Dedo no gatilho
janeiro 27, 2021O agravamento da epidemia e o fim do auxílio-emergencial são bons motivos para repensarmos a evolução da atividade econômica ao longo de 2021 e suas implicações para a determinação da Selic nesse período.
Muito embora haja, eu diria, consenso acerca de um número ao redor de 3,5% para a expansão do PIB esse ano, boa parte dele não vem do desempenho em 2021 propriamente dito, mas da comparação de um ano (mais ou menos) normal, no caso 2021, contra um que registrou inédito colapso da atividade no trimestre março-maio.
O IBC-Br, por exemplo, índice estimado pelo Banco Central como aproximação do comportamento do PIB em base mensal, revela que, mesmo que o nível de atividade ficasse rigorosamente inalterado de novembro de 2020 (última observação disponível) a dezembro de 2021, ou seja, sem qualquer crescimento nos meses desse ano, a comparação da média de 2021 com a média de 2020 já garantiria crescimento de 3,7%, o maior desse indicador desde 2010, o chamado “carregamento estatístico”.
Crescer em 2021, portanto, não parece precisar de muita força. A menos, é claro, que a atividade não permaneça inalterada ao longo de 2021.
Há temores sobre o possível impacto da combinação da segunda onda de infecções no país com a retirada do auxílio.
Novos casos de Covid no Brasil têm rodado em torno de 350 mil/semana, superando os 315 mil/semana observados há cerca de seis meses. Morrem pouco mais de 7 mil pessoas a cada semana, patamar similar ao registrado em meados de 2020.
É bem verdade que há vacinas agora, mas, falemos sério, no ritmo que o processo se afigura no país, onde sequer há seringas suficientes, para não falar da vacina propriamente dita, quem imagina uma reversão no quadro sanitário vai se decepcionar amargamente.
Desde o início da imunização (16/janeiro) até a última segunda-feira (25/janeiro) 700 mil pessoas tinham sido atendidas, cerca de 0,3% da nossa população.
Simultaneamente, o auxílio-emergencial, que chegou a atender 68 milhões de pessoas, não mais existe.
Estima-se que perto de 18 milhões retornem aos braços do Bolsa-Família, o que deixaria 40 milhões de pessoas desassistidas. Colocando de outra forma, em novembro o auxílio-emergencial representou transferência de R$ 18 bilhões; já o valor total do Bolsa-Família é inferior a R$ 3 bilhões/mês.
Por mais que famílias tenham aparentemente poupado parte do auxílio, tais recursos dificilmente manterão o ritmo de consumo registrado na segunda metade do ano passado. Poderão, no máximo, moderar a redução ao longo do primeiro trimestre do ano.
Junte agora os dois lados da equação. O agravamento da epidemia deve levar ao maior distanciamento social, não só por força das medidas oficiais, mas do próprio receio, com impacto mais severo sobre o setor de serviços e, portanto, sobre o emprego. Já a redução da renda efetiva deve afetar o consumo de bens, cuja recuperação em 2020 foi bem mais vigorosa.
É difícil, para dizer o mínimo, que a atividade se sustente no começo de 2021, pelo menos o que diz respeito à demanda interna, em particular o consumo.
Conclui-se daí que, se tal cenário de fato se materializar, não haveria motivos para temer pressões inflacionárias, ao menos não pelo lado da atividade econômica.
Apesar dos números irremediavelmente ruins do final do ano passado, expectativas de inflação seguem pouco abaixo da meta em 2021 e perto dela em 2022.
O Banco Central (BC) parece a par de tais preocupações, notando na última Ata do Copom que “os riscos associados tanto à evolução da pandemia como ao esperado arrefecimento dos efeitos dos auxílios emergenciais podem implicar um cenário doméstico caracterizado por mais gradualismo ou até uma reversão temporária da retomada econômica”.
Apesar disso, deixa claro que pode antecipar a primeira rodada de elevação da taxa Selic do terceiro trimestre para março ou maio. Ainda me parece precipitado, mas o gatilho é de responsabilidade do BC.