Um novo plano diretor estratégico para São Paulo
junho 25, 2020*Renan Augusto Falcão Vaz
Se a COVID-19 permitir, teremos eleições municipais em 2020. Segundo o Plano Diretor de São Paulo “O Executivo deverá encaminhar à Câmara Municipal proposta de revisão deste Plano Diretor, a ser elaborada de forma participativa, em 2021”.
Portanto, o prefeito eleito poderá realizar mudanças na legislação que determina o adensamento, a verticalização, a arrecadação de outorga onerosa (valor pago para aumentar o potencial construtivo de novas construções), a criação de novos eixos comerciais, entre outros parâmetros essenciais para o futuro de uma cidade do porte de São Paulo. Esses parâmetros são essenciais para o crescimento (ou não) de uma cidade e o impacto disso sobre a mobilidade urbana.
As cidades surgiram para facilitar a realização de trocas e para diminuir as distâncias de deslocamento. De acordo com um estudo de Oxford University e da University of Hong Kong (UHK), pessoas que vivem nas partes mais densas das cidades são mais felizes, socialmente ativas e menos obesas.
Um maior adensamento somado a uma combinação de zonas residenciais, comerciais e de serviços também resultará em menor necessidade de deslocamentos, o que gera menos trânsito e aumenta a produtividade de todos. Também deverá haver mais segurança nos espaços públicos, uma vez que haverá pessoas nas ruas em todos horários.
Além disso, em uma cidade mais adensada, as malhas de transporte público, de saneamento e de distribuição de energia seria menos exigida, evitando o atendimento de áreas periféricas, além da redução dos níveis de poluição com a redução do trânsito. Segundo o artigo da economista Vanessa Nadalin, “espraiamento urbano e periferização da pobreza na região metropolitana de São Paulo: evidências empíricas”, o esvaziamento de regiões centrais deixa subutilizadas áreas historicamente consolidadas, mais bem-dotadas de infraestrutura e equipamentos culturais, universidades, parques, bibliotecas ou hospitais.
Os custos de se levar infraestrutura as regiões periféricas mais distantes, portanto, têm implicações que vão além da distância até as oportunidades de emprego. Além disso, se a cidade cresce mais do que deveria, esses custos são inflacionados e sofrem uma distorção na precificação, pois somente uma parte da população usufrui dos benefícios enquanto toda a população paga por boa parte que é fornecida pelo poder público.”
Ou seja, como governar é priorizar, e o cobertor da cidade de São Paulo é curto, quanto maior o adensamento em regiões centrais, com boas amenidades e com mais infraestrutura, maior seria o acesso à água, esgoto, coleta de lixo, energia, gás, telefonia, ruas asfaltadas, policiamento e outros serviços públicos pela maior parcela da população.
A população de São Paulo teve um crescimento acelerado e desordenado, principalmente entre as décadas de 1920 e 1960, quando viu sua população dobrar a cada década. Para tentar organizar esse crescimento, a prefeitura de São Paulo, nas gestões de 1971, 1988, 2002 e 2014, criou leis de zoneamento e quatro Planos Diretores que impuseram uma série de restrições, entre elas, a redução do adensamento permitido. Antigamente, era comum que os prédios ocupassem a totalidade do terreno, sem recuos, atingindo mais de vinte andares.
O ano de 1957 marcou o início de uma série de restrições que até hoje dificulta o adensamento da cidade. Segundo Raul Juste Lores, em seu livro São Paulo nas Alturas, “O centro perdeu apelo para novas incorporações imobiliárias a partir de 1957, quando a legislação limitou a quantidade de metros quadrados que podiam ser construídos em terrenos pela cidade. Como a região já era quase toda verticalizada, os poucos terrenos disponíveis dariam um retorno menor, devido aos novos limites legais. Encalharam.”
Isso fez com que a taxa de crescimento populacional da cidade de São Paulo diminuísse nas décadas de 1970 e 1980, conforme mostra o gráfico abaixo, enquanto as populações das cidades vizinhas cresciam impulsionadas por um número em comparação ainda hoje menor de restrições.
