Os efeitos da disputa entre Trump e Biden sobre a América Latina

Os efeitos da disputa entre Trump e Biden sobre a América Latina

agosto 29, 2020 Off Por JJ

(Getty Images)

por Tomas Arias*

As eleições nos Estados Unidos estão marcadas para 3 de novembro. Os eleitores americanos irão escolher entre a continuidade do Partido Republicano no poder, representado pelo atual presidente Donad Trump, ou se optam por uma mudança de direção, apostando no Partido Democrata, que tem como candidato o ex-vice-presidente de Barack Obama, Joe Biden.

As eleições têm também relevância internacional e afetam os governos latino-americanos. Por isso, analisamos aqui como chegamos ao atual cenário, o que está em jogo, e como essas eleições podem afetar países como Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru.

Como eram as relações entre os EUA e a América Latina antes da chegada de Donald Trump?
Se observam duas tendências históricas das relações exteriores dos Estados Unidos: a tradição de política externa proposta pelo Partido Democrata (último presidente foi Barack Obama) e aquela que caracteriza o Partido Republicano (representado pelo atual presidente, Donald Trump).

De um modo geral, e reconhecendo que cada governo apresenta suas particularidades muitas vezes condicionadas pela conjuntura nacional e internacional, os partidos assumem posturas distintas. Enquanto os republicanos têm tendência mais conservadora, os democratas são considerados mais liberais na seara ideológica.

Para aprofundar essas diferenças, são apresentadas as principais características dos dois governos Obama (2009-2017) e do governo Trump (2017-2021).

Principais características da administração Obama
Obama herdou uma agenda externa complexa e tumultuada como resultado da crise. Nesse contexto, não decidiu reafirmar à liderança dos Estados Unidos na comunidade internacional. Eis alguns traços da política latino-americana:

1. Renovação da liderança nas Américas: Promoveu o ideal de boa vizinhança. Também, propôs ressaltar interesses comuns e valores compartilhados nas relações diplomáticas.

2. Uma nova associação para as Américas: Foi proposta uma diplomacia que enfatizasse a defesa da democracia, maior segurança, mais desenvolvimento e mais educação. Isso foi visto na ajuda à América Central na luta contra as drogas.

3. Um novo começo com Cuba: Em 2014, Obama e Castro anunciaram o início das negociações para restabelecer as relações diplomáticas. O presidente assinou a decisão de fechar Guantánamo, embora essa medida tenha sido posteriormente interrompida pelo Congresso dos Estados Unidos, mas relaxou várias medidas de Bush em relação à ilha.

4. Busca de acordos bilaterais de livre comércio: Os acordos com a Colômbia e o Panamá em 2011 foram destacados.

O que mudou com a chegada de Trump?
A escolha de Trump foi a escolha do não; não à política seguida por Obama, então, não aos desequilíbrios comerciais nas relações com a China e não ao trabalho precário. De certa forma, sua ascensão à presidência foi o fim da ideologia internacional neoliberal iniciada por Clinton em 1993.

Em geral, a política externa de Donald Trump foi caracterizada por três grandes características:

1. É baseado nos interesses da América do Norte (sob o slogan America First);

2. Elementos de imprevisibilidade;

3. Propõe-se reconstruir o poder econômico e o poder militar.

Levando em consideração esses princípios norteadores da política externa de Trump, pode-se observar que foi uma política externa com muitos altos e baixos para a região, pois começou caracterizada por punições e ameaças e hoje caminha para o término do primeiro mandato com uma reversão de dito discurso e uma busca de cooperação com os países latino-americanos.

Provavelmente o melhor exemplo disso é a mudança de posição que teve em relação ao México, que no início ameaçou com a construção do muro de fronteira e hoje se considera um parceiro fundamental.

Também vale destacar o relacionamento com o Brasil e a Argentina e as idas e vindas constantes quanto à imposição e retirada de tarifas de importação.

Cenário eleitoral (Biden vs. Trump)
O presidente republicano enfrenta o candidato do Partido Democrata Joe Biden, conhecido como vice-presidente de Barack Obama entre 2008 e 2016, mas que está na política desde os anos 70.

