Alta na demanda, problemas na entrega: veja quais são as varejistas com mais reclamações na quarentena
maio 29, 2020SÃO PAULO – Grande parte das pessoas já teve problemas com a entrega de algum produto que comprou na internet: seja por atraso, tamanho errado, algum defeito devido ao transporte, erro no pedido, entre outras adversidades. Mas na quarentena implementada devido ao surto de coronavírus, em que a compra online se tornou a única opção disponível, imprevistos logísticos ficaram ainda mais desagradáveis para o consumidor.
Estudo realizado pela Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), em parceria com a Konduto, mostra que as compras no e-commerce brasileiro aumentaram 40%, em média, de março para abril.
Nesse contexto, as varejistas estão se adaptando em termos logísticos para suprir o aumento da demanda, ao mesmo tempo em que enfrentam uma crise econômica causada pela pandemia de coronavírus – que pode ter, inclusive, afetado o tamanho de equipes e reduzido jornadas em alguns casos.
Diante desse desafio imposto às varejistas, o InfoMoney encomendou ao ReclameAqui um levantamento para verificar quais são as varejistas mais reclamadas no que diz respeito a qualquer problema relacionado à entrega de produtos – somando os comprados via loja online, em que a própria marca administra a logística, e também via marketplace, em que um terceirizado cuida da entrega do produto oferecido na plataforma da empresa.
A quantidade de reclamações (que incluem as duas modalidades citadas) são referentes a qualquer problema relacionado à entrega do produto sinalizado pelos usuários da plataforma do ReclameAqui entre os dias 1° de março e 19 de maio.
A partir disso, o ranking foi ordenado pela variação no número de reclamações comparando com a média diária do intervalo citado com o pré-crise (entre 1º de janeiro e 29 de fevereiro) para ser possível avaliar o desempenho das empresas sob a ótica logística durante a pandemia.
Veja o ranking e, em seguida, como as empresas estão agindo para enfrentar as dificuldades:
Pegas de surpresa
Alexandre Machado, especialista em varejo e sócio diretor do Grupo GS& Gouvêa de Souza, diz que o aumento de reclamações visto na maioria das empresas tem relação com o crescimento da base de clientes e das próprias vendas nos canais digitais.
No geral, as varejistas não estavam preparadas para lidar com o nível de demanda que chegou de surpresa. “Algumas empresas estavam se preparando e investindo mais em tecnologia, mas, mesmo assim, administrar o novo volume de vendas é um desafio”, pontua Machado.
Para entender o cenário atual, o especialista ressalta que é preciso dar um passo para trás. “Para muitas companhias, o e-commerce era só mais um canal secundário, e o investimento em marketing e na loja física para atrair novos clientes era muito maior do que na infraestrutura de logística e tecnologia. Com a chegada da pandemia, ficou muito clara a necessidade de investir em coisas que ficam da ‘porta para dentro do negócio’, o que não aparece para o público final, dado que as pessoas estão em casa e a demanda do e-commerce deslanchou”, explica.
O InfoMoney entrou em contato com todas as empresas citadas no ranking. A Lojas Americanas foi a única que optou por não responder à solicitação.
Sustentando as conclusões de Machado, boa parte das empresas listadas informaram um crescimento das vendas virtuais no período.
A Cacau Show, por exemplo, que ficou em primeiro lugar no ranking de reclamações, teve um crescimento de mais 4.000% nas vendas online entre 1° de março e 24 de maio deste ano comparando com o mesmo período do ano passado.
O Magazine Luiza, que ocupou a segunda posição no ranking, com uma variação de 93% nas reclamações, teve um crescimento de 138% na operação online, em abril, e de 203%, em maio até o dia 20. As receitas dos canais digitais j[a correspondem a 53% das vendas totais da companhia.
A Via Varejo, que administra Casas Bahia (5° lugar), Extra.com (7° lugar) e Pontofrio (8° lugar), informou que o canal de venda online direta cresceu 260% em abril, na comparação com o mesmo mês de 2019, enquanto o marketplace aumentou 130% em vendas, considerando as três marcas.
