Pantufa com cristais e “vestido do cochilo”: em tempos de quarentena, grifes apostam no “conforto com estilo”

Pantufa com cristais e “vestido do cochilo”: em tempos de quarentena, grifes apostam no “conforto com estilo”

agosto 9, 2020 Off Por JJ

NOVA YORK – Das muitas novas sensações que vieram junto com a pandemia, a estranheza de calçar um sapato ou colocar uma calça jeans depois de algumas semanas (ou meses) deve estar entre as mais intrigantes.

Afinal de contas, estamos tão acostumados a vestir essas duas peças que elas mais parecem extensões do nosso corpo.

Mas tanto tempo usando moletom e chinelo – com exceção da hora de se arrumar da cintura para cima para participar de videoconferências, claro – deixa sequelas.

Aquela calça de tecido duro, que limita os movimentos, parece um despropósito. Enfiar os pés num par de sapatos, então, nem se fala.

O problema é que quem já estava acostumado a trabalhar em casa sabe que pijama não é exatamente o melhor dress code para o home office.

Afinal, é importante ter um ritual básico de “ir para o trabalho” e manter ao menos uma separação mental do que é escritório e o que é casa – mesmo que o espaço físico seja o mesmo.

Os estilistas – que também ficaram confinados – prestaram atenção nisso. Várias marcas estão lançando roupas pensadas para quem nunca passou tanto tempo sem botar os pés na rua e quer manter um mínimo de dignidade enquanto atravessa por esse período difícil.

A Colcci, marca que pertence ao grupo catarinense AMC Têxtil, lançou duas coleções “cápsula”, ou seja, independentes das sazonais.

A primeira delas, chamada Colcci Comfort Edition, foi anunciada em meados de junho. A segunda, a Athleisure Edition, veio um mês depois.

Blusa da linha Confort Home, da Colcci: a coleção se esgotou em poucos dias (Divulgação)

Segundo Daniel Mafra, diretor de marketing da marca, a empresa tinha de ouvir o mercado. “A gente fazia jeans e roupas de balada. Quem iria comprar? Para usar onde?”

Mafra afirma que a ideia de ambas as coleções é trazer “o universo do conforto” para dentro de casa, mantendo o estilo.

Segundo ele, as peças “não têm cara de pijama”, e talvez a prova disso seja o sucesso das vendas: a primeira coleção cápsula esgotou.

Os números da C&A também mostram que, agora, o conforto é a característica mais importante das roupas procuradas pelos clientes.

“Em março, identificamos um aumento em torno de 1.000% na busca por produtos que trazem uma proposta de conforto aliada ao estilo, em comparação a igual período de 2019”, diz Mariana Moraes, gerente-sênior de marketing da empresa.

“Mesmo em casa as pessoas querem expressar seu estilo e individualidade por meio da moda”, diz Moraes.

Com o aumento do uso das redes sociais durante a pandemia, a empresa também aposta nessa forma de divulgação dos novos looks.

Serviços como Facebook e Instagram estão entre os principais impulsionadores e inspirações dos desejos das consumidoras, segundo a executiva.

Nos Estados Unidos, um dos hits da pandemia tem sido uma peça feminina batizada de “nap dress” (literalmente vestido do cochilo), criado pela Hill House Home.

Trata-se de uma mistura de vestido com bata, uma peça longa e folgada que surgiu na Inglaterra vitoriana como reação aos modelos justos e com cinturas minúsculas que predominavam até então.

No começo do século passado, esse “vestido doméstico” era o estilo básico da dona-de-casa que tinha de cuidar das tarefas da casa sem perder a elegância.

No planeta tomado pelo coronavírus, o modelo ainda serve para isso – mas também para fazer o trabalho do escritório sem sair de casa.

A pantufa com cristais da Arezzo: “Toque de glamour” ao look doméstico, segundo a empresa (Divulgação)

Lucro da Crocs cresce 44%

A Arezzo lançou uma linha de sete pantufas, batizada de Arezzo Home. São chinelos com palmilhas anatômicas e espumas.

Um deles tem aplicação de cristais no cabedal, para dar um “toque de glamour” aos looks domésticos, de acordo com a descrição no site da empresa.

A procura por um calçado que está no lado oposto do espectro do glamour, as sandálias de borracha Crocs, também cresceu de forma expressiva.

Apesar de o faturamento da empresa ter caído no segundo trimestre, em comparação com o ano passado (por causa do fechamento das lojas), os lucros aumentaram 44%.

Mesmo fazendo mais sucesso pelo conforto do que pela estética, as Crocs já vinham passando por uma espécie de renascimento desde o ano passado, pelo menos entre as pré-adolescentes e adolescentes americanas.

Junto com as alemãs Birkenstocks – também conhecidas pelo conforto – e os tênis Vans quadriculados, virou cool usar Crocs.

Tênis, especialmente de corrida, também registraram aumento nas vendas, segundo o instituto de pesquisa de mercado NPD. As vendas em meados de junho nos Estados Unidos foram 30% maiores que as do mesmo período de 2019.

Com as academias fechadas, muita gente teve de repensar a rotina de exercícios. Mas os tênis de corrida também são extremamente confortáveis e cada vez mais são usados como parte de um look estiloso.

A era do conforto

Quem acompanha a moda profissionalmente não ficou exatamente surpreso com o sucesso desse novo tipo de homewear estiloso.

“Essa tendência de uma moda mais casual não começou ontem”, diz o consultor de estilo Sylvain Justum, de São Paulo.

“Na década passada houve o movimento do normcore. Depois veio o hype do moletom cinza e da calça jeans baggy. Até os pijamas já foram para a rua em forma de conjuntos acetinados. O ‘homewear’ como ‘outerwear’ é uma realidade.”

Justum acredita que essa estética vai emplacar mesmo depois da chegada da vacina e da volta aos escritórios.

Francesca Muston, vice-presidente de conteúdo de moda da WGSN, uma das mais famosas agências que fazem previsões sobre tendências, concorda.

Conveniências da vida moderna como streaming, delivery de praticamente qualquer restaurante e exercícios em casa já apontavam para mais tempo no conforto do lar. A pandemia levou tudo ao extremo.

Numa entrevista ao jornal The Guardian, Muston disse que “não haverá normal de novo” e que “tudo será fundamentalmente diferente”.

“O conforto chegou e vai ser difícil desapegar dele”, afirma Mafra, da Colcci. “Acho que essas ideias vão circular na moda por uma década”

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