Como organizar as ‘pilhas de contas’ que estão por vir e começar 2024 no azul? Veja dicas
dezembro 29, 2023Todo início de ano, o ciclo se repete: é preciso se organizar para arcar com a pilha de contas do 1º trimestre, como IPVA, IPTU, matrícula escolar e plano de saúde. Para começar 2024 no “azul”, é fundamental estruturar um planejamento financeiro.
Mas a expectativa não imita a realidade: 77% das famílias brasileiras estão endividadas. Outro dado mostra o tamanho do problema: o Desenrola, programa federal de renegociação de dívidas, já renegociou mais de R$ 18 bilhões em débitos, o que demonstra que a realidade financeira da população tem passado ao largo da organização.
Na transição de um ano para outro, o chamariz para o gasto supérfluo só piora a situação, dizem os especialistas consultados pelo InfoMoney.
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“Em épocas de festas é comum que existam campanhas de marketing e muitos estímulos para o consumo desnecessário. Além de descontos, as facilidades de pagamento e acesso facilitado ao crédito tornam as oportunidades de compras muito tentadoras. É importante que as pessoas estejam atentas e evitem cair em tentações não programadas para não desequilibrar o orçamento”, pontua Patrícia Palomo, planejadora financeira CFP.
“O fim e o início de ano são vistos como finais de ciclos e oportunidades de recomeços. Com a organização financeira pode ser assim também, iniciar o ano com um planejamento financeiro pode ser muito benéfico e é uma ferramenta potente para alcançar novos objetivos traçados”, completa a especialista.
Veja, a seguir, como se organizar para começar o ano sem dores de cabeça no bolso.
1. Coloque tudo no papel
Para não se perder na transição de um ano para o outro, a principal dica é visualizar toda sua renda e as despesas, incluindo custos fixos e móveis, não só para janeiro, mas já projetando para todo o próximo ano, mês a mês.
“Não dá para se planejar só com os dados da cabeça. É ideal separar um tempo e organizar com calma a vida financeira. É mais óbvio para quem está no ‘vermelho’, mas mesmo para quem está no azul vale. Se todo mês sobra R$ 1.000, será que não pode sobrar mais?”, questiona Ione Amorim, economista e coordenadora do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).
O que o consumidor deve fazer é montar seu orçamento e não importa o formato: pode ser literalmente no papel, em um arquivo ou mesmo numa planilha. É possível seguir o seguinte esquema de forma simplificada com receita líquida, despesas com sobrevivência e estoque de dívidas. Veja:
- adicione todas as receitas que possui por mês – incluindo salário líquido, benefícios como vale-alimentação, 13º, férias, bônus e rendas extras;
- gastos fixos de cada mês, como água, luz, aluguel, internet, streaming e reservas, mas também gastos como IPTU, IPVA e matrícula escolar, que geralmente estão alocados em janeiro;
- despesas eventuais: custos com presentes, restaurantes, lazer, etc;
- todas as dívidas com os juros e valores das parcelas; e
- estenda essa lógica para os próximos 12 meses.
“Ao visualizar a vida financeira fica mais fácil de entender quais obrigações já foram assumidas pra poder dimensionar o quanto da renda vai sobrar ou faltar para manter o equilíbrio do orçamento”, explica Palomo.
“O que acontece é: a pessoa já gastou e depois que recebe o salário olha para o passado e entende se gastou demais ou não. A projeção é importante para você estar no controle”, explica Cintia Senna, educadora financeira e doutoranda em Educação Financeira pela Florida Christian University (FCU).
2. Separe as dívidas
Caso você tenha dívidas, a renda adicional de final de ano é uma boa oportunidade para reduzir ou quitar os débitos, se possível.
A principal recomendação é, primeiro, separar as dívidas adimplentes, das inadimplentes. “Se você já está no ‘vermelho’, a urgência é clara, mas não pode se esquecer das outras dívidas para que consiga encaixá-las ao mesmo tempo no orçamento”, diz Senna.
Depois, separar as mais caras (aquelas que possuem os maiores juros) para serem quitadas à vista, no melhor cenário, ou para serem renegociadas (de forma parcelada, por exemplo), mas com valores mais acessíveis para serem encaixadas no fluxo mês a mês do orçamento.
“Embora seja difícil, quando se está endividado é preciso ter calma para organizar os débitos e não deixar que a bola de neve aumente. Sabendo quais são as dívidas, os valores, os juros e quais devem ser eliminadas primeiro fica mais fácil pensar em estratégias para quitá-las à vista”, orienta a educadora financeira.
