socorro hoje empurravam os atrasos e a má gestão com a barriga, dentro da normalidade instalada no nosso futebol.
Sem jogos transmitidos, a TV não paga, assim como os patrocinadores. Também não há dinheiro de bilheteria e muitos programas de sócio torcedor não conseguem seguir com os pagamentos, pois também estão perdendo renda. E os custos permanecem quase todos lá, uma vez que os salários representam, em média, 65% das receitas.
Fora de campo, os atletas que teriam vitrine para serem negociados na janela de meio de temporada deixam de aparecer. Acompanhados, claro, dos problemas que assolam os clubes europeus, e que permanecerão fazendo negócios, mas privilegiarão as negociações dentro da Comunidade Europeia, como forma de manter o dinheiro circulando internamente.
Alguns clubes brasileiros conseguiram reduções salariais amigáveis, e isso é sempre mais fácil quando se paga em dia. Outros, cujo mês tem mais de 60 dias, possuem mais dificuldade em fechar suas negociações, pois os atletas (corretamente) se recusam a normalizar situações erradas.
Desta forma, o cenário sem partidas é muito ruim. Preparei uma simulação para quantificar esses números, baseados nos clubes que fazem parte da análise anual sobre os clubes que faço para o Itaú BBA.
Isso considerando que o futebol retorne aos campos em breve, e seja possível disputar o Campeonato Brasileiro, a Copa do Brasil e as competições sul-americanas (Libertadores e Sul-Americana).
Dessa forma, a TV pode retomar os pagamentos aos clubes, e mesmo os patrocinadores mais robustos seguirão com suas obrigações em dia. Porque é possível que alguns patrocinadores menores deixem definitivamente o futebol, por pura incapacidade financeira.
Não sou médico nem especialista sanitário, então não tenho capacidade de dizer quando e em que condições o futebol deve retomar suas atividades.
Mas não podemos ignorar o fato de que esporte mais popular do país movimenta cerca de 0,74% do PIB brasileiro e emprega, direta e indiretamente, mais de 150 mil pessoas no país, segundo estudo da EY para a CBF, o Relatório de Impacto do Futebol Brasileiro.
Naturalmente, a ausência de público nos estádios não ajuda a recuperar a totalidade dos empregos, mas é importante para uma parte deles. E ninguém que debate a volta das partidas de futebol ignora que a avaliação é puramente financeira.
Na Europa, os campeonatos que movimentam mais dinheiro estão com data de retorno marcada ou já retomaram atividades, como a Bundesliga, pois o prejuízo sem partidas seria imenso. A liga francesa encerrou a competição, mas boa parte dos clubes (os maiores) não recebeu bem a decisão e ainda tenta revertê-la.
Ligas menores, como a holandesa e a belga, cujo impacto financeiro é menor, encerraram atividades, porque os custos para colocar clubes em campo eram maiores do que os benefícios.
Talvez tenhamos que simplesmente encerrar competições que movimentam pouco dinheiro. O protocolo médico para garantir a segurança das partidas não cabe no bolso de todos os clubes. Campeonatos estaduais que não geram receitas talvez não retornem, mas os Brasileiros das Séries A e B eventualmente consigam’, assim como a Copa do Brasil.
Essa é uma decisão que precisa ficar clara para todos os envolvidos na indústria, inclusive porque deve gerar impactos na próxima temporada. Afinal, como os atletas vão se comportar caso não tenham férias? Como será a realidade dos estaduais se continuarmos sem público e com protocolos caros para que os clubes entrem em campo?
Muitas dúvidas, poucas certezas e uma realidade: quanto mais o futebol demora a retornar, maior será o impacto sobre a indústria. E isso levará a uma mudança estrutural sem volta: a alteração na força dos clubes.
Vários clubes tradicionais talvez deixem, definitivamente, de fazer parte das estruturas mais nobres do esporte, abrindo espaço para clubes de história mais recente e menores torcidas, mas mais organizado, geridos de maneira profissional e eficiente.
Retomando às perguntas do início do artigo, temos esta: “Mas e o futuro do futebol enquanto negócio? Mudará demais? Será menor? Mais pobre?”.
Todo mundo fica pensando nos valores envolvidos na indústria, dos salários dos atletas aos direitos de TV, dos patrocínios aos preços dos ingressos, e esperam que tudo seja reduzido, afinal, a economia vai encolher e o futebol não deve permanecer do jeito que era.
É possível que tenhamos uma redução geral, em todos os itens citados anteriormente. Mas não parece que o esporte deixará de ser atraente para investidores, patrocinadores, atletas e mídia. Nem que ele mudará, de forma profunda, em sua essência.
Essa é, ao menos, a expectativa de muitos stakeholders, vide uma série de negócios que estão acontecendo durante a pandemia.
No campo das negociações de clubes, vimos recentemente a aquisição do Grasshopper, clube suíço de Zurique, pelos chineses do grupo Fosun, que são proprietários do Wolverhampton Wanderers, da Premier League inglesa. Ao mesmo tempo, o City Football Group adquiriu o controle do Lommel, clube belga da segunda divisão. Ou seja, negócios estão acontecendo, especialmente nos níveis menores.
Outro caso recente é o interesse do mundo árabe na aquisição do Newcastle United, tradicional clube inglês que disputa a Premier League. A aquisição, por cerca de € 330 milhões, mudaria o clube de patamar, com mais dinheiro para investimentos, sempre balizados pelos controles do Fair Play Financeiro.
No campo dos estádios, temos na Itália um movimento importante, com a decisão de Milan e Inter em seguir com o plano do novo estádio da cidade de Milão, cujo projeto total está orçado em € 1,2 bilhão.
Outra movimentação se vê na Serie A, a liga de futebol italiana. Segundo matéria do site SportsPro, o fundo de investimento CVC Capital tem interesse em comprar 20% da liga, avaliada em € 11 bilhões. O négocio significaria uma entrada de € 2,2 bilhões na associação composta pelos 20 clubes que disputam o campeonato italiano da 1ª divisão.
Além do CVC Capital, o fundo Blackstone também demonstrou interesse em adquirir participação na liga italiana. Ambos consideram que o campeonato pode gerar mais receitas no futuro.
Esses negócios mostram que o esporte continua sendo uma atividade de enorme atratividade, mesmo em meio à pandemia que muda suas estruturas. O futebol vai sofrer? Vai. Vai diminuir de tamanho? Possivelmente. Isso será permanente? Para muita gente, parece que não.
E como minha bola de cristal quebrou, volto ao início: não é possível garantir qual será o rumo que o futebol seguirá. Mas é fundamental entendermos a relevância desse esporte na economia, e que os atores dessa indústria – clubes, federações, atletas, TVs – tenham mapeados o máximo possível de possibilidades, de forma a se movimentar da maneira mais eficiente possível.
Vale para o futebol, mas vale para todas as demais indústrias, especialmente num momento delicado como este. Preocupação com o presente, mas atenção e cuidado com o futuro.