Modelos de gestão no futebol e os caminhos para a evolução – Parte I: o papel dos políticos
janeiro 23, 2021Nesta semana, inicio uma série de colunas dedicadas ao debate sobre o modelo de gestão dos clubes de futebol.
No Brasil das associações políticas sem fins lucrativos, começamos 2021 com 11 clubes apresentando novas gestões ou ratificando gestões em curso após processos eleitorais.
Com mais ou menos eleitores (e este é um tema para o futuro), o que temos visto nas declarações dos vitoriosos é um discurso unânime de mudança, de profissionalização, de controle de custos.
Tudo muito bonito, tudo muito próximo ao que os críticos querem ouvir, mas, no modelo político e amador, tudo muito volátil.
O discurso mal resiste aos primeiros resultados ruins, e certamente será abandonado por completo em caso de rebaixamento, por exemplo.
Isso explica por que é tão importante falarmos em estrutura, que vem antes de modelos de controle. Se o desempenho e o equilíbrio financeiro são indiferentes ao modelo societário, eles estarão cada vez mais associados aos modelos mais eficientes e profissionais de gestão.
Portanto, peço aos torcedores atenção quando ouvirem e lerem o que os novos mandatários propõem para suas gestões. É comum que seja vendida a ideia de profissionalização adotando práticas amadoras. Vamos então tentar dirimir dúvidas.
1. Não há modelo certo ou errado
O primeiro passo em qualquer desenho de modelo de gestão é entender que não há modelo certo ou errado, mas sim conceitos certos ou errados.
Assim como na realidade corporativa, em que empresas de sucesso do mesmo setor possuem modelos de gestão diferentes, no futebol serve a mesma lógica. E nada mais arrogante e errado que determinar a certeza de um modelo de gestão.
2. Então, qual deve prevalecer?
Independente das “caixinhas” do organograma de estrutura, o que precisa estar claro é o conceito, e o conceito que os clubes deveriam adotar é justamente a parte mais difícil de realizar: cargos políticos não devem participar da gestão da atividade operacional. Ou seja, presidente, vice-presidentes, abnegados, diretores estatutários não devem ter função executiva e muito menos remunerada na estrutura de um clube de futebol.
Pronto. Já temos um problema que é quase insolúvel na maioria dos clubes.
Porque no futebol as gestões são personalistas e não executivas. O presidente eleito quer mandar, dar palpite, acredita mesmo que entende de futebol a ponto de escolher treinador e contratar atletas. O VP de Futebol, então, é brilhante: “Cresci vendo fulano jogar” ou “Tenho mais horas de vestiário que você de vida”. Coisas que se ouve por aí. Mas poucos estão preparados para a função, de fato.
Logo, o conceito é: políticos eleitos ficam distantes da gestão e atuam à distância, em conselhos de gestão.
3. Mas qual o papel desses políticos?
Claramente, num ambiente eleitoral existem muitos cargos para poder acomodar muitos acordos políticos. Na prática, o clube deveria criar regras e um modelo que não pudesse ser alterado a cada novo presidente eleito.
Nesse sentido, o Conselho Deliberativo deveria ter um papel fundamental no processo, que é definir e aprovar um Planejamento Estratégico, que,de forma resumida, trata da definição de regras e procedimentos cuja finalidade é atingir um ou mais objetivos. A partir dele, definem-se metas e ações que levem a este objetivo.
Um Conselho Deliberativo eficiente deveria ser capaz de criar um plano para que o clube atingisse as metas ao longo de pelo menos três gestões. O plano pode ser desde uma retomada de competitividade até a sustentabilidade do cenário atual. O que importa é que ele tenha objetivos e conceitos claros, sendo monitorados por meio de metas a serem cumpridas. É o plano estratégico.
Com esse “manual” nas mãos, entra em cena a gestão eleita. O papel do presidente e dos vices eleitos é o de definir as ações táticas que sirvam de referência para que os objetivos estratégicos sejam atingidos. Porque uma coisa é dizer que “em cinco anos teremos que ter as dívidas equacionadas, para em 10 anos podermos ser um dos Top 5 clubes brasileiros em termos de custos com futebol”, mas outra é definir e atuar de forma a atingir esses objetivos.
Essas metas deveriam ser propostas pelos dirigentes eleitos aos executivos profissionais, e os dirigentes políticos atuariam então como conselheiros da gestão executiva, cuidando para que as metas sejam atingidas, e especialmente, para que a governança seja posta em prática (considerando, naturalmente, que exista uma governança efetiva).
Por que isso? Por que o dirigente eleito não pode ser o executivo? Porque eles duram pouco, os mandatos são curtos e os objetivos estão desalinhados. O clube precisa ser gerido para ser sustentável no longo prazo, mas o dirigente político quer a glória agora, e muitas vezes as decisões executivas precisam ser tomadas de forma desapegada e meramente técnica.