E lembre-se: a inadimplência nada mais é do que ter crédito de novo. “Acessar o crédito significa estar apto a fazer compras, o que significa novo risco de entrar em novas (ou mais) dívidsa. Por isso, é preciso pensar em saídas permanentes”, acrescenta a especialista do Idec.
As contas de início de ano precisam fazer parte do cenário do ano todo. Isso quer dizer que, sabendo que elas chegarão em janeiro, é possível se organizar mês a mês para não passar apertado nesse período.
O superendividamento vem da falta de estratégia neste período mais demandado de contas a pagar. “Se você só olha para as próprias contas quando há um problema e precisa de uma renegociação fica insustentável ter uma vida financeira saudável”, afirma a especialista do Idec.
“Se as despesas de começo de ano, juntas, custam R$ 5 mil, todo mês eu posso juntar uma fatia dessa quantia para fazer o pagamento. Se fizer isso, quando janeiro chegar, não será preciso comprometer a receita extra de fim de ano ou renda do mês. Ao fazer isso, você pode ganhar desconto ao pagar IPTU ou IPVA à vista. A mesma lógica pode valer para os presentes do ano, por exemplo”, afirma Luan Correia, analista sênior de educação financeira da Unicred.
4. Faça sua reserva e/ou invista
Se o consumidor, por outro lado, não tem dívidas, pode aproveitar o saldo que sobrar para construir a reserva de emergência ou até mesmo investir.
A recomendação para a reserva de emergência é ter um valor entre seis meses e um ano de salário para lidar com imprevistos com a entrada de renda. Neste fim de ano, o consumidor pode adicionar parte do que sobrar à sua reserva.
“Poupar dinheiro é a forma de colocar os sonhos da família em prática. Faz parte do orçamento também se organizar para guardar e fazer o dinheiro render mais”, ressalta Senna.
O InfoMoney tem um guia sobre como construir a reserva de emergência e um conteúdo sobre como começar a investir. Quem já investe também pode acompanhar as reportagens sobre o tema.
5. Não tem dívidas?
Além de poupar e investir, se o consumidor não tem dívidas não deve deixar de se organizar para aproveitar e desfrutar dos valores acumulados.
“O dinheiro é só uma ferramenta de troca. E muitas vezes você troca o dinheiro pelo seu tempo. No trabalho costuma ser assim. Pensando dessa maneira, tudo o que se consome é meu tempo que eu gasto. Ter esse olhar incentiva a entender se você está gastando seu dinheiro da melhor forma. Isso vale para repensar alguns hábitos para curtir e aproveitar um tempo com a família e amigos”, avalia Senna.
Correia, da Unicred, acrescenta que é importante avaliar o próprio momento de vida. “Se a pessoa está no ‘azul’, gastar o dinheiro extra de fim de ano para uma viagem, por exemplo, faz parte do planejamento. O problema é se estiver endividada e precisar quitar as dívidas e mesmo assim mantém o plano de viajar. Às vezes, essa ponderação é o maior desafio”.
E o Desenrola vai dar certo?
O programa de renegociação de dívidas ganhou mais prazo, para até março de 2024, tamanho foi o sucesso entre os brasileiros. Mas a pergunta que fica é: o modelo vai ajudar a população a sair do ciclo de endividamento? Ainda restam dúvidas.
“Existe o risco de o endividamento voltar pelo menos para parte do público que precisou do programa. Todo o programa olha para dívidas inadimplentes até 2022. E se a pessoa estiver com dívidas em 2023? Endereçou somente parte do problema”, avalia Senna.
Na visão da planejadora financeira Patricia Palomo, as iniciativas para a renegociação dos passivos da população superendividada são importantes, porém não suficientes se tomadas de forma isolada.
“O processo de superendividamento se dá por diversos fatores (objetivos, cognitivos e emocionais), que se não forem sanados ou amenizados junto com as dívidas podem fazer com que o comportamento de contrair novas contas sem planejamento volte a acontecer e comprometer novamente o equilíbrio financeiro das famílias”, diz.
Ione Amorim, do Idec, também reforça o coro. “A capacitação financeira para usar o programa não foi mandatória. Quantos dos milhares que foram buscar tiveram a curiosidade de entender o acordo? Analisar sua capacidade financeira? Não sabemos”, diz.
Na visão dela, o Desenrola é um reabilitador para o consumo de crédito. “Os bancos concedem crédito sem analisar a capacidade de endividamento. Mas o crédito bom é o que acaba e permite que a pessoa pague sua dívida e depois contraia outro”, avalia a economista do Idec.
Para saber os resultados efetivos do programa é preciso esperar o governo federal divulgar alguns dados — ainda não confirmados; e ou acompanhar os índices de inadimplência a partir de janeiro, para radiografar a nova situação, finaliza Correia, da Unicred.