IPCA cai 0,38% em maio, maior queda de preços desde 1998; entenda por que a deflação é ruim para a economia

IPCA cai 0,38% em maio, maior queda de preços desde 1998; entenda por que a deflação é ruim para a economia

junho 10, 2020 Off Por JJ

notas de R$ 100 em uma mesa de madeira reais dinheiro
(Shutterstock)

SÃO PAULO – Os preços caíram no país pelo segundo mês seguido. Segundo o IBGE, o IPCA registrou deflação de 0,38% em maio, depois de recuar 0,31% em abril. Essa é a maior queda de preços mensal em 22 anos, desde 1998, ou a segunda maior deflação em 40 anos, desde 1980, início da série histórica do índice medido pelo IBGE. Também foi a maior queda para meses de maio da história do IPCA.

Os brasileiros traumatizados pelo período de hiperinflação, que assombrou o país entre o fim da década de 80 e início dos anos 90, podem até achar que o alívio nos preços é uma notícia boa em meio a tantas negativas. Mas economistas consultados pelo InfoMoney dizem que não há nada a comemorar na queda de preços.

O IPCA é um índice de inflação e o principal termômetro da variação de preços da economia brasileira hoje. Ele mede o comportamento de uma cesta de produtos e serviços que reflete o padrão típico de consumo de famílias que ganham de 1 a 40 salários mínimos. Quando o IPCA sobe há inflação, quando cai há deflação.

Para começar, é importante olhar o dado em perspectiva. Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, diz que ao observar os dados IPCA desde 2000 (após a adoção do tripé macroeconômico, em 1999, que adotou os parâmetros de câmbio, juros e inflação que seguem até hoje) os meses de maio registraram, em média, uma inflação de 0,42%, bem diferente da queda do mês passado.

“Todo indicador tem um padrão histórico e quando o dado sai do padrão, existe algo fora do lugar. É como o nosso corpo: em geral a temperatura é de 36,5ºC, se fica muito acima temos febre e se fica muito abaixo o corpo pode ter uma hipotermia e falência múltipla dos órgãos”, comenta Agostini.

E o que explica essa quebra de padrão só torna o quadro ainda mais preocupante, segundo ele. “Essa deflação é decorrente de uma crise profunda. É o sintoma de uma relação econômica que tem na sua origem o prejuízo de alguém, de um cidadão que produziu algo a R$ 10 para vender a R$ 12, mas a crise é tão grande que ele precisou vender a R$ 9 para amenizar o prejuízo”.

Em outras palavras, a deflação dos últimos dois meses é consequência de uma destruição de valor, de preços despencando porque os brasileiros não estão consumindo, seja porque estão saindo menos de casa, diante das restrições impostas pela pandemia, ou porque perderam renda e emprego e tiveram que cortar gastos.

Poderia ser bom, mas não é

Para entender a inflação, vale lembrar da lei da oferta e da demanda. Quando a oferta supera a demanda os preços tendem a cair, e quando a demanda supera a oferta tendem a subir. Em uma situação hipotética e bem mais positiva, os preços poderiam cair, portanto, diante de um aumento da produtividade que impulsionaria a produção. Mas não é o que está acontecendo.

“Seria ótimo um crescimento econômico justificasse a atual queda de preços. Mas por que essa deflação é tão ruim? Pela sua causa. Muita gente perdeu renda, emprego e em um contexto de muita incerteza as pessoas consomem menos. E como a produção acontece antes de a demanda se consolidar, já existia uma produção em curso, que não foi acompanhada pela demanda e os preços caíram”, explica Juliana Inhasz, professora de economia do Insper.

Em outro cenário, uma queda de preços poderia até estimular o consumo, mas que adianta os produtos ficarem mais baratos se as pessoas não têm renda para consumir? “Você pode até pagar menos por alguns produtos, mas isso deriva de problema mais grave que pode bater em você?”, resume Alex Agostini.

Com a renda caindo e o endividamento subindo, o país entre em um ciclo vicioso. O consumo fica baixo, a receita das empresas cai, a arrecadação de impostos diminui, empresários interrompem investimentos, contratações e no limite se veem obrigadas a demitir funcionários ou até fechar as portas, aumentando o desemprego, que reduz ainda mais o consumo.

Ainda que a deflação em abril e maio evidencie o problema, a alta taxa de desemprego e redução da renda no país nos últimos anos já vinham provocando uma desaceleração da inflação nos últimos meses.

