“Daremos subsídio para que o produtor não tire madeira da floresta”, afirma presidente do Bradesco
agosto 17, 2020Um dos primeiros desafios do plano de desenvolvimento sustentável da Amazônia proposto ao governo, no mês passado, pelos três maiores bancos do País – Bradesco, Itaú Unibanco e Santander – será o de regularizar terras doadas aos agricultores nos anos 70 e que até hoje não têm escrituras.
Também serão criadas linhas de crédito para plantio e outros negócios com juros subsidiados pelos próprios bancos. “Vai ter a melhor taxa”, diz Octavio de Lazari, presidente do Bradesco. A seguir, trechos da entrevista.
O que avançou desde a entrega da carta com dez propostas?
Fizemos uma agenda que passa por acabar com o desmatamento até apoio financeiro para cultivo, regulamentação fundiária, bioeconomia, desenvolvimento local. Podemos contribuir com parte em dinheiro, parte em tecnologia, parte com trabalho ligado a empresas e ONGs que já atuam na preservação da Amazônia. Vamos estabelecer metas e prazos do mesmo jeito que fazemos nos bancos. No máximo até o fim do mês teremos a agenda pronta.
Como está sendo planejada?
Será dividida em três pontos: um grupo técnico formado pelas áreas de sustentabilidade dos três bancos, um conselho estratégico com esses técnicos mais os três presidentes dos bancos e um conselho com sete a dez especialistas que sabem quais são os projetos estruturantes a serem feitos na Amazônia. Eles não vão receber por isso, terão de doar parte do seu tempo. É importante destacar que é um projeto em prol do que temos em comum e mais valioso, que é o Brasil preservado a todos os brasileiros, de hoje e de amanhã. Não há pretensão de protagonismo, e isso viabiliza avanços e realizações muito rapidamente.
Como tem sido a interlocução com o governo?
O primeiro contato foi ótimo. Eu sinto que o vice-presidente Hamilton Mourão ressuscitou o Conselho da Amazônia. O problema é complexo e precisamos juntar forças. Nós não temos poder de polícia, então, não adianta falar que vamos preservar uma determinada área porque, se entrar grileiro, madeireiro, não podemos fazer nada. Podemos ajudar o governo a estabelecer como fazer esse trabalho com o Ibama, a Polícia Florestal, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. Podemos chamar uma consultoria, um escritório de advogados para ajudar nos projetos. O primeiro desafio é como fixar o pessoal na terra e dar condição para tirar seu sustento sem precisar queimar a floresta.
Já teve alguma ação concreta por parte do governo?
A interlocução tem sido muito boa. Um tema que discutimos, por exemplo, é a regularização fundiária. É um resgate que temos o dever de fazer. Nos anos 70, o governo levou muita gente para a Amazônia com a promessa de entregar uma propriedade para que pudessem plantar e desenvolver a região, e até agora não foi feito o documento de posse. Sem isso, como a pessoa se estabelece na terra? Como vai ao banco pedir um financiamento agrícola para plantar, criar gado? A primeira coisa a fazer é acelerar o processo da regularização fundiária. Escritórios de advogados estão sendo consultados para sabermos como proceder.
Terá linha de crédito especial?
Não vamos esperar o governo para subsidiar. Nós vamos criar essas linhas de crédito com subsídios até do próprio Bradesco, do Itaú e do Santander. Com crédito de longo prazo para que o produtor possa preparar a terra, fazer o plantio, a colheita, a armazenagem e a venda, ou seja, vamos financiar a cadeia toda. Podemos estabelecer sedes com cursos e consultoria da Embrapa sobre plantio. O agricultor vai ter produtividade muito maior, vai ter renda e não vai precisar tirar ou queimar madeira.
Como serão as condições?
Vai ter a melhor taxa de juro subsidiada. Não vai ser juro de 10%, 15% ao ano, vai ser uma taxa para financiar essa população carente. Só para ter ideia, nós começamos um projeto com a Fundação Amazônia Sustentável em 2009. Se o produtor plantasse e preservasse a floresta, nós complementaríamos a renda quando não tivesse uma colheita suficiente. Hoje, essas pessoas conseguem renda de R$ 1.320 ao mês. Lá atrás, era de R$ 250. Só nessas áreas houve 37% de redução do desmatamento.
Como a pandemia mudou o olhar sobre as questões de sustentabilidade?
A empresa que não se preocupar com a responsabilidade social, ambiental, ecológica, inclusiva e com a diversidade não terá futuro. Mas vejo avanço grande das empresas brasileiras. Por exemplo, o negócio da carne. Temos três grandes frigoríficos: Marfrig, Minerva e JBS, e todos precisam de financiamento. Os três bancos já se comprometeram a não financiar mais empresas que não respeitarem o meio ambiente. É uma mudança de postura que mexe no bolso.
O sr. vê sinais claros de retomada da economia?
Percebemos uma recuperação, obviamente modesta, até porque vem de uma base de terra arrasada. Por exemplo, a compra por cartão de crédito, que tinha caído 70%, hoje está 7% menor; operações de crédito consignado tinham caído 60% e, hoje, estão no mesmo nível de fevereiro. Se a gente não tiver uma segunda onda de contaminação, acho que a economia se recupera. A previsão era cair 5,9%, agora é de 4,5%, quem sabe menos que isso.
O que está faltando?
O que precisamos para uma recuperação gradual é reforma administrativa e manutenção de juros baixos. Precisamos fazer a reforma tributária, mas não é reduzir alíquota de imposto, pois não vai dar para fazer isso. Mas os custos associados que temos para fazer a gestão de um arcabouço tributário como tem no Brasil é uma loucura. Só nós temos 280 funcionários só cuidando de imposto.
A bioeconomia vai ajudar a puxar a recuperação?
Respondo com um exemplo. Somos o único produtor de açaí e não temos uma fábrica em Manaus que possa receber os grãos dos produtores, processar o açaí e exportar. A gente manda nosso açaí in natura para fora, eles processam e vendem aqui por preço dez vezes maior.
Ter fábrica é um dos projetos?
Não é só a fábrica, é a bioeconomia. Ver quem serão os produtores de grãos, quem vai produzir, quem fará a logística e quem vai vender. Eu tenho ideias, mas preciso de um especialista para orientar como estruturar. Acho que dá para fazer um baita negócio.