Juiz nega pedido de associações para proibir Boeing de contratar engenheiros no Brasil

Juiz nega pedido de associações para proibir Boeing de contratar engenheiros no Brasil

junho 1, 2023 Off Por JJ

O juiz Renato Barth Pires, da 3ª Vara Federal de São José dos Campos (SP), reconsiderou a sua decisão de enviar a Ação Civil Pública (ACP) contra a Boeing (BOEI34) para a Justiça Estadual, mas negou o pedido liminar das associações que processam a empresa americana para proibir — ou pelo menos restringir — a contratação de engenheiros “de elite” no Brasil.

Pires afirmou em sua decisão que “em um sistema jurídico que tem como um de seus fundamentos a livre iniciativa […], a intervenção judicial, quer para impedir, quer para limitar a contratação de trabalhadores, há de ser feita com muita cautela”.

Disse também que a livre concorrência é “princípio regente da ordem econômica” e que, “para que se possa estabelecer uma restrição dessa natureza, precisaria haver uma prova muito clara dos fatos e dos propósitos indevidos das requeridas, o que, até o momento, não se verificou”.

O juiz deu 10 dias para as partes do processo especificarem as provas que pretendem produzir, “justificando sua necessidade”, e disse que vai examinar as questões preliminares apontadas pela Boeing após a manifestação dos envolvidos. Ele também deu indícios da sua opinião sobre o caso (veja mais abaixo).

Boeing x Embraer

InfoMoney tem mostrado que, anos após a Boeing desistir de comprar 80% da divisão comercial da Embraer (EMBR3) por US$ 4,2 bilhões, a gigante americana tem avançado sobre os talentos da brasileira — e de outras companhias com sede no Brasil –, contratando “a elite da engenharia aeroespacial brasileira”.

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A empresa já contratou mais de 200 profissionais no país desde o ano passado — sendo mais de uma centena da Embraer — e continua com dezenas de vagas em aberto em São José dos Campos (SP), o berço da multinacional brasileira e do setor aeroespacial e de defesa do país.

O foco começou por engenheiros de nível sênior, que têm anos de experiência, chefiam importantes áreas de desenvolvimento de aeronaves e possuem acesso a informações privilegiadas de projetos com segredos industriais. Nos últimos meses, a gigante americana passou a contratar também profissionais de meio e começo de carreira.

A Embraer inclusive já notificou extrajudicialmente a Boeing nos Estados Unidos, por causa das contratações no Brasil, acusando a empresa americana de “se apropriar indevidamente de seus segredos de negócios e outras informações confidenciais” após o negócio frustrado entre as duas. A Boeing nega as alegações.

Pedido urgente?

É neste contexto que a Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde) e a Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB) entraram com a ACP contra a Boeing, em novembro de 2022, acusando a empresa de ameaçar a soberania nacional com as contratações, e tentam impor uma série de restrições à empresa.

Elas pediram tutela de urgência na Ação Civil Pública e uma série de liminares contra a Boeing, afirmando que a gravidade da situação exigia medidas drásticas. Mas não têm encontrado na Justiça o respaldo e a celeridade que esperavam.

Apesar de a ação ter começado em novembro, o governo federal se manifestou no processo apenas em fevereiro. E, com base em um parecer do Ministério da Defesa, a Advocacia-Geral da União (AGU) afirmou que não via ameaça à soberania nacional nas contratações da Boeing.

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O juiz então declarou “incompetência absoluta” para julgar o caso e o mandou para Justiça Estadual, mas as associações recorreram ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), que suspendeu a decisão e questionou novamente o governo.

Vaivém do governo

A AGU apresentou um novo posicionamento, desta com base em um parecer do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), em que voltava atrás e pedia para fazer parte do processo. “Não há dúvidas de que a expertise brasileira nos setores de defesa/aeroespacial e aeronáutico, conquistada após uma trajetória de muito trabalho e estreito suporte estatal, possui caráter estratégico para a soberania nacional”.

Foi devido à mudança de posição que Pires reconheceu a competência da Justiça Federal para analisar o caso, como queriam as associações. Mas ele afirmou em sua decisão que “é sintomático que o interesse da União (agora reconhecido) tenha partido do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, e não do Ministério da Defesa (que, ao que parece, não mudou de opinião a respeito)”.

O juiz afirmou também que “uma parte dos problemas narrados na inicial poderia ser resolvida com simples ajustes nos contratos de trabalho, com a inserção de cláusulas de confidencialidade e de não concorrência e, evidentemente, com a instituição de uma política salarial e de incentivos compatível com o mercado”.

O que diz a Boeing?

Este é o argumento da Boeing no processo judicial. Antes mesmo de ser intimada a se defender no processo, a empresa afirmou que “as associações não fornecem qualquer base legal para as medidas extremas pleiteadas” e querem impedi-la de “exercer seu direito constitucional de livre contratação de funcionários”.