Clubes de futebol são como empresas familiares. Normalmente loteadas entre os membros, as gestões familiares costumam ser menos eficientes porque precisam acomodar pessoas. Não é regra, obviamente, pois há empresas familiares que se desenvolveram de forma brilhante. Mas num ambiente cada vez mais competitivo, é fundamental estar atento às melhores práticas, e apto a executar planos estratégicos e táticos de forma a maximizar os retornos.
Faço uma pausa e conto uma anedota profissional: certa vez me deparei com uma boa empresa familiar que apresentou dificuldades financeiras.
A gestão executiva já era profissionalizada, mas a estratégica era tomada pela família. A empresa tinha marca, bom Market share, produto de qualidade, mas alguns problemas: i) o produto da concorrência tinha o dobro da validade, e a justificativa da companhia é de que eles preferiam manter sempre produtos novos nos mercados; ii) atendia milhares de postos de venda, mas em vários a quantidade era muito pequena; iii) possuía uma unidade fabril ineficiente (antiga) numa região nobre que era a origem da companhia, e lá mantinha empregados funcionários de baixa produtividade mas que estavam com eles há décadas.
A empresa contratou especialistas e, considerando apenas esses três elementos, conseguiu (i) dobrar o tempo de validade dos produtos, de forma a ser mais eficiente na produção e logística reversa (era responsável por recolher os vencidos), (ii) reduziu a quantidade de pontos de venda, de forma a priorizar os que tinham maior demanda, e terceirizando entregas aos pequenos, gerando economia com logística, e (iii) desativou a antiga fábrica, vendeu o terreno, aposentou alguns poucos funcionários e realocou outros. Com isso, fez caixa, ganhou fôlego financeiro e eficiência produtiva.
Houve outras ações, mas essas três indicaram o caminho rápido da recuperação, de uma empresa quase em recuperação judicial para outra saudável e equilibrada. Tudo a partir de decisões tomadas por executivos contratados, que desenharam a estratégia e aplicaram ações táticas contrárias às ideias dos donos, mas necessárias.
Este é o motivo de termos executivos e não políticos na gestão dos clubes.
Voltando ao tema, um aspecto importante: a gestão executiva não deveria ser substituída a cada eleição. Na prática, se estiver entregando o desempenho anual de acordo com o planejamento estratégico e as metas táticas, deveria permanecer. É, novamente, a mudança no conceito de gestão personalista (dos políticos) para executivas (dos profissionais), remunerados conforme desempenho acordado.
Primeiro Resumo: O papel dos dirigentes eleitos
Então, temos o seguinte até o momento:
– Conselho Deliberativo deveria propor e votar um plano estratégico de longo prazo (três mandatos pelo menos);
– Deveriam ser também a instância que monitora a execução do plano estratégico;
– Dirigentes Eleitos deveriam ficar distantes da gestão cotidiana, definindo plano de ação tático, cuidando para que a governança seja mantida e cobrando resultados;
E este papel está longe de ser menor. Em todo modelo corporativo, é fundamental que haja instâncias que sejam guardiãs da governança e garantam que haja transparência para os principais stakeholders (torcedores e parceiros). Esse papel deveria ser exercido justamente pelos dirigentes eleitos, ao longo de seus mandatos. É a figura institucional, que representa o clube formalmente.
Quem entender isso certamente estará em vantagem.
Modelo estrutural
Um desenho possível para este modelo é o seguinte:
Situação Atual
O torcedor vai encontrar de tudo nos discursos de posse dos novos presidentes. Há quem fale em gestão compartilhada entre políticos e profissionais, ou em deixar os profissionais trabalharem, exceto na gestão do futebol, e outros que ainda adotam o discurso dos “grupos de notáveis”, abnegados que se ocupariam de ajudar os também abnegados – ou mesmo profissionais – na gestão do dia-a-dia.
Isso talvez funcionasse há 20 anos. Hoje, não faz nenhum sentido, numa atividade que movimenta bilhões de reais anuais em receitas, que lida com dívidas elevadas, competindo com mercados altamente profissionalizados como o europeu e sendo alvo de ataques de diversas outras formas de entretenimento, como o profissionalizado eSport (falarei mais sobre este tema em breve).
Ou seja, atenção: quanto mais presença de dirigentes amadores no comando, maior a chance de seu clube ter que contar com o acaso para protegê-lo.
Mas e os que hoje se destacam? Ora, os que se destacam se aproveitam de viver em terra arrasada. Com alguma profissionalização e com as contas em dia já estão anos-luz à frente dos que ainda pensam em como evitar o Bug do Milênio.
Na próxima semana, teremos a segunda parte, com o desenvolvimento possível do organograma executivo, com alguns exemplos europeus e possibilidades para o Brasil.
Além disso, na segunda e terceira partes, apontarei algumas das funções dos executivos, do papel do CEO ao do Diretor Técnico, do Marketing à Inovação, passando pelo CFO. Tudo isso usando como referência os diversos modelos de gestão de clubes europeus. Até lá!