Correndo o mundo. Com Adidas
outubro 6, 2020*Colaboração de Rodrigo Lobo** Agradecimento à equipe da Nextep Investimentos
Ao fim de 2019, havia aproximadamente 4.400 empresas listadas em bolsas de valores nos Estados Unidos¹. Com as empresas da Europa, esse universo chegava a 10 mil alternativas de investimento.
No Brasil, o total mal passava de 300 companhias, das quais apenas metade, aproximadamente, tinha suas ações listadas no segmento com as melhores práticas de governança.
Onde estarão, então, as maiores chances de encontrar oportunidades de investimento atraentes?
Além da frieza dos números, esses países, e em especial os EUA, oferecem um ambiente de negócios muito mais propício para o sucesso das empresas: maior segurança jurídica, uma cultura voltada para o sucesso da iniciativa privada, capital humano qualificado e acesso fácil a uma infraestrutura empresarial madura.
Tudo isso criou um mercado imenso, em que qualquer boa ideia, se bem executada, tem chances de virar uma empresa forte.
O que se vê é uma variedade de modelos de negócios muito maior do que comporta o mercado brasileiro.
Há outras tantas empresas na Ásia, operando em mercados também gigantescos e em crescimento.
Mas um gestor pode buscar mais eficiência evitando alargar demais o escopo de análise – geográfico e, principalmente, cultural – acessando esses mercados por meio das empresas americanas e europeias que, em sua maioria, alocam relevantes esforços e investimentos nesses mercados.
Mas o remédio também pode ser o veneno. Esse arcabouço tão receptivo resulta em um acirrado ambiente competitivo em que as taxas de mortalidade são altas.
O funil é estreito e a peneira é fina. O que, no final das contas, se torna uma vantagem para quem procura empresas sólidas para investir. A sobrevivência já é um endosso. Mas só ela não basta.
Justamente para não se perder no meio de tantas possibilidades, é fundamental ser fiel a princípios de investimento rígidos e inegociáveis para chegar àquelas empresas que possuem as maiores chances de ter uma apreciação relevante e consistente no preço de suas ações, no longo prazo.
Investimentos responsáveis são feitos em empresas com sólidos modelos de negócio, em segmentos atraentes e com uma liderança competente, séria e alinhada com seus investidores.
Claro que existem excelentes opções de investimento em empresas locais. Há aqui, também, empresários e executivos capazes e sérios, que, apesar desse constante remar contra a correnteza que é gerir e fazer crescer uma empresa no Brasil, mostram a competência e a determinação necessárias para escrever belas histórias de sucesso.
Mas esses são, por definição, em menor número por aqui. Isso limita a capacidade de diferenciação das dezenas de gestores brasileiros.
Sem falar que, hoje, muitos dos gestores globais espalhados pelo mundo já sabem quais são as boas empresas brasileiras. Ou seja: há muita demanda para pouca oferta.
Um bom exemplo de investimento fortemente calcado nas qualidades do executivo à frente do negócio é Adidas (código: ADS.DE). Uma empresa que já era bem gerida e alçou ao cargo de liderança um executivo com histórico de sucesso relevante e consistente.
O dinamarquês Kasper Rorsted, oriundo do setor de tecnologia, chefiou as operações da Compaq na África e Oriente Médio e depois as da Hewlett-Packard, quando as duas gigantes se fundiram, respondendo por um faturamento de 20 bilhões de euros.
Em 2005, Rorsted foi para a alemã Henkel como vice-presidente executivo e liderou a companhia entre 2008 e 2015. A empresa, que atua nos segmentos de adesivos, cosméticos e materiais de limpeza, teve seu valor de mercado multiplicado por quatro sob seu comando.
Parte fundamental dessa trajetória se deveu ao aumento da presença da empresa em mercados emergentes. Nessa empreitada, o CEO passava aproximadamente 170 dias por ano fora da matriz na Alemanha, se reunindo com funcionários, clientes e fornecedores pelo mundo.
No dia do anúncio de sua saída para assumir o cargo de CEO da Adidas, a queda das ações da Henkel reduziu em 1 bilhão de euros o valor da empresa. Enquanto isso, as ações da empresa de material esportivo subiram o mesmo tanto.
Rorsted não tem decepcionado. Até 2019, as receitas da empresa alemã aumentaram 22% e a margem operacional subiu de 7,8% para 11,2%.
A Adidas está conseguindo reverter o fraco desempenho na América do Norte, onde a receita tem crescido a dois dígitos – crescimento médio de 17,9% a.a. nos últimos quatro anos –, enquanto consolida sua liderança na China. O país asiático é, atualmente, seu mercado mais lucrativo.
Em ambos os casos, a marca alemã tem crescido mais que sua principal concorrente, a líder de mercado Nike.
Mas, além da recuperação em regiões importantes, a grande aposta da Adidas está na sua estratégia digital, que permeia todas as áreas e funções da empresa e contempla desde o aprofundamento do uso de inteligência artificial (“Um cliente conhecido é um cliente mais valioso”, nas palavras do CEO) ao lançamento de aplicativos que fidelizam e aumentam as interações com consumidores finais.
O aumento das vendas online é o resultado visível desse esforço. Elas atingiram 2,7 bilhões de euros em 2019, saindo de 0,6 bilhão em 2015. “É nossa loja mais importante”, segundo Rorsted.
E o que já estava indo bem recebeu um inesperado impulso de uma crise sanitária global. Os novos padrões de comportamento impostos pela pandemia aceleraram as tendências de busca por uma vida mais saudável e a preferência por casual wear. Afinal, ninguém precisa usar gravata no Skype ou no Zoom.
Na primeira metade de 2020, as vendas online da Adidas foram praticamente iguais às do ano de 2019 inteiro.
Esses valores ainda são relativamente pequenos, e seu súbito crescimento coloca pressão na infraestrutura projetada para uma trajetória mais suave.
Mesmo assim, é bem razoável esperar que o crescimento desse canal seja desproporcionalmente maior nos próximos anos.
Por tudo isso, não foi surpresa no mercado quando a Adidas anunciou em agosto que o contrato de Kasper Rorsted foi renovado por mais cinco anos.
Pessoas são fundamentais: bons gestores sabem disso e investidores conscientes também.
Desempenho acima da média começa com uma cultura corporativa inteligente, que alinha esforços e encoraja comportamentos construtivos, que desembocam no bottom line.
Mas essa é uma vantagem competitiva sustentável do tipo “soft”, daquelas impossíveis de serem replicadas sem um cara bom no topo.
** Rodrigo Lobo é um dos fundadores da gestora Investidor Profissional e hoje é sócio e diretor da Nextep Investimentos. É economista com MBA pela Wharton School, da Universidade da Pensilvânia
1. Fonte: https://data.worldbank.org/indicator/CM.MKT.LDOM.NO: (mundo 39.431; EUA 4.397; Europa 5.700; Brasil 324)
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