Acuado, Trump volta aos palanques para tentar salvar a reeleição

Acuado, Trump volta aos palanques para tentar salvar a reeleição

junho 20, 2020 Off Por JJ

Trump Presidente dos EUA
(Alex Wong/Getty Images)

NOVA YORK – Depois de um longo interlúdio provocado pela pandemia do coronavírus e pela convulsão racial que se seguiu ao assassinato de George Floyd, a eleição presidencial aos poucos vai voltando a ocupar o noticiário nos Estados Unidos. Está previsto para a noite deste sábado o primeiro grande comício de Donald Trump em três meses.

O presidente americano, que declarou diversas vezes a vontade de voltar a subir no palanque, precisa como nunca de uma injeção de energia dos apoiadores. As pesquisas são unânimes: se a eleição fosse realizada hoje, Trump não só seria derrotado pelo democrata Joe Biden, como poderia sofrer uma das maiores surras eleitorais da história americana.

“Nosso modelo prevê que Trump perderá a votação popular por uma margem de 30 pontos [percentuais] – obtendo apenas 35% dos votos – a pior performance de um presidente que busca a reeleição em um século”, diz um relatório recente da empresa de pesquisas Oxford Economics.

Até mesmo os números do reduto trumpista da mídia, o canal de televisão Fox News, apontam uma vantagem de 12 pontos percentuais para Biden. Outras pesquisas colocam o democrata com vantagens que vão de 8 a 14 pontos percentuais.

É importante lembrar que estes números refletem as intenções de voto nacionais, mas o presidente americano é escolhido pelo colégio eleitoral.

Mesmo com a maioria dos votos populares, um candidato pode perder a eleição se não obtiver a maioria na eleição indireta. Foi justamente o que aconteceu em 2016, quando Hillary Clinton obteve 3 milhões de votos a mais que Trump, mas perdeu em estados-chave como Flórida e Pensilvânia e acabou derrotada pelo republicano.

De qualquer modo, a reeleição de Trump, que era uma possibilidade real no final do ano passado, hoje é menos provável.

Em pouco mais de três meses, a pandemia do coronavírus fez mais de 118 mil vítimas nos Estados Unidos. No total, o país tem mais de 2.200.000 infectados pela Covid-19, segundo dados da Universidade Johns Hopkins.

Além disso, pelo menos 20 milhões de americanos continuam recebendo seguro-desemprego. O número caiu um pouco em relação ao pico registrado em maio, mas parece ter se estabilizado num patamar altíssimo.

O dado do seguro-desemprego é registrado há mais de 50 anos. O recorde anterior era de 2009, na esteira do estouro da bolha imobiliária, quando 6,6 milhões de americanos dependiam do auxílio governamental.

A economia sempre foi o grande argumento de Trump para a reeleição – mas não é mais. A Covid-19 já matou mais americanos que a Primeira Guerra Mundial. As regiões mais críticas, especialmente o estado de Nova York, conseguiram controlar a disseminação do coronavírus.

Em outras partes do país, entretanto, a vida vai voltando à normalidade sem que a epidemia esteja sob controle.

A Flórida registrou na última sexta (19) o maior número de novos casos desde o início da pandemia: 3.822. O Arizona também superou o recorde registrado (no dia anterior): são 3.246 casos.

A situação é parecida em Oklahoma, onde Trump vai fazer o comício neste sábado. O número de novas infecções diárias no estado se mantinha em níveis relativamente baixos até a primeira semana do mês. Nos últimos dias, os novos casos dobraram.

Esses dados não parecem preocupar os apoiadores do presidente. Há dias apoiadores já fazem fila na porta do Bank of Oklahoma Center – um ginásio fechado com capacidade para 20 mil pessoas. Espera-se que outras dezenas de milhares se reúnam do lado de fora da arena, em Tulsa, no Nordeste do estado.

A campanha de Trump diz que vai medir a temperatura das pessoas na entrada do evento e oferecer álcool gel. Mas o uso de máscaras não será obrigatório, nem a recomendação de distância mínima de dois metros entre as pessoas.

“Sendo claro: quem participar de aglomerações tem mais riscos de se infectar. Sei que as pessoas não aguentam mais a Covid, mas ela não foi embora. Ela continua se disseminando na nossa comunidade”, disse Bruce Dart, diretor-executivo da secretaria de saúde de Tulsa.

Em entrevista ao The Wall Street Journal, Trump afirmou que alguns dos seus apoiadores podem pegar o coronavírus, mas seria “uma porcentagem muito pequena”.

Mas, como se trata de Trump, a controvérsia não se resumiu aos riscos para a saúde pública.

A data original do comício era nesta sexta, 19 de junho, dia conhecido como “Juneteenth” (e também como Dia da Emancipação ou Dia da Liberdade), quando se comemora a libertação dos escravos nos Estados Unidos.

O 19 de junho nunca foi um feriado nacional. Mas, depois dos enormes protestos desencadeados pelo assassinato de George Floyd, a data ganhou muita visibilidade. Nova York, Virgínia e Pensilvânia, entre outros estados, decidiram transformar o dia em feriado (antes, o data era oficial apenas no Texas).

A escolha do “Juneteenth” foi vista como mais uma provocação de Trump – ou no mínimo um sinal de insensibilidade diante dos protestos históricos pedindo justiça racial nos Estados Unidos.

A data e o local escolhidos para a retomada da campanha também convidam manifestações ruidosas. Há 99 anos, Tulsa foi palco de um dos maiores atos de violência racial da história americana: 300 negros foram mortos na conflagração racial que se seguiu ao linchamento de um homem negro que teria atacado uma mulher branca.

Durante os mais de dez dias de manifestações consecutivas por todo o país, Trump se concentrou nos casos isolados de depredação e saques.

Um dos pontos mais baixos de sua presidência foi a decisão de afastar com bombas de gás e balas de borracha centenas de manifestantes que protestavam pacificamente na frente da Casa Branca, em Washington. Trump queria tirá-los dali para ser fotografado segurando uma cópia da Bíblia em uma igreja próxima. A ação violenta da polícia gerou condenação ampla.

Mark Milley, chefe do Estado Maior das Forças Armadas e o mais graduado general da ativa, disse estar arrependido de ter acompanhado o presidente na photo op. “Minha presença naquele momento e ambiente criou a percepção de envolvimento dos militares na política doméstica”, disse Milley.

Trump, entretanto, parece se agarrar ao discurso da lei e da ordem como a última bandeira possível de sua campanha. Sobre a possibilidade de manifestantes nos arredores do ginásio de Tulsa, ele escreveu no Twitter nesta sexta pela manhã:

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“Quaisquer manifestantes, anarquistas, agitadores, saqueadores ou marginais que estiverem indo para Oklahoma por favor entendam: vocês não serão tratados como em Nova York, Seattle ou Minneapolis. Será uma cena muito diferente!”

A pesquisa mais recente da Fox News, que mostra o presidente atrás de Joe Biden, também colheu a opinião dos americanos sobre a performance de Trump na Casa Branca:

. 55% dos entrevistados desaprovam a gestão Trump, em geral;
. 53% desaprovam o trabalho na área da saúde;
. 61% desaprovam a abordagem de Trump em relação ao tema do racismo.

A fórmula de atiçar a polarização deu certo quatro anos atrás. Agora, o tiro pode sair pela culatra. Faltam pouco mais de quatro meses para a eleição presidencial (que ocorre em 3 de novembro), e muita água ainda vai passar por baixo da ponte.

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