Briga entre Fortnite e Apple amplia debate sobre monopólio das techs e se torna spin-off das tensões entre EUA e China
agosto 27, 2020SÃO PAULO – A batalha empresarial entre a Epic Games – responsável pelo maior fenômeno dos jogos multiplayer da década, o Fortnite – e a Apple, única empresa do mundo com mais de US$ 2 trilhões de valor de mercado, não é apenas uma disputa comercial pela cobrança de taxas em smartphones.
Segundo analistas, o confronto pelos descontos em compras no jogo é apenas a ponta do Iceberg de um debate mais amplo, que vai do monopólio das “big techs” americanas sobre seus ecossistemas digitais à guerra tecnológica travada por Estados Unidos e China.
Em primeiro lugar, a forma como a Epic violou ativamente uma regra da App Store da Apple e logo em seguida já estava preparada para lançar um marketing agressivo contra a retaliação da empresa americana levanta suspeitas de que o conflito foi premeditado, avalia Breno Bonani, analista da Avenue Securities.
Tudo começou no último dia 13, quando a Epic lançou uma nova modalidade de pagamentos para o Fortnite com a promoção “Mega Drop”. A ação veio antes do lançamento da quarta temporada do jogo, que será realizado nesta quinta-feira (27) e consistia em descontos de 20% nos V-Bucks, que são a moeda utilizada para comprar itens cosméticos e passes de temporada dentro do game.
Este desconto é aplicado apenas em compras realizadas diretamente com a Epic, o que viola os termos de uso da App Store, que obriga os desenvolvedores de qualquer aplicativo a pagarem uma taxa que vai de 15% a 30% sobre todas as vendas realizadas dentro do app baixado via loja digital da Apple.
Para punir essa violação, a fabricante do iPhone removeu o Fortnite da App Store, de modo que o jogo continua disponível para quem já o possuía antes do dia 13, mas não pode ser baixado mais por novos jogadores. Seguindo a concorrente, o Google também removeu o game da sua Play Store.
Logo em seguida, a Epic fez uma campanha pesada contra o que chamou de censura por parte da Apple, inclusive com uma propaganda que parodia a clássica publicidade da Apple baseada no livro 1984, só que desta vez retratando a companhia fundada por Steve Jobs como o verdadeiro “Grande Irmão”.
Depois de divulgar o vídeo inclusive dentro do jogo, a Epic Games entrou com uma ação judicial contra a Apple, pedindo pela imediata recolocação do Fortnite na App Store.
Na terça-feira, a juíza distrital Yvonne Gonzalez Rogers decidiu que a gigante americana não era obrigada a fazer isso, no entanto acatou o pedido da Epic de ordem temporária para impedir a Apple de limitar o fornecimento do motor gráfico Unreal Engine para outros jogos presentes na loja de apps.
Este segundo ponto era importante, pois a Unreal Engine – vendida pela Epic – é um dos mais utilizados por desenvolvedores de games no mundo todo, razão por que Phil Spencer, vice-presidente da Microsoft Gaming, posicionou-se a favor da Epic e contra a Apple pelo Twitter.
Today we filed a statement in support of Epic’s request to keep access to the Apple SDK for its Unreal Engine. Ensuring that Epic has access to the latest Apple technology is the right thing for gamer developers & gamers https://t.co/72bLdDkvUx
— Phil Spencer (@XboxP3) August 23, 2020
“Hoje, apresentamos um testemunho em apoio ao pedido da Epic para manter o acesso ao SDK da Apple para seu Unreal Engine. Garantir que a Epic tenha acesso à tecnologia mais recente da Apple é a coisa certa para desenvolvedores e jogadores.”
Bonani lembra que em julho o Congresso americano questionou as empresas de tecnologia a respeito dos monopólios que gigantes como a Apple e o Google detém sobre seus ecossistemas digitais. Na ocasião, Tim Cook, CEO da Apple, defendeu todas as diretrizes da companhia.
Para o analista da Avenue Securities, a Epic encontrou aí a oportunidade para bater de frente com as gigantes e vender diretamente seus produtos.
Na avaliação de Bonani, a questão é relevante porque a Apple em seu resultado do segundo trimestre mostrou que não é mais simplesmente uma fabricante de hardware, mas uma empresa cuja operação de softwares se torna cada vez mais forte.
“As vendas em aplicativos de terceiros, junto com iCloud e licenças, já formam a segunda maior fonte de faturamento da Apple. O dinheiro oriundo dessa divisão cresceu 42% de 2017 a 2019 e já responde por 17% das receitas totais da companhia”, explica.
“Se o iPhone foi o responsável por fazer com que a Apple atingisse US$ 1 trilhão em valor de mercado, são os serviços fornecidos pela empresa que foram essenciais para ela chegar ao segundo trilhão”.
Criar um sistema absolutamente fechado e de preço mais alto, porém mais seguro e mais premium é parte indissociável da filosofia da Apple desde a gestão de Steve Jobs, que sempre brigou para impedir que fosse possível alterar componentes do Macintosh ou do iPod, do iPhone e do iPad.
Entretanto, Bonani opina que parece bem negativo banir um dos jogos mais populares do mundo em plena pandemia, quando as pessoas buscam todo tipo de entretenimento para respeitar quarentenas e ficar em casa.
Guilherme Giserman, estrategista internacional da XP Investimentos, acredita que a briga entre Epic e Apple é muito mais prejudicial para a primeira do que para a segunda. “Os pagamentos feitos dentro do Fortnite representam 0,04% das receitas da Apple. É muito pouco. Quem mais perde nessa história é a Epic, que ficou sem acesso a um bilhão de dispositivos”, comenta.
Bonani concorda, e diz que a fabricante do iPhone só deve começar a ficar preocupada com essa questão se outros desenvolvedores tomarem o caminho da Epic e saírem do ecossistema dos sistemas IOS.
“Não é possível descartar uma debandada, pois a taxa que a Apple cobra é pesada e pode até falir um estúdio pequeno hipotético que pode apostar todas as suas fichas no lançamento de um game e acabar fracassando nas vendas. Todavia, essa possibilidade ainda não se concretizou e estamos trabalhando meramente com suposições”, defende.
Guerra comercial
Conforme lembra Giserman, a gigante empresa chinesa Tencent, maior portal de serviços de internet do país asiático, é dona de 40% da Epic, de modo que há interesse geopolítico da China no sucesso comercial do Fortnite.
“A Epic em si não é uma empresa chinesa, mas sendo controlada pela Tencent certamente há algum grau de influência dos interesses chineses nas decisões tomadas”, avalia.
Já Bonani diz não ter encontrado vínculo entre a batalha da Epic com Apple e o que ocorre com o aplicativo TikTok, controlado pela empresa chinesa ByteDance, e que vem sendo bombardeado há semanas pelo presidente americano, Donald Trump, sob acusações de oferecer riscos à segurança dos dados pessoas de americanos.
Entretanto, o analista não descarta completamente essa possibilidade. “A Tencent pode ter tentado retaliar contra as empresas americanas. A Epic desde o começo se mostrou muito engajada em enfrentar o monopólio das big techs dos EUA e tem se posicionado com muita agressividade”, aponta.
De acordo com ele, como a Tencent é praticamente imbatível em jogos mobile, ela tem poder para forçar a concorrência e se tornar protagonista de um capítulo paralelo da guerra comercial e tecnológica entre EUA e China.
Procuradas, a Epic Games e a Apple não haviam respondido até o fechamento desta reportagem.
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