“Há desencanto com o Brasil no exterior”, diz economista do Goldman Sachs

“Há desencanto com o Brasil no exterior”, diz economista do Goldman Sachs

julho 23, 2020 Off Por JJ

A pandemia de coronavírus veio para complicar o cenário econômico brasileiro, que já era complexo: após anos de crescimento baixo, combinados com ruídos políticos e sociais, o País também se tornou alvo de forte desconfiança na questão ambiental. Segundo Alberto Ramos, chefe da área de pesquisas econômicas sobre América Latina do banco Goldman Sachs, existe um conjunto de fatores que afasta os investidores do Brasil. “Há um certo desencanto”, disse Ramos, durante a série de entrevistas ao vivo Economia na Quarentena, do Estadão.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Como está a imagem do Brasil perante o investidor internacional atualmente?

A imagem do Brasil já passou por melhores dias, há um certo desencanto. O Brasil vem enfrentando dificuldades para apresentar um crescimento razoável. A última vez que o PIB do Brasil cresceu mais de 2% foi em 2013. É um país hoje com uma taxa de juros muito baixa, pouco atrativo para fluxos de capital buscando retorno maior. Há uma razão boa e outra ruim para o juro estar tão baixa: a boa é o fato de a inflação estar controlada e a âncora monetária; a ruim é o mercado de trabalho debilitado, que mantém os preços baixos. Há o persistente ruído político, com fricção entre os diferentes Poderes. Começou lá atrás, na reeleição apertada da Dilma Rousseff, e se mantém até hoje. E por último tem a questão ambiental, cujo foco aumentou muito recentemente. A visão do investidor é de pouco interesse no curto prazo.

O quanto a agenda ambiental equivocada, na prática, pode afetar a economia?

Pode atrapalhar, mas também pode ser uma oportunidade, atrair volumes significativos de capital. O grande investidor institucional tem preocupação ambiental. E o Brasil, como guardião da Amazônia, pode se prejudicar caso não tome as medidas percebidas como necessárias. É uma agenda doméstica, também. Diria que o risco ambiental não é um custo enorme no curto prazo, mas no futuro pode ser. É mais um fator, em uma lista bastante longa, que atrapalha o Brasil.

O FMI chegou a prever queda de 9% para o PIB brasileiro em 2020. Agora, porém, bancos começaram a melhorar as previsões. Qual é sua visão?

Sem dúvida que os dados mais recentes têm superado um pouco as expectativas. Mas houve uma queda violenta da atividade em março e abril. Será que os dados de junho e julho são sustentáveis? Uma recuperação mais rápida, em “v”, não é o mais provável. Não é tão extraordinário que, após o fim do distanciamento social, a economia gere números bem mais positivos. Mas estamos bem longe do nível de atividade pré-covid-19. Esse programa de R$ 600 está levando uma transferência de renda de quase R$ 50 bilhões por mês, o que é quase um Bolsa Família e meio anual. Isso ajuda a amortecer a queda.

Como conciliar uma agenda de ajuste fiscal e a necessidade de irrigar a economia?

A economia vai se reconstruir quando a restrição viral for removida. Esse problema só se resolve com um tratamento efetivo ou uma vacina. Vai ser uma recessão muito profunda, mas relativamente curta. O Brasil já tinha um problema fiscal muito sério. O Brasil tem déficit primário há seis anos. Para estabilizar a dívida, teremos de chegar a um superávit. Com a covid-19, o governo teve de gastar muito mais. Estamos trabalhando com um déficit fiscal primário de 10% a 15% do PIB e endividamento público de 95% a 100% do PIB. E como conciliar a agenda pró-crescimento com algumas medidas fiscais? Com as reformas. Todo mundo entende que o governo não tinha como não fazer uma expansão fiscal na pandemia. Mas agora é a hora de redobrar o esforço pelas reformas, para dar sinalização de médio e longo prazos.

O governo entregou ontem o texto da reforma tributária ao Congresso. Como o sr. vê esse texto neste momento?

Todo mundo concorda que é necessário fazer a reforma tributária. Primeiro porque a carga tributária é muito pesada comparada com países emergentes. E uma simplificação tributária, mesmo sem receitas extras, seria muito bem-vinda. Mas passamos da noção da reforma tributária neutra em termos de arrecadação para uma que tem alguns elementos de aumento da carga tributária, visando a financiar o aumento do gasto. O Brasil já tributa muito a população, gasta muito e investe pouco. Outra agenda importante é aumentar a eficiência do gasto (do dinheiro dos impostos), que hoje é muito baixa.

A América Latina é uma região vista como pouco atraente em relação a outras áreas. O que aconteceu?

A América Latina já tinha problemas, especialmente de crescimento. O avanço médio dos últimos sete anos foi de 0,8% ao ano. A renda per capita já vinha declinando. A gente viu movimentos sociais no Chile, no Equador e até no Brasil, alguns anos atrás. Na Argentina isso é recorrente. A pandemia não ajudou, pois tornou um quadro bastante feio ainda mais complicado. Muitos países fizeram investimento em termos de isolamento – como Argentina, Colômbia e Peru – e não conseguiram controlar o vírus de uma maneira efetiva. Pagaram o custo da queda da atividade e impacto na renda sem o benefício da saúde pública.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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