Gordon Gekko x Trader Individual

Quando iniciei como estagiário na mesa de operações da lendária corretora Termo Commodities, eu não tinha uma ideia real de como era o dia a dia de um operador do mercado.

Estávamos em 1998, o pregão ainda era viva voz e a maxidesvalorização do câmbio estava prestes a ocorrer, com personagens como Chico Lopes e Armínio Fraga dominando o noticiário.

Naquela época eu ainda era um jovem estudante da FGV e esperava que o mercado fosse muito mais parecido com o filme “Wall Street”. Imaginava o mercado cheio de engravatados confiantes, que faziam apenas apostas certeiras e que tiravam dinheiro do mercado quando queriam, com a mesma segurança do Gordon Gekko, protagonista do filme.

“Greed is Good”

O ator Michael Douglas disse em uma entrevista a um programa de rádio como ele ficava chocado de as pessoas o pararem nas ruas para dizer: “Cara, você foi a razão de eu ter entrado no mercado financeiro!”. Ele costumava reagir perguntando “Como assim?! Eu fui para a cadeia, como eu posso ter sido a sua fonte de inspiração?”

A explicação está no próprio título do filme: “Wall Street – Poder e Cobiça”. Gekko usava roupas legais, tinha uma namorada bonita, esbanjava dinheiro, mentia, trapaceava – e o povo adorava isso! O ator ainda ficava um pouco perturbado que as pessoas gostassem desse personagem tanto quanto gostavam, pois ele era o vilão.

A realidade de um trader individual, porém, é muito diferente. A começar que o longa trata de um especulador de tamanho institucional, enquanto a maioria de nós é apenas um mero indivíduo, de capital limitado, tentando ganhar a vida.

A arrogância e a soberba podem até ser úteis para alguns gestores de fundo, pois parte de seu trabalho é impressionar as pessoas para que invistam dinheiro com eles, e nada melhor para fazer isso do que se colocar acima dos meros mortais com um vocabulário difícil de entender e uma aparência que projete sucesso e confiança.

Trader individual é pura humildade

Já um trader individual precisa de humildade. Salvo exceções, não é possível distinguir um trader pela sua aparência, pois trata-se de uma pessoa comum. É alguém que se veste normal, que fala de um jeito normal, que sorri, não investe muito em estética, que até pode ir a lugares caros se quiser, mas que também frequenta o boteco e a padaria da esquina.

Os traders estão espalhados pelas ruas e você não reconheceria um se o visse.

Al Brooks é humilde

Quando conversei com Al Brooks, trader individual e maior autor de livros sobre Price Action do mundo, em uma entrevista que fez um enorme sucesso no começo dos anos 2020, percebemos o oposto disso.

Vimos um senhor tímido, vestido de maneira discreta, que pensou em ser padre, mas acabou virando um grande cirurgião, que fala das filhas com todo o carinho e se mostra um homem de família. Esse não é o estereótipo que as pessoas querem ver, especialmente os jovens. Em geral, as pessoas preferem o vilão bem-vestido, que manipula o mercado e que acha que sabe tudo.

Aliás, o Al lembrou nessa entrevista que uma de suas filhas trabalhou para o Charlie Munger, advogado e sócio de Warren Buffett, e que uma vez disse preferir na sua equipe alguém que tenha um QI de 130, mas que pense que tem um QI de 110, do que alguém que tenha um QI de 150, mas que pense que tem um QI de 170.

É preciso aceitar que se está errado

Gordon Gekko não poderia ganhar dinheiro na realidade, porque um trader precisa aceitar quando está errado. Essa habilidade só a humildade traz. Basta que uma vez que você se sinta mais esperto do que o mercado, e não pule fora de uma operação ruim, para que a sua conta seja dizimada.

Outra coisa importante para um trader é aceitar quais são as suas limitações, tanto de capital, quanto de rapidez de raciocínio, e ter a humildade para adaptar o seu operacional à sua realidade. Se você é uma pessoa mais devagar que os demais em aprender as coisas e analisar os mercados, não se sinta diminuído com isso, apenas adapte o trading à sua realidade. No próximo artigo, vamos discutir algumas ideias que podem ajudar nessa adaptação.

Estudar a técnica também é fundamental, nunca ache que você já sabe tudo. Não é preciso que você decifre o mercado, nem que saiba a todo o momento para onde ele vai, nem pegar todas as pernas lucrativas que ocorrerem.

Para um day trader, por exemplo, basta de uma a três operações bem-sucedidas por dia para ser lucrativo, embora, com experiência, seja possível entrar em mais operações em um dia qualquer.

Comece devagar, aprendendo a analisar bem o contexto e escolhendo uns poucos padrões para se especializar. Quando dominar um padrão, comece a se especializar no próximo. Vamos tratar disso mais adiante também.

Por fim, não se opera sem paciência. Alguém muito arrogante quer que o mercado faça o que ele quer, na hora que ele quer – e não é assim que a banda toca.

Se você quer ser um especulador de sucesso, precisa ser paciente para aguardar o tempo certo para a oportunidade estar madura, e só é possível ter paciência se tiver humildade. Se quiser forçar a barra, o mercado baterá a sua carteira e você vai ficar com cara de tacho.

Conclusão

Na ficção, Gordon Gekko ganhava dinheiro fácil, mas um trader individual olha o gráfico todos os dias e se esforça muito para aprender. Al Brooks é um trader real e Gordon Gekko é só um personagem.

Portanto, se a sua ideia é ser bem-sucedido no mercado, é melhor que você se espelhe no senhorzinho e tenha humildade. Porque, se você preferir se espelhar no fictício Gordon Gekko, talvez termine quebrado – e até preso como ele.

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