Amazônia deve ser encarada como ativo, e não passivo, dizem especialistas
março 2, 2021SÃO PAULO – Embora ocupe cerca de 60% do território nacional, a região amazônica foi historicamente considerada uma área pouco relevante do ponto de vista econômico, por ser responsável por apenas cerca de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Mas dada a atenção que o mundo tem depositado sobre a Amazônia nos últimos anos, essa visão deve ser deixada no passado.
“Cada vez mais, o que acontece com a Amazônia vai influenciar a economia e as relações do Brasil com o mundo, independentemente da sua participação no PIB”, afirmou Mariano Colini Cenamo, fundador e diretor do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), durante painel do evento Expert ESG, da XP Investimentos, nesta terça-feira (02).
Essa é a boa notícia, segundo Cenamo. “A má é que o momento é crítico, porque parte da relevância que a região tomou recentemente foi em função de notícias como o desmatamento em 2020, o maior dos últimos 12 anos.”
O especialista participou do painel “Amazônia 4.0”, junto com Denise Hills, diretora global de Sustentabilidade na Natura, e Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). A discussão se centrou nas potencialidades da floresta amazônica para se tornar um centro de geração de valor para o país.
Na visão dos especialistas, as oportunidades são muitas e grandiosas. “O Brasil está em uma situação extremamente vantajosa. Se tratarmos a floresta amazônica como um ativo, e não como um passivo, temos a possibilidade de fazer investimentos com alto retorno”, afirmou Marina. Uma guinada para a economia verde, que valorize a floresta, destacou a especialista, teria impacto potencial de R$ 2,8 trilhões no PIB.
Marina destacou que o setor empresarial brasileiro tem observado com interesse crescente as discussões relacionadas à Amazônia. Há experiências objetivas em andamento, como o caso da Votorantim Cimentos, que passou a utilizar o caroço do açaí como combustível para os fornos em fábricas no Pará. E há iniciativas de mobilização e cobrança em curso também.
Em julho do ano passado, por exemplo, um conjunto de cerca de 40 companhias e organizações protocolaram junto à vice-presidência da República e ao Conselho Nacional da Amazônia Legal um comunicado em defesa da agenda do desenvolvimento sustentável e combate ao desmatamento.
“Vemos muitas empresas falando do compromisso de reduzir a zero a emissão líquida de gases do efeito estufa até 2050. Não lembro de outro momento em que o setor privado tenha vocalizado tanto esse tema e atuado em rede”, disse Marina.
Empresas tomam a frente
Algumas empresas têm essa discussão bastante amadurecida. É o caso da Natura, por exemplo, que estabeleceu o desenvolvimento sustentável como um direcionador estratégico logo após a Eco 92, conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento realizada em 1992. A Amazônia está no centro das ações da empresa desde então.
“Na Amazônia, combinar o potencial da ciência e da tecnologia com conhecimento de povos tradicionais, valorizando a cultura local, se mostrou um desafio. Como podemos criar modelos de negócio que protegem o meio ambiente e criam valor para pessoas de maneira escalável?”, questionou Denise, da Natura.
A empresa vem procurando encontrar essa resposta há pelo menos 20 anos, e já com alguns resultados. Denise destacou que desde 2011, por exemplo, a companhia desenvolve parcerias locais com agroindústrias da Amazônia. Em 2014, criou o Ecoparque, no Pará, que se propõe a ser um hub de produção de bioativos, de pesquisa e desenvolvimento, e de atração de parcerias para a região.
“Em 20 anos, foram 5.300 famílias nas nossas cadeias produtivas, com a distribuição de cerca de R$ 33 milhões em compras de insumos e repartição de benefícios”, afirmou a executiva.
Acalmar e atrair investidores
Na visão dos especialistas, a Amazônia será o grande diferencial do Brasil na economia global. No momento, porém, tem despertado a desconfiança de investidores. No ano passado, por exemplo, gestores que administram US$ 3,75 trilhões em ativos pressionaram o governo brasileiro com uma carta aberta em que demonstraram preocupação com o desmatamento.
“Não há solução simples para problemas complexos”, defendeu Cenamo, do Idesam, ressaltando que a combinação de uma agenda de ações de curto e de longo prazo é premente.
No curto prazo, é preciso conseguir reduzir o desmatamento, reforçou. “Sabemos a fórmula. Tem de aumentar a fiscalização, reduzir as queimadas, interromper processos de grilagem, apoiar comunidades indígenas, fortalecer os órgãos de governo, entre outras ações”, disse Cenamo.
Para o longo prazo, na visão do especialista, é preciso atacar temas pouco tratados: o empreendedorismo e o protagonismo empresarial. “Há 15 anos, quando começamos a reduzir o desmatamento, apostamos no governo, na academia e no terceiro setor”, disse.
“Faltaram os empreendedores de pequenos negócios e startups, além do envolvimento de grandes empresas, mesmo que elas não tenham responsabilidade direta sobre a região.”