MPF ajuíza ação de reparação por fraudes em cotas raciais na UFS

MPF ajuíza ação de reparação por fraudes em cotas raciais na UFS

março 8, 2023 Off Por JJ

(Foto: Adilson Andrade/UFS)

O Ministério Público Federal (MPF) divulgou nesta terça-feira, 7, que ajuizou ação civil pública com pedido de reparação aos danos causados à coletividade pela demora da Universidade Federal de Sergipe (UFS) em fiscalizar a ação afirmativa de cotas raciais. As cotas estão previstas na Lei 12.711/2012, que reserva vagas a alunos pretos, pardos e indígenas nos processos seletivos para ingresso nos cursos de graduação das instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação.

Segundo o MPF, as comissões de heteroidentificação implantadas pela UFS para apuração de casos de fraudes denunciados à sua Ouvidoria constataram o ingresso ilícito de 114 estudantes em vagas reservadas a pretos, pardos e indígenas, entre os anos de 2016 a 2020. As vagas ocupadas por tais alunos, que não fazem jus às cotas raciais, foram subtraídas da ação afirmativa prevista em lei, cujo objetivo é ampliar o acesso dessa população ao ensino superior com a finalidade de reduzir a sua sub-representação nas universidades. Por isso, este é o número de vagas que o MPF pede à Justiça que a UFS destine a estudantes cotistas nos próximos processos seletivos.

De acordo com a ação, durante cerca de oito anos as cotas raciais foram aplicadas sem qualquer atuação da Universidade para impedir a prática de fraudes, o que ensejou prejuízos concretos à ação afirmativa. Isso porque, nesse período, centenas de alunos ingressaram nos cursos de graduação com base única e exclusivamente em suas autodeclarações como negro (preto ou pardo), mesmo que esses ostentassem características próprias de pessoas brancas, em casos gritantes de fraude.

Jurisprudência 

O MPF se baseia no entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 186 e sustenta que as cotas raciais devem ser destinadas às potenciais vítimas diretas do racismo e da discriminação racial, sendo essa a razão pelas quais as comissões de heteroidentificação analisam se determinado candidato possui um conjunto de características físicas que permitam considerá-lo como negro, no contexto local. Assim, para a destinação das cotas raciais, o que importa é a imagem do candidato, ou seja, se este é ou não percebido, socialmente, como uma pessoa negra, e não o fato de possuir eventuais antepassados negros, sob pena de esvaziar a política pública.

O MPF entende que o combate a fraudes em seus processos seletivos é um dever das universidades federais, com base no poder de autotutela da Administração Pública, que detém o controle da legalidade de seus próprios atos. Além disso, a Portaria 18/2012 do Ministério da Educação, que regulamenta a aplicação da Lei de Cotas pelas universidades, dispõe de forma expressa que a prestação de informação falsa pelo estudante, apurada posteriormente à matrícula, em procedimento que lhe assegure o contraditório e a ampla defesa, ensejará o cancelamento de sua matrícula, sem prejuízo das sanções penais.

Outros pedidos

O MPF também pede que a UFS seja condenada a reparar danos extrapatrimoniais no valor de R$ 800 mil, referente ao período de tempo em que se deixou de realizar qualquer fiscalização à aplicação da ação afirmativa de cotas étnico-raciais em seus processos seletivos.

O recurso deve ser aplicado, como forma de compensação, em ações voltadas à redução da sub-representação dos negros e indígenas na UFS, como a implantação de programa de permanência e assistência estudantil (bolsas, moradia e alimentação); políticas de pesquisa voltadas para os cotistas negros e indígenas (bolsas de iniciação científica de ações afirmativas); campanhas internas e externas sobre as ações afirmativas voltadas às populações negra e indígena e informação sobre o público efetivo de destinação das cotas raciais; programa de formação para a diversidade racial do corpo discente, docente e técnico-administrativo; promoção de debates públicos sobre as temáticas da democratização da universidade e da diversidade racial; criação de uma Pró-Reitoria de Ações Afirmativas.

Histórico

Em junho de 2020, o MPF instaurou inquérito após o recebimento de denúncias de diversos casos de fraude às cotas étnico-raciais relacionadas a alunos que se encontravam matriculados em cursos de graduação da UFS. Durante as investigações, o MPF constatou que, até 5 de junho de 2020, a Ouvidoria da Universidade também havia recebido mais de 180 denúncias de fraude às cotas.

No entanto, mesmo diante do grande número de denúncias recebidas, a Universidade ainda não havia implementado, até aquele momento, uma sistemática de apuração de fraudes às cotas raciais por meio de comissões de heteroidentificação e a instauração dos correspondentes processos administrativos.

Como não poderia permanecer inerte diante das denúncias, o MPF expediu recomendação para que a UFS apurasse os casos de fraude noticiados à sua Ouvidoria e adotasse as providências devidas.

Dessa forma, a UFS publicou editais e convocou 135 discentes denunciados pela prática de fraude às cotas raciais, para que comparecessem perante comissões de heteroidentificação destinadas à apuração de denúncias de possíveis irregularidades na autodeclaração de pretos ou pardos. Desses, 91 foram considerados inaptos porque não reuniam o conjunto de características fenotípicas de pessoas negras. Vinte e três dos alunos convocados não compareceram perante a comissão.

No âmbito administrativo, a UFS informou ao MPF que seguem tramitando processos administrativos quanto aos alunos reprovados pelas Comissões de Heteroidentificação, que poderão resultar no cancelamento de suas matrículas.

UFS

A UFS se pronunciou por meio de nota. Confira na íntegra:

Com relação à nota emitida pelo Ministério Público Federal em Sergipe, sobre ações afirmativas de cotas raciais, no âmbito dos processos seletivos de estudantes, a Universidade Federal de Sergipe explica os procedimentos adotados no combate a fraudes, ressaltando que o objeto da ação civil pública é referente ao intervalo entre os anos de 2016
e 2020.

As políticas afirmativas, com reserva de vagas para cotas raciais e estudantes de escolas públicas, foi implantada na UFS no ano de 2009, antes mesmo da Lei de Cotas entrar em vigor no país. A universidade refuta a informação de que não tenha atuado para impedir fraudes nas cotas dos processos seletivos para alunos. Através da Ouvidoria da
universidade, as denúncias foram recebidas e analisadas, tendo esse processo se modificado e aprimorado ao longo dos anos, em atenção à legislação. Ressalta-se que a banca de heteroidentificação, procedimento adotado para evitar fraudes na política de cotas raciais, é um aprimoramento do processo de averiguação. A autodeclaração, prevista
inclusive na Lei de Cotas, era o único procedimento vigente no Brasil. A implementação de bancas de heteroidentificação no âmbito das universidades federais é recente e foi implantada na UFS no ano de 2021, quando se instituiu e regulamentou as normas de heteroidentificação, complementando a autodeclaração dos candidatos às vagas por cotas raciais.

A UFS refuta também a informação de que deixou de fiscalizar a aplicação de cotas étinico-raciais em seus processos seletivos. Desde o ano de 2016, a universidade recebeu centenas de denúncias de fraudes, que foram analisadas e, quando julgadas procedentes, a universidade iniciou procedimentos administrativos para o desligamento dos estudantes.

Por fim, a Universidade Federal de Sergipe reitera o compromisso com as políticas afirmativas, tendo sido uma das precursoras no país em sua implementação nos processos seletivos, ciente das responsabilidades no combate a eventuais fraudes, para as quais tem atualizados os mecanismos de verificação para garantir, cada vez mais efetividade na aplicação da lei.

Com informações do MPF/SE e da UFS