Governo erra ao ignorar risco de rompimento do teto de gastos, diz Felipe Salto

Governo erra ao ignorar risco de rompimento do teto de gastos, diz Felipe Salto

setembro 1, 2020 Off Por JJ

Felipe Salto, diretor-executivo da IFI, em audiência pública no Senado (Jefferson Rudy/Agência Senado)

SÃO PAULO – O projeto de Lei Orçamentária Anual de 2021, encaminhado ontem (31) pelo governo federal ao Congresso Nacional, tem um forte componente de irrealidade ao desconsiderar o risco de rompimento da regra do teto de gastos. É a avaliação que faz o economista Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI).

Segundo o especialista, o texto prevê despesas no limite autorizado pela emenda constitucional, mas ignora intenções já sinalizadas pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como a criação do Renda Brasil. O que torna elevado o risco de um rompimento do teto de gastos ou um corte nas despesas não obrigatórias que provoque a paralisia da máquina (o chamado “shutdown”).

“É um erro do governo ignorar, no PLOA, o risco de rompimento do teto. O PLOA deveria ser o momento mais importante da política fiscal e da própria atuação do Estado, onde ele revela seus planos e a forma de financiamento, para o ano seguinte, submetendo essas intenções ao Legislativo”, diz Salto.

“Ignoraram o programa Renda Brasil, como se ele não estivesse sendo discutido nos jornais, no meio social e no próprio governo, e apresentaram despesas sujeitas ao teto que são exatamente iguais ao teto. Isto é, estão caminhando na corda bamba, serenamente, fingindo que nada está acontecendo. É uma situação inusitada e muito ruim”, complementa.

O teto de gastos estabelece que as despesas sujeitas à regra não podem crescer a um nível superior ao da inflação de 12 meses acumulada em junho do ano anterior. E lista grupos individualizados que precisam cumprir a determinação, contemplando os Três Poderes.

Para o ano que vem, o limite é de R$ 1,485 trilhão, o que equivale a um aumento de R$ 31 bilhões em relação ao fixado para este ano, já que a inflação de 12 meses, medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), fechou em 2,13% em junho.

Para fechar a conta, o governo propõe que as despesas discricionárias (que envolvem custeio da máquina e investimentos) somem R$ 96,052 bilhões, o que corresponde a 6,3% do total, sendo R$ 4 bilhões já reservados para a nova estatal controladora da Itaipu Binacional e a Eletrobras Termonuclear S.A.

O número se aproxima da marca que a própria IFI estima como o mínimo necessário para garantir o funcionamento da máquina pública, de R$ 89,9 bilhões. Ou seja, caso se confirmem as expectativas de analistas políticos de que o veto à prorrogação da desoneração da folha de 17 setores da economia seja derrubado, a conta pode sofrer uma pressão ainda maior.

Para Salto, o cenário pode ficar ainda mais delicado, considerando as incertezas que envolvem a criação do Renda Brasil, programa de renda mínima desejado por Bolsonaro para substituir o Bolsa Família, ampliando o grupo de beneficiários e os valores repassados.

“Pode-se dizer, no mínimo, que o risco é elevado ou de romper o teto ou de paralisar a máquina. Isso precisa ser dito. O veto derrubado já afetaria bastante as contas, mas os gastos novos é que podem turvar ainda mais o cenário róseo traçado pelo governo”, critica.

Nos desenhos iniciais, o governo estimava uma despesa de R$ 52 bilhões com o programa. Como comparação, o projeto orçamentário do ano que vem destina R$ 34,86 bilhões para o Bolsa Família. E Bolsonaro já descartou a possibilidade de uso do abono salarial para financiar o plano, o que torna ainda mais incertas as fontes.

“Não existe isso de prometer gastos sociais vultosos sem dizer como a conta será paga”, critica o economista.

“Qual o tamanho do programa? Quantos beneficiários? Hoje, o presidente falou em prorrogar o auxílio emergencial com valor de R$ 300, mas não se sabe se esse será também um parâmetro para o programa Renda Brasil, no ano que vem. Está tudo em aberto”, diz.

Para Salto, há uma série de obstáculos para a indicação de fontes de financiamento ao programa, que vão de complicações políticas a entraves legais, princípios tributários que têm de ser preservados e gastos já contratados. Desta forma, cresce a sombra sobre a âncora fiscal.

“Pode-se dizer que o PLOA veio incompleto. Muito otimista e até irrealista”, critica. A IFI tem alertado, há dois anos, para percalços no cumprimento da regra fiscal a partir de 2021.

Dentro da “regra do jogo”

O economista entende, no entanto, que um eventual rompimento do teto de gastos, desde que sejam respeitados os mecanismos já previstos na emenda constitucional, poderia ser compreendido pelo mercado.

“Uma coisa é romper o teto, algo previsível, e outra é abandoná-lo”, diz.

A emenda constitucional, promulgada pelo parlamento há quatro anos, prevê uma série de gatilhos que podem ser acionados para conter a evolução das despesas caso haja rompimento. Entre as medidas estão a vedação à concessão de reajustes salariais, novas contratações e a realização de concurso público.

Há, no entanto, dúvidas entre técnicos se seria juridicamente possível o encaminhamento de uma proposta orçamentária já com a previsão de furo da regra fiscal. Isso porque a própria emenda determina que “a mensagem que encaminhar o projeto de lei orçamentária demonstrará os valores máximos de programação compatíveis com os limites individualizados”.

“O teto corre sério risco, mas rompê-lo pode ser feito, de modo que se compreenda que romper é parte da regra do jogo, desde que os gatilhos previstos na Emenda Constitucional 95 funcionem bem e não seja contornados de alguma maneira”, conclui Salto.

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