Como o mercado financeiro lida com a diversidade étnica?

Como o mercado financeiro lida com a diversidade étnica?

novembro 20, 2020 Off Por JJ

Homem negro digitando no notebook com tela em gráfico, diversidade étcnica
(Rawpixel/Envato)

SÃO PAULO – Pedro (nome fictício) tem 37 anos e um ocupa um cargo de alta gestão em um dos três maiores bancos privados do país. Ele é negro. Pedro evita se colocar como vítima; diz acreditar na meritocracia e conta que nunca sofreu assédio ou desrespeito explícito por conta da cor da pele. Mas diz que encontrou, como outros negros e negras, dificuldades menos vivenciadas por pessoas brancas.

Criado no Méier, zona norte do Rio de Janeiro, ele começou a trabalhar aos 16 anos entregando panfletos na rua. Era de família de classe média. Estudou inglês na adolescência e estudou numa escola particular. “Uma boa escola de subúrbio”, diz. Conciliar o curso de Engenharia de Produção, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), com o trabalho nunca foi fácil. “Me lembro de a vista embaçar de sono durante aulas de Cálculo 3.”

A história de Pedro ilustra um obstáculo comum na ascensão profissional de pessoas negras: o racismo estrutural. Uma pessoa negra dos subúrbios e periferias encontra muito mais dificuldades para atingir postos de destaque em grandes empresas ao competir com pessoas de pele branca que frequentaram as melhores escolas e universidades e que não tiveram que trabalhar para bancar os estudos. Mais do que isso, quando pessoas brancas chegam ao mercado de trabalho, têm muito mais chances de encontrar colegas, ex-professores e “amigos do pai” – uma vantagem inicial impossível de desprezar.

“Eu sempre notei que tive que me provar muito mais do que os outros”, diz Pedro. “Nunca tive um currículo tão bonito nem frequentei os mesmos círculos que a maioria. A falta de um networking faz a diferença. Muita gente desiste no meio do caminho.”

Os vieses inconscientes

Não há dados oficiais. Mas quem circula pela região da Avenida Faria Lima, em São Paulo, e a Ataulfo de Paiva, no Rio de Janeiro, duas áreas que concentram empresas do setor financeiro, pode perceber que a diversidade existe apenas no portfólio de investidores.

“Quantas pessoas negras conseguem atuar numa mesa de trader?”, pergunta Alan Soares, sócio da Trader Brasil e um dos fundadores do Movimento Black Money, um hub de inovação que fomenta o empreendedorismo de pessoas de pele negra. “Quantos negros atuam como gestores de fundos ou como assessores de investimento? Pouquíssimos.”

Segundo Soares, há um preconceito em relação à capacidade de pessoas negras gerirem dinheiro. “No imaginário coletivo, negros não entendem de dinheiro”, diz, referindo-se aos vieses inconscientes, ideias preconcebidas que carregamos sem termos consciência de que são injustas e preconceituosas.

Um problema nacional

A predominância de pessoas de pele branca não é exclusividade do mercado financeiro. Diversos estudos mostram que, nas maiores empresas do país, a diversidade étnica ainda está longe de ser uma realidade. Uma pesquisa feita em 2016 pelo Instituto Ethos com 117 companhias relevou que a proporção de negros só se aproxima da realidade nacional (negros são 56% da população brasileira) nas posições de trainees e aprendizes. No quadro geral das empresas a proporção não ultrapassa os 38%.

Quanto mais alto no organograma das empresas, menor é a presença de pessoas negras, até chegar a perto de 5% no quadro executivo e conselho de administração.

Outra pesquisa, feita em 2019 com 532 empresas pela consultoria de recrutamento e seleção Talenses, em parceria com o Insper e o Instituto de Pesquisas Qualibest, mostrou um quadro parecido: presidentes, vice-presidentes e diretores negros chegam a 5% do total. E apenas 3% dos conselheiros são pessoas de pele negra.

Nina Silva, CEO e fundadora do Movimento Black Money, diz que, na pauta de inclusão e diversidade das grandes empresas, a questão racial vem atrás da inclusão das mulheres. Segundo ela, isso ocorre por um motivo simples: falta de empatia. “Os grandes líderes e estrategistas das grandes empresas, sejam elas firmas tradicionais ou startups, são, na grande maioria, homens brancos”, diz. “E, quando falam de inclusão das mulheres, estão falando em incluir suas esposas, filhas, irmãs.”

Segundo o raciocínio de Nina, quando executivos brancos abrem oportunidade para mulheres brancas, estão agindo para beneficiar semelhantes. Dessa forma, reforçam o racismo estrutural. “Quando se fala da pauta racial, é mais difícil eles sentirem a mesma empatia e sensação de urgência.”

