Apesar de falha, primeiro paciente com chip cerebral da Neuralink se diz otimista
maio 28, 2024Há apenas quatro meses, Noland Arbaugh passou por uma cirurgia para a remoção de um círculo ósseo de seu crânio e a implantação de finos tentáculos de sensores em seu cérebro. Um computador do tamanho de uma pequena pilha de moedas foi implantado em cima, e a perfuração foi fechada.
Paralisado do pescoço para baixo, Arbaugh foi o primeiro paciente a participar do ensaio clínico humano para testar o dispositivo Neuralink, de Elon Musk, e o progresso inicial que fez foi recebido com entusiasmo.
Em parceria com engenheiros, Arbaugh, 30, treinou programas de computador para traduzir os sinais dos neurônios de seu cérebro em movimentos de cursor para cima, para baixo e circulares. Seu controle sobre o cursor era tão preciso que ele conseguia desafiar seu padrasto em Mario Kart e jogar um videogame de construção de impérios até tarde da noite.
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Mas, com o passar das semanas, cerca de 85% dos fios do dispositivo desconectaram de seu cérebro.
A equipe da Neuralink teve que reajustar o sistema para que Arbaugh pudesse recuperar seu controle sobre o cursor. Embora ele teve que aprender um novo método para clicar em algo, ainda consegue mover o cursor pela tela.
A Neuralink foi contra fazer uma nova cirurgia para substituir os fios, e argumentou que a situação havia se estabilizado.
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O revés se tornou público no início deste mês. Apesar de inicialmente difícil e decepcionante lidar com a atividade reduzida, Arbaugh afirmou que valeu a pena para que a Neuralink pudesse fazer avanços em um campo técnico-médico cujo objetivo é ajudar as pessoas a recuperar a fala, a visão ou o movimento.
“Eu só quero trazer todos comigo nesta jornada”, disse. “Quero mostrar a todos o quão incrível isto é. Tem sido muito gratificante. Estou muito animado para continuar.”
Arbaugh é de uma pequena cidade deserta no Arizona e se tornou um entusiasmado porta-voz da Neuralink, uma das cinco empresas que alavancam décadas de pesquisa acadêmica para desenvolver um dispositivo capaz de restaurar funções em pessoas portadoras de deficiências ou doenças degenerativas.
Embora os argumentos de Musk se concentrem em ambições de ficção científica, como telepatia para consumidores de alta tecnologia, a experiência de Arbaugh demonstra o potencial do progresso que pode ser feito em um campo médico onde as autoridades federais permitem investigações de alto risco.
A Neuralink anunciou esta semana que recebeu autorização da Food and Drug Administration (FDA) para continuar testando implantes em novos pacientes. A empresa não forneceu muitos detalhes sobre a falha inesperada e não atendeu aos pedidos de comentários.
Arbaugh perdeu seus movimentos depois de um acidente de natação que sofreu no nordeste da Pensilvânia, onde trabalhou, depois de se formar da faculdade, como orientador de acampamento. Ao mergulhar na parte rasa de um lago com um grupo de amigos, ele atingiu o fundo.
“Eu estava de cabeça para baixo dentro da água, e pensei, bem, não consigo me mover. O que faço? Acho que nada!”, lembra Arbaugh. “Então engoli um monte de água e desmaiei.”
Arbaugh ficou paralisado da quarta vértebra do pescoço para baixo.
Ano passado, um amigo, Greg Bain, conversou com ele sobre a Neuralink e sugeriu que ele se candidatasse para participar do primeiro teste da empresa em seres humanos.
Arbaugh afirmou que não admirava Musk, mas reconhecia que ele impulsionou o progresso e que “tudo o que ele toca se transforma em ouro”.
Depois do implante realizado no final de janeiro, ele começou a dedicar longas horas de trabalho junto com os integrantes da equipe da Neuralink para vincular os padrões neuronais captados em seu cérebro às ações que ele desejava realizar. Ele achava o trabalho entediante e repetitivo, mas gratificante.
Após a conclusão do treinamento, os engenheiros deram a ele o controle do cursor em um computador. “Eu ficava pensando que uma vez que eles tirassem as restrições de mim, eu iria voar”, lembrou Arbaugh.