Com a aproximação das eleições, as pesquisas dão algumas indicações no cenário de intenção de voto:

Gráfico 1: Evolução da intenção de voto presidencial nos EUA (outubro de 2019 a agosto de 2020)


Fonte: Real Clear Politics (2020). Disponível em https://bit.ly/3aWL5ke

Gráfico 2: Evolução da intenção de voto presidencial nos EUA (2020)


Fonte: Five Thirty Eight (2020). Disponível em https://53eig.ht/31sW7KQ

Conforme ilustrado nos gráficos 1 e 2, Biden lidera as pesquisas nos Estados Unidos, seja com 50,1%, conforme a Real Clear Politics, ou 50,9%, segundo o Five Thirty Eight. Vale ressaltar também que Trump tem um índice de aprovação de menos de 43% (Real Clear Politics e Five Thirty Eight, 2020).

Neste ponto, é importante esclarecer que, ao observar os dados das pesquisas eleitorais nos Estados Unidos, é importante diferenciar entre dados brutos / totais (como visto na figura 1) e aqueles que podem ser desagregados por estado.

Isso porque, no sistema eleitoral norte-americano, o voto popular não define a eleição, mas sim o colégio eleitoral. Basta ver o que aconteceu em 2016, quando a candidata democrata Hillary Clinton, apesar de obter quase três milhões de votos a mais que Donald Trump, não venceu a disputa.

Como funcionam as eleições nos EUA?
Nos Estados Unidos, os candidatos competem para conquistar o apoio dos chamados colégios eleitorais. Cada estado tem um número de votos no colégio eleitoral com base em sua população e há um total de 538 em jogo – portanto, o vencedor é o candidato que obtiver 270 ou mais delegados. A maioria dos estados mantém a regra “o vencedor leva tudo”, de modo que o candidato com mais votos receba todos os votos do colégio eleitoral daquele estado.

Califórnia, Texas, Flórida e Nova York são os estados com maior número de votos eleitorais, motivo pelo qual grande parte da disputa eleitoral se concentra ali.

Joe Biden hoje lidera em onze dos treze principais estados monitorados, incluindo Flórida, um dos estados com maior número de votos no colégio eleitoral, que Trump venceu em 2016.

Também é importante acrescentar que novos membros do Congresso serão eleitos em novembro, outra importante disputa de poder. Os democratas controlam a Câmara dos Representantes. O Senado, que deve ser renovado parcialmente, tem uma leve maioria republicana.

Se os democratas obtivessem maioria em ambas as casas, teriam a possibilidade de restringir a ação parlamentar diante de um possível presidente Trump reeleito. Se Biden vencer e, além de manter a Câmara dos Deputados, conseguir obter a maioria no Senado, os democratas terão o apoio parlamentar para realizar as reformas que desejam.

Possíveis efeitos dos diferentes cenários para LATAM
Falar sobre os impactos que uma eleição presidencial pode ter em termos de política internacional se traduz, pelo menos em primeira instância, no futuro que pode ter a relação entre a Casa Branca e os principais governos latino-americanos.

Nesse sentido, é importante considerar que atualmente as relações entre parte dos países latino-americanos e os Estados Unidos são marcadas pela polêmica em torno da eleição do próximo presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Há divergências sobre a data das eleições para o organismo. Enquanto os Estados Unidos pretendem realizá-las nos dias 12 e 13 de setembro (próximo às eleições presidenciais americanas), a América Latina pede seu adiamento para o ano seguinte.

Mas o eixo principal da polêmica tem a ver com quem será o próximo presidente da instituição. Embora historicamente o representante sempre tenha sido eleito por governos latino-americanos, desta vez os Estados Unidos querem escolher Mauricio Claver-Carone, um funcionário próximo a Trump.

Embora países como Argentina, Chile e México tenham pedido o adiamento das eleições do BID, a verdade é que as posições permanecem dentro da margem da prudência; isso ocorre porque o cenário eleitoral ainda não está definido e é claro que não é do interesse de ninguém discordar de Trump, que ainda tem chances de ser presidente por mais quatro anos.