Em linha com as demais empresas, o Mercado Livre, que ficou na quinta posição, informou que, de 24 de fevereiro a 3 de maio de 2020, foram registrados 2,6 milhões novos compradores no Brasil.
Os desafios enfrentados
Machado pondera ser muito difícil para as empresas manterem o atendimento da nova demanda da mesma maneira que faziam na pré-pandemia e também assinala a mudança no comportamento do consumidor.
“O senso de urgência do consumidor aumentou, a ansiedade também, e o que antes não seria um item de primeira necessidade pode passar a ser. A paciência diminui. Não que isso tire a responsabilidade das varejistas em oferecer um bom serviço, mas é um fator”, diz.
“Também faz parte dessa balança, que tenta equilibrar o aumento da demanda com a entrega eficiente, o aumento no investimento, despesas que vão surgir para manter o mesmo nível de serviço. Mas em em um momento de crise, essa conta pode não fechar com tantos compromissos para honrar. Então, aumentar os prazos para readequar a demanda, por exemplo, faz parte do processo – parte que nem sempre agrada o consumidor”, complementa.
Por fim, o especialista aponta para um eventual aumento do custo de transporte, o que também pode pesar sobre a avaliação da empresa.
A Cacau Show, primeira colocada no ranking, tem um modelo de negócio que sempre privilegiou as lojas físicas, com grande volume de unidades em shoppings, fechados pela pandemia, assinala Machado. A necessidade de migração acelerada para o canal online e o período de Páscoa podem ter contribuído para o aumento das reclamações.
“É uma junção de falta de infraestrutura, com modelo de negócio majoritariamente físico e a alta gigantesca na demanda de uma hora para outra”, observa.
Em meio ao crescimento expressivo das vendas em seu e-commerce, a empresa está tentando se adaptar à nova fase.
“A plataforma de e-commerce da Cacau Show com certeza não era usada da maneira que é ultimamente. A compra online de chocolate não era tão forte quanto a presencial. Sendo assim, estamos diariamente estudando e entendendo novas formas de melhorar as nossas plataformas e todos os processos para que os produtos cheguem ao seu destino”, afirma Alexandre Costa, fundador da marca.
Nova tendência para o varejo?
Nesta semana, o Magalu, que ficou em segundo lugar no ranking reclamações divulgou seus resultados do primeiro trimestre e viu seu lucro cair 76,7% em decorrência do impacto da pandemia. A empresa, no entanto, registrou aumento de 7% nas vendas totais em abril.
Ao InfoMoney, a empresa diz que o desafio é do mercado de varejo. “O e-commerce do setor como um todo cresceu, já que as pessoas estão mais tempo em casa. Mas acreditamos que estávamos preparados para esse momento, porque já vínhamos investindo em tecnologia há muito tempo. Tivemos um volume muito grande de pedidos e falhas aconteceram. Mas essas 24 mil pessoas que ficaram insatisfeitas com o serviço, representam apenas 0,002% do total de pedidos realizados pela companhia.”
Sobre os processos, a empresa explica que aumentou o prazo de entrega em dois dias, em média, para atender a demanda desse momento.
Segundo o Magazine Luiza, seu marketplace sentiu o impacto da pandemia e os parceiros menores tiveram dificuldades na entrega de produtos. “Muitos dependem de operadores logísticos que também foram afetados, mas o problema foi identificado e estamos trabalhando para aprimorar. Queremos ser o sistema operacional do varejo brasileiro. Tudo o que funcionou para nós estamos oferecendo para todo mundo, pequeno e grande vendedor”, informa a empresa.
Ainda, no ano passado a empresa adquiriu a Netshoes, que também está no ranking, em sexto lugar com um aumento de 27% nas reclamações. A logística da Netshoes está sendo incorporada ao Magazine Luiza e a empresa informou que os processos de aprimoramento da entrega também são válidos para a varejista de artigos esportivos.
A Via Varejo, em nome das Casas Bahia, Pontofrio e Extra.com, diz que está adequando todos os sistemas e logística para que o atendimento seja ágil na mesma proporção.
