Enquanto a Selic caiu 85% de 2016 para cá, empréstimos pessoais caíram no máximo 64% no mesmo período

Enquanto a Selic caiu 85% de 2016 para cá, empréstimos pessoais caíram no máximo 64% no mesmo período

setembro 16, 2020 Off Por JJ

SÃO PAULO – O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu manter a taxa Selic em 2% ao ano, nesta quarta-feira (16), e interrompeu a sequência de cortes que vinha acontecendo desde julho de 2019. Mas, mesmo com a taxa básica no menor patamar da história e um ciclo de cortes de juros de mais de um ano, o crédito ao consumidor continua caro.

Na prática, a Selic impacta as taxas dos empréstimos porque ela é o custo mínimo que o banco tem para captar dinheiro com investidores em uma ponta e emprestar aos tomadores de crédito na outra. Portanto, ela funciona como um ponto de partida para a definição da taxa final que o consumidor paga nos empréstimos.

A diferença entre a taxa de captação e a taxa final é o chamado spread, que não deve ser confundido com o lucro do banco. Do spread, o banco ainda precisa descontar custos operacionais (com pessoal, por exemplo), custos com inadimplência e outros, para só então chegar ao lucro (veja mais detalhes aqui).

O InfoMoney compilou os dados do Banco Central para comparar a queda dos juros dos empréstimos para pessoas físicas com a redução da Selic entre julho de 2016 (quando a taxa básica estava em 14,25% ao ano) e julho de 2020 (dados mais recentes do BC, quando a Selic estava em 2% ao ano). Confira a tabela:

Linhas de crédito  Julho de 2016 (ao ano) Julho de 2020 (ao ano) Variação relativa (percentual)
Cartão de crédito Rotativo* 470,70% 312,00% -33,70%
Cheque especial 318,40% 112,70% -64,60%
Crédito pessoal 132,20% 100,30% -24,10%
Crédito pessoal Consignado 29,20% 22,10% -24,30%
Financiamento de veículos 26,00% 20,40% -21,50%
Financiamento imobiliário 11,30% 8,60% -23,90%
Selic  14,25% 2,00% -85,90%
Taxa média total** 42% ao ano 23,60% -43,80%
*Dados do BC do cartão de crédito rotativo regular e não regular;
**A taxa média total representa o custo médio das operações de crédito que integram a carteira de empréstimos e financiamentos das instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional, mas para a simulação só foram selecionadas as principais linhas de crédito.

Como é possível observar, o cheque especial, que é cobrado quando a conta entra no negativo, apresentou a maior queda dentre as principais linhas de crédito para pessoa física do país. Mesmo assim, a redução foi bem menor do que a da Selic, que caiu 85% no período. E a taxa básica caiu quase o dobro da taxa média total dos empréstimos.

“A taxa para o cliente final não acompanha a Selic na mesma proporção porque a Selic não é o único fator na composição das taxas cobradas dos brasileiros. É a referência para os bancos captarem dinheiro no mercado, mas estão inclusas despesas administrativas, tributárias, inadimplência, entre outras, que não necessariamente vão diminuir no mesmo ritmo. A Selic, sozinha, não explica toda a variação da taxa ao consumidor”, diz Mauro Rochlin, professor de economia e MBAs da FGV.

O fato de os empréstimos terem caído em velocidade menor que a Selic não necessariamente significa que o banco está lucrando mais. No mesmo período, de 2016 até agora, o spread bancário também caiu, passando de 22,5% para 15,4%, uma redução de 46%.

Pelos dados do BC, não é possível ver a decomposição do spread para entender se isso significa que os lucros também caíram, ou se eles foram mantidos e o que provocou a redução no spread foram outros fatores. Mas os bancos alegam que não estão lucrando mais e defendem que os juros finais não caíram na mesma proporção da Selic porque os custos com inadimplência aumentaram devido ao contexto de crise econômica, que se agravou com a pandemia.

De qualquer forma, Rochlin, afirma que o spread no país continua alto. “Isso acontece principalmente pela forte concentração bancária no Brasil. Cinco bancos dominam 90% do mercado de crédito no país, o que não estimula a redução do spread”, explica Rochlin.

O BC defende que uma redução sustentável do custo do crédito virá do avanço em iniciativas que reduzam a inadimplência, aumentem a capacidade de recuperação de garantias e reduzam assimetrias de informação sobre os tomadores de crédito.

Allan Inácio, professor de finanças da PUC-PR, lembra que o BC vem trabalhando nessas questões, como o cadastro positivo, que pode ajudar a puxar as taxas para baixo. “O cadastro positivo pode trabalhar com taxas diferenciadas para diferentes perfis de pessoas. Quem têm histórico de bom pagador, acessa taxas menores para tomar crédito. O projeto está em andamento e precisamos esperar os efeitos que ele pode trazer”.

Veja o vídeo para entender melhor como a Selic impacta a economia (e o seu bolso):

Juros menores, mas ainda altos

A frustração com as taxas de empréstimos se justifica não só pelo fato de que elas caem em velocidade menor que os juros básicos, mas também porque continuam altas.

Até o ano passado, o juro do cheque especial, por exemplo, era bem próximo ao do rotativo, cobrado quando o cliente não paga a fatura completa do cartão e roda parte da dívida para o mês seguinte. Hoje, ele só está em um patamar menor porque em janeiro deste ano entrou em vigor uma nova regra, definido pelo Banco Central, que limita os juros da modalidade a 8% ao mês (saiba mais aqui).

“Sem dúvidas, essa nova regulamentação explica a queda brutal nessa modalidade. Com os bancos tendo que respeitar as regras, o custo inevitavelmente é reduzido. Mas não podemos esquecer que, mesmo assim, a taxa ainda é muito alta”, afirma Rochlin, da FGV.

Com o novo teto, porém, o BC também passou a permitir que os bancos cobrem uma taxa de 0,25% ao mês para quem tiver limite de cheque especial superior a R$ 500 – quem tiver limite pré-aprovado menor e usar o dinheiro não paga nada. A cobrança é de 0,25% ao mês sobre o valor que ultrapassar os R$ 500 – e pode ser feita mesmo que o cliente não use o dinheiro, o que gerou polêmica por se tratar de uma cobrança sobre um serviço que não necessariamente é utilizado.

Inácio, da PUC-PR, também acredita que, apesar da queda nas principais linhas de crédito, não há motivo para comemoração. Exemplo disso, segundo ele, é a taxa do rotativo, que apresentou queda de 33,70% no período e segue exorbitante. “Ainda assim, o consumidor deve evitar a qualquer custo esse tipo de alternativa. A chance de a dívida aumentar é muito alta, já que a pessoa que vai precisar do rotativo já tem uma renda deteriorada”, explica.

Talvez a única taxa vista como menos agressiva seja a do financiamento imobiliário. Ela não caiu tanto quanto a Selic (redução de 23,9% no período) porque já é uma taxa mais baixa, que tem menos espaço para cortes. Como é um empréstimo que tem garantia do imóvel, o banco vê menos risco na operação e oferece taxas menores.

Com algumas linhas de financiamento imobiliário caindo para 6,99% ao ano, houve um aumento de 35,2% nos imóveis financiados por pessoas físicas no primeiro semestre de 2020, maior alta para o período dos últimos dez anos.

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