Esse fato gerou e ainda gera dois grandes problemas para São Paulo. Primeiro, a maioria dos moradores das cidades vizinhas trabalha em São Paulo e precisa encarar longas horas no trânsito, seja com veículo próprio ou pelo uso de diversos modais, para conseguir chegar no trabalho.
Segundo, a cidade de São Paulo deixa de arrecadar um valor importante de outorga onerosa na aprovação de novos projetos, sem falar de IPTU e ITBI dos moradores que acabaram indo para outras cidades. Muitos gostariam de morar em São Paulo, mas, devido ao alto custo para construir novas moradias, gerado pelas restrições do zoneamento, são forçados a morar em outro lugar.
Dessa forma, o foco principal de uma revisão do Plano Diretor de São Paulo deve ser permitir maior adensamento da cidade. São Paulo teve Planos Diretores que privilegiaram moradores dos bairros mais nobres como, por exemplo, Jardim Europa, Alto de Pinheiros e Pacaembu, bairros de baixo adensamento construtivo e populacional.
É notável entre moradores desses bairros reclamações frequentes do trânsito da cidade e da falta de segurança, embora morem em uma das regiões mais centrais e mais seguras da cidade. Mas se, como solução, for proposto um maior adensamento nos bairros onde moram, facilitando a mudança de moradores de cidades vizinhas para São Paulo, diminuindo assim o deslocamento geral e aumentando a segurança dos espaços públicos, a reação esperada destes moradores será o chamado “NIMBY”, ou Not In My Back Yard, “não no meu quintal”.
Para muitos o desenvolvimento deve ocorrer, mas não nestes bairros e sim em áreas periféricas, muitas vezes longe dos olhos do planejamento. A reação é vista em bairros como Vila Madalena, por exemplo, onde os moradores se opõem à verticalização do bairro, alegando que novos prédios atrapalhariam sua vista, ou no Planalto Paulista, onde o Iguatemi tem dificuldades para abrir um novo shopping porque a associação de moradores alega que o empreendimento traria transtornos para a paz do local.
É importante ressaltar que, apesar de haver muitos prédios na cidade, ainda há relativa baixa densidade demográfica em áreas centrais e muitos terrenos com casas ou pequenas edificações. São Paulo é uma cidade muito espalhada no território, onde o adensamento permitido desde o primeiro Plano Diretor só diminuiu. Hoje os locais mais adensados de São Paulo são as favelas, mas sofrem com um adensamento fora do ambiente da construção formal, se aglomerando inadequadamente em áreas próximas aos centros de emprego.
Em contrapartida, a outorga onerosa exigida pela Prefeitura só aumentou nas sucessivas revisões dos planos, encarecendo cada vez mais a possibilidade do adensamento. Antes de 2002, em muitas regiões era possível construir três ou vezes a área do terreno sem a exigência de pagamento de outorga onerosa. Após 2002, o coeficiente básico, que não exige a necessidade de pagamento de outorga, caiu para 2 vezes em algumas regiões. Após 2014, para se construir mais de 1 vez a área do terreno tornou-se obrigatório o pagamento de outorga onerosa.
Além disso, órgãos de tombamento como o COMPRESP e DPH restringem a verticalização em diversas regiões ou tombaram imóveis ou bairros inteiros, restringindo praticamente qualquer transformação.
De acordo com Edward Glaeser, economista de Harvard, em seu livro O triunfo da cidade, “O bom ambientalismo coloca as construções em lugares onde elas provoquem o menor prejuízo ecológico. Isso significa que devemos ser mais tolerantes em relação à demolição de edifícios baixos para a construção de outros mais elevados, e mais intolerantes com os ativistas que se opõem ao crescimento urbano redutor das emissões; (…) existe grande valor em proteger as partes mais bonitas de nosso passado urbano, mas as cidades não devem ser embalsamadas. O excesso de preservação impede que as cidades propiciem construções mais novas, mais altas e melhores para seus habitantes”.
O último Plano Diretor tentou adensar regiões próximas aos eixos de transporte público já existentes ou em obras. No entanto, tal adensamento ainda é baixo, permitindo construir um máximo de apenas quatro vezes a área do terreno, e restrito a menos de 5% da área da cidade, criando uma competição voraz por essas novas áreas de maior adensamento, como estamos vendo com a transformação da Avenida Rebouças.