“Nossos centros de distribuição, por exemplo, estão trabalhando 24 horas por dia, seguindo todas as regras de segurança e saúde, para atendermos aos clientes. Além de inovações, como um novo canal de atendimento via WhatsApp, por exemplo, a área de Gestão de Clientes está ampliando as posições de atendimento via telefone e chat”, informou o grupo.
O Mercado Livre acredita que parte desse processo de equilibrar eficiência na entrega e aumento da demanda também passa pelo atendimento. “Aproximadamente 50% dos quase 3 mil funcionários do Mercado Livre no Brasil atuam em nossa área de Customer Experience. Além do canal de autoatendimento, mantemos comunicação com o cliente via email, ‘click to call’ [recurso que permite o cliente informar o telefone para que o MercadoLivre entre em contato], chat, SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor) ou ouvidoria”, diz a empresa.
Além disso, a companhia decidiu responder ativamente aos consumidores também por meio do Reclame Aqui. “Acreditamos que o fato esteja contribuindo para o aumento da procura pelo canal.”
Por fim, a empresa diz que criou uma tag com a informação “Enviando Normalmente”, que possibilita ao usuário comprador do marketplace filtrar os anúncios que possuem essa informação na hora da compra.
A KaBum!, que apresentou um aumento de 86% nas reclamações, afirmou que as vendas cresceram mais de 200% entre 1° de maio e 19 de maio em relação ao mesmo período do ano passado e que o aumento do número de reclamações era esperado devido à crescente demanda.
“Nossos centros de distribuição continuam expedindo todos os pedidos normalmente. No entanto, devido aos desafios de circulação impostos pela Covid-19, em determinadas situações nossos transportadores podem encontrar algum tipo de dificuldade de acesso ou restrição no trajeto até o endereço de entrega. Com isso, eventualmente, em algumas regiões o prazo de entrega foi ampliado devido aos obstáculos no trajeto que chamamos de ‘última milha’.”
A empresa também explicou que fez um volume significativo de contratações no time de logística, já prevendo o aumento da demanda e volume de vendas. “Houve uma mudança no perfil de consumo e nos adaptamos diariamente para garantir o melhor funcionamento possível de toda nossa operação”, diz a empresa.
Em relação ao Carrefour, que apresentou a maior queda (52%) de reclamações entre os períodos, Machado diz que a empresa vinha há um bom tempo se estruturando no e-commerce e trabalhando para se organizar.
De fato, a empresa ressaltou que vem investindo em sua estrutura de atendimento e entregas, com a contratação de novos colaboradores dedicados à separação e entrega dos pedidos via e-commerce.
Como equilibrar a balança?
Machado ressalta que as empresas que investirem na infraestrutura da operação, desde a jornada de compra no site até a entrega mais eficiente, sairão na frente.
“Parece óbvio, mas ainda vemos muitas barreiras nesse sistema de entrega. CEPs em áreas consideradas de risco, ou muito longe [dos CDs para as entregas serem feitas], o que obriga a pessoa a retirar o produto nos Correios, por exemplo. Isso impacta de forma negativa a experiência. Também tem a questão da logística inversa: uma troca de produto ainda é muito trabalhosa, você precisa ir até os Correios e despachar o pacote de volta”, diz.
Por isso, quem tiver centros de distribuição mais espalhados vai conseguir aumentar o alcance, bem como prestar um serviço de coleta e troca, e vai ganhar pontos com o consumidor.
Outra estratégia que pode impulsionar as empresas nessa nova fase de consumo é usar a loja física, como um hub logístico. “Magalu e Via Varejo, por exemplo, já fazem isso. A loja física estava tomando um caminho em que deixava de ser um ponto de venda para se tornar um ponto de experiência, e a partir de agora também precisará ser um centro de estoque para agilizar a entrega”, diz o especialista.
Machado acredita que a questão logística é um desafio não só para o varejo entregar o serviço de maneira eficiente, mas para a indústria de transporte no geral.