A empresa americana disse que “não pode ser impedida de oferecer bons salários e boas posições aos trabalhadores no Brasil” e que “os engenheiros brasileiros são livres para trabalhar na empresa que ofertar melhores condições de trabalho, especialmente em um mercado altamente especializado”, e que proibi-la de contratar esses profissionais “seria abusivo e desproporcional”.

Sobre a decisão da 3ª Vara Federal de São José, a Boeing afirmou que o Brasil “possui um rico histórico de aviação, universidades técnicas de ponta e um forte ecossistema de engenharia”. “Como empresa global, estamos comprometidos em atrair e desenvolver os melhores talentos nos Estados Unidos e em todo o mundo para atender à demanda global por nossos produtos e serviços aeroespaciais”.

Negócio frustrado

Em meio à disputa pela elite da engenheira aeroespacial e de defesa do Brasil, o InfoMoney tem mostrado o custo, para a Embraer, do negócio frustrado com a Boeing. A empresa brasileira já gastou mais de R$ 806 milhões e ainda cobra ressarcimento da americana, após mais de 3 anos do fim de acordo, mas alerta seus investidores que pode não só não ser indenizada como perder ainda mais dinheiro.

Procurada, a Embraer não quis se pronunciar sobre o negócio frustrado nem sobre a arbitragem em andamento. Por isso, para chegar aos R$ 806 milhões, a reportagem analisou as demonstrações financeiras da empresa dos últimos seis anos, além de documentos públicos depositados na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e na SEC (Securities and Exchange Comission).

A brasileira desembolsou milhões não só para segregar a sua divisão comercial (que seria transformada em uma joint venture com a Boeing), mas também para reincorporá-la, depois que o acordo fracassou. Foram R$ 485,5 milhões em 2019 e mais R$ 215,7 milhões no 1º semestre de 2020, antes de o negócio ser cancelado pela Boeing, além de R$ 105,6 milhões em 2021, com o programa One Embraer (criado para reintegrar a divisão comercial ao restante da empresa).

Embraer já gastou mais de R$ 806 milhões em negócio frustrado com a Boeing — e continua gastando (Arte: Leo Albertino/InfoMoney)

A Embraer é a terceira maior fabricante de aeronaves comerciais do mundo, atrás apenas da Airbus e própria Boeing, e líder no segmento de aviões de até 150 passageiros. Mas a escala das empresas é incomparável: enquanto a Embraer tem cerca de 18 mil funcionários em todo o mundo, a Boeing tem mais de 150 mil e contratou mais de 26 mil pessoas apenas em 2022. Além disso, a receita da empresa americana é cerca de 15 vezes superior à da brasileira.

Apesar de não se pronunciar publicamente sobre a disputa contra a Boeing, a Embraer é obrigada a tratar do assunto em seus balanços e em documentos públicos depositados na CVM e na SEC. Neles, a empresa brasileira diz que a americana “rescindiu indevidamente o acordo que criaria parcerias nas áreas da aviação comercial e de defesa & segurança, gerando custos significativos para nossa empresa” (veja mais abaixo).

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Já a americana afirmou ao InfoMoney que tinha direito a cancelar o negócio. “Rescindimos nosso acordo para formar uma parceria estratégica depois que a Embraer não cumpriu uma série de condições importantes do contrato. A Embraer contestou nosso direito de rescisão e estamos arbitrando essa disputa em um processo confidencial. Não diremos mais nada sobre isso enquanto prosseguimos com a arbitragem”, afirmou a Boeing à reportagem.

Riscos da arbitragem

No formulário 20-F, depositado na SEC neste ano, a Embraer trata dos riscos que corre por causa do processo de arbitragem contra a Boeing (que já dura mais de três anos). Com 307 páginas, o documento aborda o negócio frustrado logo na primeira parte, onde estão as “informações-chave” (“key information”) da empresa, na parte “fatores de risco”:

“Incorremos e continuamos a incorrer em custos adicionais em conexão com o processo, defesa ou liquidação do processo judicial atualmente pendente e de quaisquer processos judiciais futuros e quaisquer procedimentos legais futuros relacionados à Transação Boeing e/ou rescisão e falha da Boeing em fechar a Transação Boeing”, afirma a Embraer no documento (veja abaixo).

A empresa lembra os investidores que “tanto a Embraer quanto a Boeing iniciaram arbitragens relacionadas à rescisão” e que os processos foram unificados. “No caso de uma determinação adversa no processo de arbitragem, podemos não recuperar quaisquer danos da Boeing e podemos ser obrigados a pagar danos monetários significativos à Boeing”, destaca a Embraer no formulário. A empresa alerta ainda que pode ser alvo de “litígios movidos por nossos acionistas e detentores de nossas ADRs relacionados à transação da Boeing”.

Embraer alerta investidores que pode não ser ressarcida pela Boeing, pelo negócio frustrado, e ainda ter que indenizar a gigante americana (Arte: Leo Albertino/InfoMoney)