Preços que sobem não ajudam

Existe outro aspecto negativo embutido nos últimos dados do IPCA. Os produtos que estão subindo são justamente aqueles que o brasileiro não pode abrir mão. “O que joga o preço da cesta para baixo são os itens que os brasileiros deixaram de consumir porque estão dentro de casa, como lazer e restaurantes, mas o que as pessoas realmente precisam comprar está mais caro, como os alimentos. Resultado: comprar o básico ficou mais caro para as pessoas de renda menor, elas estão gastando mais que antes com a subsistência”, comenta a professora de economia do Insper.

Juliana Inhasz chama atenção para outra distorção do cenário atual. Com a pandemia, o consumo das famílias mudou, mas o IPCA segue acompanhando os preços da cesta de produtos mais consumidos antes da quarentena. Assim, os produtos que caíram não necessariamente são os mais essenciais hoje e na prática muitas famílias podem ter percebido aumento de gastos e sentir que a deflação não chegou no bolso.

Riscos maiores

Mesmo com a deflação nos últimos dois meses, o economista, ex-diretor do Banco Central e colunista do InfoMoney, Alexandre Schwartzman ressalta que o Brasil não vive um cenário deflacionário. “É provável que o Brasil feche o ano com uma inflação muito baixinha, mas ainda assim não teremos queda persistente, é algo mais focado no curto prazo, o preço da gasolina, dos

serviços, por exemplo, não vai permanecer em baixa por muito tempo”, diz.
De todo modo, Scwartzman explica que a deflação é observada com cuidado pelos economistas porque se os preços caem por meses ou anos seguidos há um incentivo para que a população adie o consumo. Sabendo que o preço vai ficar mais baixo no mês que vem, o cidadão posterga a compra para o mês seguinte futuro. “É o que aconteceu com o Japão, muito da estagnação da economia japonesa vem da perspectiva de deflação. A economia perde os instrumentos para lidar com isso e cresce pouco”, diz o economista.

Ele alerta para um segundo fenômeno causado por uma onda deflacionária. Diante de uma queda forte de preços, quem já estava endividado se vê numa situação pior. “A consequência é um aumento do valor real das dívidas. Quem já devia tem mais dificuldade para pagar e quem recebe tem situação melhor. Em geral, envolve transferência de renda de devedores para credores”, afirma o ex-diretor do Banco Central.

Metas de inflação

Todos esses fatores explicam por que o governo monitora a inflação de perto. A hiperinflação já evidenciou o acontece quando os preços sobem de forma descontrolada: as famílias temem não ter dinheiro para comprar o básico, estocam produtos, a demanda aumenta ainda mais e sem uma oferta condizente os preços sobem. E se os preços caíssem de forma descontrolada, o governo arrecadaria menos, as empresas também, o desemprego subiria e a economia não cresceria.

E essas são as razões que explicam por que o governo todo ano estipula metas para que os preços não fujam do controle. A meta para este ano é de 4%, com margem de um e meio ponto percentual para cima ou para baixo (2,5% a 5,5%). Como o IPCA acumulado em 12 meses até maio está em 1,88%, a inflação está abaixo da meta.

Por isso, há uma expectativa de que o governo volte a reduzir os juros, para estimular o consumo e trazer novamente a inflação para a meta.

Saídas

Economistas têm repetido que o cenário atual é atípico e por isso os remédios tipicamente usados para combater crises anteriores não estão mais funcionando. “Para sair da crise é preciso ir além de instrumentos convencionais de política monetária, que incluem redução de juros, concessão de crédito, auxílio emergencial. Tudo isso é importante, mas o pilar do crescimento econômico é o consumo das famílias, que representa dois terços do PIB, então não basta ter linhas de crédito é preciso transmitir para a sociedade que o plano vai dar certo, mas os ruídos políticos estão impedindo que a sociedade tenha confiança”, diz o economista-chefe da Austin Rating.

Schwartzman afirma que um dos maiores riscos que a economia corre hoje é a transformação de soluções temporárias em gastos permanentes. “A questão não é estimular economia, é dar seguro. Não tem seguro contra epidemia, é preciso oferecer uma rede de proteção social para famílias e empresas. Obviamente vamos ter uma dívida alta para compensar lá na frente, mas é um problema que não é para hoje. Hoje precisamos ter uma proteção temporária. E a ideia de formar renda básica universal francamente é uma péssima ideia, e péssimo momento. O problema do Brasil é que temos péssimas ideias em péssimos momentos”, conclui.