Neste ponto, é importante apontar três cenários possíveis caso as eleições finalmente ocorram em setembro:

1. Triunfo do candidato americano no BID, mas vitória de Joe Biden na eleição: um interlocutor da campanha democrata descreveu Claver-Carone como “muito ideológico” e “não qualificado” para o cargo;

2. Triunfo do candidato americano no BID e vitória de Trump na eleição: talvez o melhor cenário para os EUA nesta situação;

3. Adiamento das eleições para o comando do BID: o melhor cenário para a América Latina.

É importante notar que o partido que está no poder na Casa Branca define os tingimentos gerais da política externa dos Estados Unidos. Nesse sentido, uma eventual vitória democrata provavelmente representaria um cenário de maior reaproximação e abertura às posições latino-americanas.

No entanto, se a vitória de Donald Trump demonstrou algo, foi precisamente a quebra de tradições de política externa. Hoje o cenário eleitoral é incerto, uma incerteza que também permeia o futuro das relações entre a América Latina e os EUA.

As relações serão marcadas não só pelas eleições nos Estados Unidos, mas também pelas eleições que ocorrerão em alguns países da América Latina em 2021, como as presidenciais no Peru e no Chile. Nesse sentido, pode-se pensar em um cenário futuro onde as tendências gerais sejam mantidas em cada país:

Colômbia: o país manteria sua estratégia de acoplamento com os EUA, independentemente de quem vença a eleição. Neste caso, é um elo que tem profundidade nestas duas décadas do século XXI, principalmente ligado às questões de segurança e comerciais.

Peru: o país preserva diferenças na relação com os Estados Unidos, por isso é possível imaginar uma relação mais correta, mas com divergências pontuais. O principal ponto de interesse tem a ver com o eixo comercial ligado ao Pacífico. Além disso, o Peru deve realizar eleições presidenciais em 2021. O resultado será importante para o relacionamento com os Estados Unidos.

Chile: em uma linha semelhante às anteriores, onde além do vínculo que Piñera tem com Trump ou Biden, a política externa chilena se caracteriza por seus altos níveis de institucionalidade. Na verdade, o ideológico está em um plano inferior. Nesse caso, as margens de adaptabilidade à mudança são mantidas. É importante destacar que o Chile deve realizar eleições presidenciais em 2021, onde é certo que o atual presidente Piñera não deve permanecer no poder por questões regulamentares.

Brasil: Bolsonaro tem forte ligação ideológica e discursiva com o atual presidente Estados Unidos. Sendo assim, se Joe Biden vencer a eleição, a relação presidencial entre os dois países deve mudar significativamente. No entanto, a relação bilateral entre os dois atores tem uma longa história, portanto, não se espera uma deterioração do vínculo, independente de quem seja o vencedor.

Argentina: o governo de Mauricio Macri deixou um precedente de reaproximação com Trump. No atual governo de Alberto Fernández, a estratégia da relação com os EUA é marcada principalmente pela reestruturação da dívida com o FMI e o avanço de novos acordos comerciais. No entanto, neste caso, observa-se uma relação inversa à que ocorreria no caso brasileiro, uma vez que o vínculo bilateral entre Argentina e Estados Unidos não tem a mesma solidez. É o país que pode ver maior mudança em seu relacionamento com o país norte-americano a depender do resultado da eleição.

Na análise do cenário das relações entre América Latina e Estados Unidos, não podemos deixar de estudar o posicionamento da China, que hoje disputa poder e influência na região, seja por meio de investimentos, empréstimos, infraestrutura e acordos comerciais.

Sobre essa questão, pode-se dizer que, no governo Trump, devido à nova abordagem das relações com a América Latina, a queda de braço foi vencida pela China. Em um possível cenário de vitória de Biden, os EUA podem voltar a adotar uma política mais ativa na região, como vista no governo Obama.

O que foi dito até agora se baseia na observação da tradição da política externa dos partidos Republicano e Democrata, juntamente com o atual vínculo com os principais países latino-americanos.

Até o momento, Biden está à frente na corrida, principalmente pela forte deterioração que Trump sofreu no contexto da pandemia do novo coronavírus e da escalada das tensões contra o racismo. Mas a imagem do atual presidente está se recuperando. Enquanto isso, a América Latina está à espera.

* Tomas Arias é analista político para América Latina pela XP Investimentos