Com pandemia, desigualdade racial no mercado de trabalho bate recorde
novembro 20, 2020
Após aumentar durante a crise de 2015 e 2016 e não retroceder mais, a desigualdade racial no mercado de trabalho bateu recorde neste ano.
Com a pandemia da covid-19 fechando milhões de vagas e obrigando o trabalhador informal a ficar em casa, a diferença na taxa de desemprego entre pretos e pardos e o restante da população alcançou em junho 5,45 pontos porcentuais, o maior patamar desde 2012 (início da série histórica).
A última vez que essa diferença havia ultrapassado 5 pontos porcentuais foi em março de 2017, quando ficou em 5,24 pontos.
Enquanto o desemprego atingiu 15,8% entre pretos e pardos em junho, entre brancos, amarelos e indígenas, ficou em 10,4%, segundo dados da Pnad contabilizados pela consultoria LCA.
A diferença decorre, sobretudo, do fato de a população negra ocupar mais cargos que demandam pouca qualificação, que costumam ser os primeiros cortados em uma recessão.
Grande parte dos negros também está no mercado informal e não pode trabalhar por causa das medidas de distanciamento social. Entre abril e junho, o número de pessoas nesse segmento caiu 24,9% na comparação com o mesmo período do ano passado. Foi o maior recuo entre todos os grupos analisados pelo IBGE.
Ainda no segundo trimestre, houve uma redução de 24,6% nas vagas para trabalhadoras domésticas, que também concentram a população negra. O resultado disso foi que a taxa de desemprego entre mulheres negras (pretas, pardas e indígenas) atingiu 18,2% em junho, entre as brancas ficou em 11,3% e entre homens brancos, 9,5%.
O economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social) lembra, porém, que outros motivos podem estar acelerado a desigualdade, como o preconceito.
Isso porque o número de anos que os negros têm dedicado aos estudos cresceu 12,1% entre 2014 e 2019, enquanto entre os brancos o avanço foi de 7,5%, o que indica que a desigualdade na qualificação vem sendo reduzida.
Apesar dessa mudança, a renda da população negra recuou 4,9% no período e a da branca cresceu 1,8%. “O que está ao alcance das pessoas pretas e pardas, o estudo, está sendo feito. No entanto, o rendimento vem caindo”, acrescenta Néri.
O economista destaca ainda que a distância educacional entre negros e brancos pode voltar a crescer com a pandemia. Dados do IBGE mostram que 17,3% das crianças negras não receberam o material para estudar em casa em agosto. Entre brancos, foram 8,3%.
Atuando há dez anos em um dos maiores bancos privados do País, Jessica Karine Gonçalves dos Santos, de 33 anos, está entre aqueles que estão elevando os anos de estudo da população negra. Hoje pós-graduada, ela começou na área de call center do banco e chegou ao cargo de analista de RH, mas foi demitida na pandemia.
Jessica, que estava trabalhando em uma proposta para aumentar a contratação de negros pelo banco, diz nunca ter sofrido ataques diretos por causa de sua cor, mas conta que havia algumas atitudes que alimentavam a percepção de desigualdade. “Era possível sentir, em alguns casos, que eu era mais cobrada por resultados que os demais.”
Após ser desligada do banco, Jessica criou um grupo no WhatsApp para mulheres negras. A ideia é que elas se apoiem e debatam temas ligados à inclusão.
Racismo estrutural
Apesar de a pandemia ter aprofundado a desigualdade racial, as diferenças entre negros e brancos sempre existiu. O economista Michael França, pesquisador do Insper, destaca que a discriminação é um custo maior na vida dos negros. “Pelo fato de estar em posição de maior vulnerabilidade social, o negro tem de lutar contra a pobreza e contra o viés racial”, diz.
França aponta a necessidade de se atacar a presença de negros na televisão em papéis de subordinação como forma de reduzir a desigualdade racial.
Para o sociólogo Mário Rogério, do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, é essencial que as empresas debatam o assunto, dado que o costume dos funcionários e executivos é indicar e promover seus semelhantes.
“Não existe placas nas empresas de que elas não contratam negros, mas a prática é procurar sempre os iguais. Esse é um movimento cotidiano que ninguém questiona. E é lógico, os negros ficam do lado de fora.”
Membro da Rede de Economistas Pretas e Pretos, Danielle Nascimento lembra que a desigualdade racial no mercado de trabalho reflete as condições sociais da população.
“Se a pessoa não têm acesso à educação ou está em condição de vulnerabilidade, a distância (dela em relação a grupos privilegiados) aumenta na crise, quando as desigualdades tendem a crescer. O primeiro ponto que precisa mudar é o acesso a oportunidades.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.