Além disso, a maioria das Zonas Exclusivamente Residenciais de baixa densidade, muitas delas criadas pela Companhia City nas décadas de 20 a 60 continuam intactas e com verticalização muito restrita, como por exemplo, Jardim Europa, Pacaembu, Alto de Pinheiros, Planalto Paulista, Chácara Flora, entre outros.
Muitas pessoas gostariam de morar nessas regiões devido à ótima localização, proximidade à grandes avenidas, ruas largas e arborizadas. Mas hoje encontramos nesses bairros, por exemplo, casas unifamiliares em terrenos de 4.000m² nos quais caberiam prédios com mais de 500 apartamentos de 50m², caso o adensamento máximo passasse a ser de seis vezes a área do terreno.
O Plano Diretor atual também restringe a tipologia de produto nos eixos criados. Produtos com metragens superiores a 80m² ou com mais de 1 vaga são desestimulados nesses locais. Ainda, na maior parte da cidade a altura máxima permitida é de 8 andares, mesmo que algum vizinho já possua prédios mais altos.
Esse excesso de restrição faz com que os incorporadores tenham muita dificuldade em comprar terrenos e criar novas tipologias de produtos, muito menos atender à demanda por espaço em áreas centrais. Quando conseguem, o custo elevado de terreno somado à outorga onerosa faz com que eles tenham que vender produtos por preços mais altos. No final das contas, o cidadão mais uma vez é quem paga essa conta, causada por um mal planejamento de uma equipe bem-intencionada.
Outro ponto importante a ser considerado em uma revisão do Plano Diretor é a criação de novas áreas comerciais, residenciais e turísticas na cidade. Exemplos de sucesso de parcerias público-privadas em grandes cidades no exterior não faltam. Um caso de parceria bem-sucedida foi Canary Wharf em Londres.
A antiga região portuária, que foi abandonada na década de 1980, começou a ser desenvolvida em 1988 e hoje concentra grandes companhias em Londres como Barclays, HSBC e Citigroup. Hoje, quase 500.000 pessoas passam pela região por semana.
Da mesma forma, a região do Hudson Yards no final da High Line em Nova York era até poucos anos apenas um terminal ferroviário. Hoje concentra um shopping de luxo, o The Vessel e torres comerciais e residenciais com mais de 70 andares e índices de aproveitamento de 12 vezes a área do terreno (enquanto o máximo em São Paulo atualmente é de 6 vezes).
Segundo Sabrina Harris, em sua dissertação de mestrado Estrutura Espacial Urbana e Mobilidade: o Caso da Região Metropolitana de São Paulo, “Para o futuro, o novo plano diretor tem o mérito de caminhar na direção do desenvolvimento urbano orientado pelo transporte sustentável, porém os níveis de densidade máxima permitidos ainda são parecidos com o do plano anterior e a largura dos eixos de adensamento é restrita. Acreditamos ser vantajoso um aumento do adensamento em áreas próximas dos empregos; geração de polos de adensamento em áreas próximas dos empregos; geração de polos de adensamento em áreas mais afastadas dos empregos, mas próximas das infraestruturas de transporte coletivo de alta velocidade, e desencorajamento do adensamento em áreas com baixa acessibilidade.”
Mais segurança, menos tempo de deslocamento e mais oferta de imóveis de baixo custo. Para se alcançar isso é importante mais adensamento, menor custo de outorga onerosa e maior utilização de transporte público. Deve ser um plano diretor com menos privilégios para associações de bairros de elite.
O plano tem que viabilizar que as pessoas que trabalham em São Paulo morem em São Paulo, e não nas cidades vizinhas, aumentando suas áreas residenciais e comerciais. O Plano Diretor de São Paulo tem que ser feito para o cidadão que vive em São Paulo possa morar com mais qualidade.
*Renan Augusto Falcão Vaz é engenheiro civil e mestre em inovação na construção civil formado na Poli-USP. Head de Aquisições da Tishman Speyer no Brasil, Professor da Pós-graduação de negócios imobiliários da FIA e da FGV e Membro Honorário do IFL-SP.