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O que as empresas estão fazendo?

As empresas começam a atacar o problema. Dois fatores impulsionam esse movimento: a conscientização da população e a pressão de investidores, que dão preferência a empresas comprometidas com o ESG, sigla em inglês que simboliza um movimento em prol de melhores práticas ambientais, sociais e de governança.

“Até pouco tempo, não fazia diferença para a maioria dos investidores se as empresas investiam ou não em questões sociais e ambientais”, diz Fabio Alperowitch, co-fundador e gestor da FAMA investimentos, que administra fundos dedicados a investir em empresas ESG. “Como os investidores passaram a levar isso em conta as empresas começaram a levar o assunto a mais a sério.” Recentemente, ele escreveu um artigo para o InfoMoney sobre o assunto.

A pesquisa Oldiversity, feita pelo Grupo Croma com 2.032 pessoas, mostrou que o preconceito sai caro. Pouco mais de 70% dos entrevistados dizem que não consomem produtos de marcas com comportamento preconceituoso – e 68% preferem marcas abertas à diversidade. “A diversidade influencia cada vez mais nas vendas das marcas”, diz Ferdinando Vilela, diretor de Pesquisa e Data Analytics do Croma.

Nina, do Black Money, lembra que a população negra movimenta quase R$ 2 trilhões por ano no Brasil, ou seja, é um público relevante para as empresas. “Ao ter pessoas pretas dentro das empresas, inclusive nos quadros de liderança, as marcas estão dialogando com a maioria dos brasileiros”, diz. “Até por uma questão de sobrevivência, elas estão despertando para a necessidade de inclusão.”

Em setembro, o Magazine Luiza (MGLU3) chamou atenção para o tema ao anunciar um programa de trainee voltado apenas para homens e mulheres de cor negra. O anúncio provocou uma avalanche de apoios. Para alguns, finalmente uma grande empresa atuava de forma enfática para criar oportunidades para um grupo que historicamente foi marginalizado; para outros, a empresa surfava na onda do “politicamente correto” e a medida era uma jogada de marketing.

Alguns bancos têm realizado programas para a inclusão. O trabalho é estruturado em dois pilares: conscientização dos funcionários e lideranças para criar um ambiente de respeito; e formação educacional, para facilitar o ingresso de pessoas negras no quadro de funcionários.

O Santander (SANB11) tem programas para formação de profissionais de pele negra interessados em atuar nas áreas de tecnologia e no mercado financeiro, que requer certificação CPA-20 (saiba mais sobre as certificações do mercado financeiro). O banco também abriu um programa com oito bolsas de R$ 10 mil, que inclui mentorias com executivos, para profissionais que estão cursando MBA, mestrado ou doutorado. E concede 250 bolsas por ano para negros e negras aprendizes ingressarem num curso superior.

“Queremos formar e trazer novos talentos, e ajudá-los a participar dos processos seletivos para média e alta liderança”, diz Bruno Scaldaferri, superintendente de Diversidade do Santander. Atualmente, 25% dos funcionários do banco são pessoas negras. Há quatro anos, eram 20%. Na média gestão são 12% de negros e, na alta gestão, 6%.

Derrubando as barreiras

Para diminuir as barreiras de entrada, as empresas começam a rever os processos de seleção de estagiários. O Bradesco, por exemplo, está ampliando as chances de candidatos que não tenham diplomas de instituições de ponta privadas, como Fundação Getúlio Vargas, Pontifícia Universidade Católica (PUC) ou Insper, nem domínio de vários idiomas. “Nos nossos processos seletivos, queremos conhecer as pessoas e entender se elas têm valores alinhados à organização”, diz Juliano Ribeiro Marcílio, diretor de Recursos Humanos do banco.

O objetivo, segundo ele, é avaliar não as capacidades técnicas, chamadas hard skills, mas as soft skills, as características pessoais e comportamentais. “Não acreditamos que um curso possa dar todos os conhecimentos que uma pessoa precisa para desenvolver uma carreira.” O Bradesco, que tem 27% de seu quadro de profissionais e 19% dos líderes pessoas de pele negra, tem ganhado diversos prêmios de diversidade.

Pedro, o personagem do começo da reportagem, diz que foi a valorização das suas características comportamentais que o permitiu entrar na indústria financeira. “Eu sempre soube me relacionar e tive a sorte de ter superiores que apostaram na minha força de vontade e capacidade”, diz.

Os desafios ainda são imensos. A pesquisa Oldiversity relevou que 77% dos negros dizem que as empresas têm preconceito na hora de contratar e 70% declararam ter sofrido algum tipo de preconceito no local de trabalho. “Enquanto estivermos debatendo o assunto da diversidade, significa que ele ainda não foi superado”, diz Marcílio. Verdade.

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