Ações da Smiles estão subavaliadas e não refletem possível troca de controle, diz gestora
abril 6, 2020SÃO PAULO — As ações da Smiles (SMLE3), cotadas a R$ 11,37 no fechamento de sexta-feira (3), estão subavaliadas. A análise é da gestora Samba Investimentos, que afirma que o preço atual dos papéis não reflete a possibilidade de troca de controle da companhia em um futuro próximo, saindo das mãos da Gol (GOLL4).
Os papéis de ambas as companhias estão em queda livre depois da desistência da Gol da incorporação da Smiles, situação agravada pela crise do coronavírus. Em 2020, até o último fechamento, as ações da Gol já caíram 74,3%, enquanto as da Smiles sofrem desvalorização de 71,2%.
Para Vladimir Timerman, fundador da Samba, as dúvidas sobre a solvência da Gol no atual cenário de forte redução das operações e fluxo de passageiros justificam o movimento. Segundo ele, o caixa da companhia aérea consegue enfrentar a situação por mais cinco meses. Já as ações da Smiles estão sendo penalizadas por conta de sua relação umbilical com a Gol, que é sua maior fornecedora.
“Analisando o balanço da Smiles, temos duas informações: a primeira é que a companhia tem R$ 1,2 bilhão em caixa; já a segunda é que existem ao redor de R$ 1 bilhão de adiantamento para a Gol para compras de passagens. Nos atuais preços de mercado da Smiles, esse quase R$ 1 bilhão que saiu do caixa para comprar passagens da Gol está sendo marcado a zero”, disse.
Segundo Timerman, o que mais preocupa em relação ao caixa da Gol é que a companhia tem que pagar em agosto uma dívida de US$ 300 milhões contraída em 2015, para a qual a americana Delta Airlines concedeu garantia fiduciária adicional. Ou seja, caso a Gol dê o calote, a Delta deve honrar o débito da brasileira.
A contrapartida dessa garantia adicional é a penhora para Delta Airlines das ações que a Gol detém da Smiles. Atualmente, a Gol detém 56,6 milhões de ações da Smiles, equivalentes a 52,6% da companhia. Segundo Timerman, isso explica, em partes, a tentativa da Gol de incorporar a Smiles.
Oportunidade
A avaliação dele é que, “com a frustração dessa operação cria-se uma oportunidade única de investimentos”. Por um lado, se a Gol não quebrar, o R$ 1 bilhão de adiantamento de compra de passagens da Gol pela Smiles tem que ser levado em consideração, o que faz com que o preço das ações da Smiles tenha que ser algo em torno de R$ 20.
E por outro lado, considerando o cenário mais catastrófico no qual a Gol não consegue honrar a dívida de US$ 300 milhões em agosto, a Delta Airlines, como garantidora da dívida, irá honrar esse compromisso, recebendo em troca a totalidade das ações que Gol detém da Smiles.
Ou seja, a Delta estaria pagando US$ 4,57 por ação à Gol (US$ 300 milhões divididos por 65,6 milhões de papéis). Com o atual patamar do dólar, de R$ 5,30, a americana estaria pagando à companhia aérea brasileira R$ 24,22 por cada papel da Smiles.
Com um detalhe: como a Smiles é uma empresa do novo mercado e seria uma operação de troca de controle acionário, os acionistas minoritários têm direito a 100% de tag along. Isso significa que, caso o cenário de calote da Gol se concretize e, consequentemente, seja acionada a execução da garantia feita pela Delta Airlines, os minoritários teriam o direito de venderem suas ações para Delta por US$ 4,57 (R$ 24,22) — um valor 113% maior do que o último fechamento.
“Para o investidor, as ações da Smiles são uma ótima opção porque ela está muito abaixo do que deveria valer e deve se beneficiar de qualquer um dos cenários: tanto o mais otimista, com a recuperação da Gol pós-coronavírus, quanto o mais pessimista, com a troca de controle para a Delta, que hoje vale cerca de US$ 15 bilhões, é muito maior e tem uma malha operacional muito mais expressiva do que a Gol”, avaliou Timerman.
Para ele, a Gol colaborou para que as ações da Smiles ficassem subavaliadas, o que baratearia o processo de incorporação que ela tentou, sem sucesso, negociar. “Qual seria o objetivo da Gol de anunciar que não iria renovar o contrato com a Smiles 10 anos antes do fim do contrato? Nenhum planejamento com horizonte tão distante é possível ser feito, especialmente em um setor tão sensível como o aéreo, a exemplo do que estamos vivendo hoje”, disse.
O InfoMoney entrou em contato com a Gol para saber se ela gostaria de responder ao questionamento e informar aos seus acionistas sobre como e se pretende pagar a dívida de US$ 300 milhões até agosto. A companhia disse que não ia comentar o caso. A Smiles também não quis falar sobre o assunto. Já a Delta Airlines, que também foi procurada, não respondeu ao contato do InfoMoney até a publicação da reportagem.
Preço-alvo e dividendos
Na avaliação do analista Victor Mizusaki, do Bradesco BBI, o preço-alvo das ações da Smiles para este ano é de R$ 20 — mesmo nível estabelecido pela Samba. O valor foi cortado dos R$ 32 anunciados anteriormente. Um dos motivos, segundo ele, são os dividendos.
“Em sua demonstração financeira do quarto trimestre de 2019, a Smiles sugeriu uma distribuição potencial de dividendos de R$ 350 milhões a ser votada em sua próxima assembléia geral, prevista para abril de 2020. Se aprovado, o rendimento dos dividendos deve ser de 16%. No entanto, a nosso ver, esse dividendo pode agora estar em risco”, disse.
“A rápida deterioração do setor de viagens e turismo devido ao surto de Covid-19 pode exigir uma abordagem mais conservadora da administração de caixa. Além disso, entre a distribuição de dividendos e o fortalecimento da posição de caixa da companhia aérea controladora, a Gol pode preferir fazê-la, o que resultará em vendas avançadas de passagens aéreas para a Smiles. Se assumirmos um pagamento mínimo de 25% do lucro líquido, o dividend yield cairá para 8%”, completou.
O analista citou que, em 2015, a Gol iniciou um enorme programa de reestruturação de dívida que envolveu credores e empresas de leasing de aeronaves. Foi quando ela fez o empréstimo de US$ 300 milhões, com a garantia da Delta Airlines.
“Apesar dessa delicada situação financeira, a Smiles manteve a taxa de pagamento de mais de 90%, resultando em um dividend yield médio de cerca de 6,5% em 2015. Em nossa opinião, esse período é diferente devido à pandemia do Covid-19. Em 2015, os membros do Smiles ainda estavam viajando e a empresa também poderia estimular a transferência de milhas dos bancos para o programa de passageiro frequente”, disse.
“No entanto, na atual crise, agora vemos uma demanda deprimida devido a bloqueios no Brasil, alguns países da Europa, América do Norte e América do Sul fechando suas fronteiras, preocupações crescentes com a infecção por Covid-19 e, no ano anterior, o real se desvalorizou em 26% em relação ao dólar, o que diminui o acúmulo de milhas em cartões de crédito e o interesse em voar para destinos internacionais”, concluiu.
Vale lembrar que o governo tem tomado medidas para tentar ajudar as companhias aéreas brasileiras a evitar a falência durante a crise do coronavírus. Uma delas é uma linha de crédito do BNDES de R$ 10 bilhões para as três principais empresas no país: Gol, Azul e Latam. Resta saber se o dinheiro será utilizado pela Gol para pagar sua dívida de US$ 300 milhões. A empresa não quis informar.
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