Em seu primeiro dia de voo solo, Arbaugh bateu o recorde mundial, estabelecido em 2017, em termos de velocidade e precisão no controle do cursor. “Foi muito, muito legal”, comentou Arbaugh.
Os longos dias de treino de modelos de computador com a equipe da Neuralink ao seu lado diminuíram, passando a trabalho remoto em blocos de quatro horas, lembrou Arbaugh. A equipe continua trabalhando em tarefas como ortografia, já que ele planeja criar letras com linguagem gestual ou escrever em um quadro-negro.
No entanto, o dispositivo da Neuralink continuou perdendo sua conexão, com os tentáculos gradualmente se desconectando do tecido cerebral e presumivelmente se deslocando para o fluido que o rodeia.
Quando apenas cerca de 15% dos fios ainda permaneciam em seus lugares, Arbaugh perdeu o comando do cursor por completo. Os engenheiros recalibraram os programas de computador para executar a maioria das tarefas que ele tinha sido capaz de realizar antes. Como já não consegue mais fazer o sistema clicar o mouse, ele está usando uma nova ferramenta que lhe permite realizar essa ação ao passar o cursor sobre o item que quer selecionar.
O implante defeituoso reforça as preocupações de alguns especialistas no campo da interface cérebro-computador.
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O dispositivo pequeno e redondo que é implantado no crânio deve manter os finos elos dos eletrodos em seu lugar. Mas, da mesma forma como um dedo inserido em uma torta que oscila de um lado para outro, os fios podem ser puxados para fora de sua posição.
Segundo Arbaugh, seu cérebro se movimentou mais do que os engenheiros esperavam, assim, eles revisaram o plano cirúrgico para que os fios sejam implantados mais profundamente no cérebro do próximo paciente.
A Neuralink está analisando candidaturas de outros interessados em participar dos ensaios. De acordo com a empresa, ela cobre diversas despesas, como viagens.
Este primeiro experimento da Neuralink também destaca o nível de complexidade da mecânica da conexão entre o cérebro e um dispositivo.
Para Cristin Welle, neurofisiologista da Universidade do Colorado, que liderou o programa de interfaces neurais da FDA, órgão responsável pela aprovação de dispositivos médicos como os implantes, o primeiro caso da Neuralink indica que a empresa ainda enfrenta obstáculos no desenvolvimento de um dispositivo durável.
Ela explicou que se os fios fossem implantados mais profundamente ainda poderiam se soltar e deixar as fibras roçando na superfície do cérebro, o que poderia aumentar a quantidade de cicatrizes e causar a perda de sinal na área.
“É difícil saber se isso funcionaria”, ponderou Welle. “É possível que um dispositivo totalmente flexível não seja uma solução a longo prazo.”
Segundo Arbaugh, sua equipe esperava que seu cérebro formasse tecido cicatricial ao redor dos fios inseridos na base do cérebro e acreditava que isso ajudaria a mantê-los no lugar. Ele disse que terá a opção de deixar o estudo depois de um ano, mas espera continuar trabalhando com a empresa por mais tempo. Segundo a Neuralink, o estudo inicial levará cerca de seis anos para ser concluído.
Outras empresas comerciais líderes do setor têm adotado abordagens diferentes.
A Synchron, empresa com sede em Nova Iorque, evitou o tecido delicado do cérebro, passando por um vaso para implantar um pequeno tubo de metal perto do córtex motor do órgão. No entanto, pesquisadores afirmam que o dispositivo não captura tanta atividade neural sutil como outros que penetram o tecido cerebral. Ele regista sinais mais fortes, por assim dizer, como o objetivo de selecionar uma opção a partir de um menu na tela. A empresa tem ensaios humanos em curso.
A Precision Neuroscience, sediada em Nova Iorque, implantou uma tira flexível equipada com sensores na superfície do cérebro de pessoas e está analisando os dados coletados de pacientes nos quais a tira foi instalada temporariamente, afirmou Michael Mager, CEO da empresa.
Pesquisadores estudam dispositivos de interface cérebro-computador há décadas. O padrão era uma grade de 96 pinos, chamada Utah Array, que repousa no topo do cérebro e capta atividade que ocorre até 1,5 milímetro abaixo da superfície. A grade tende a ser conectada por meio de um fio posicionado no crânio a uma pequena caixa montada na cabeça durante ensaios humanos, que estão em andamento. A perfuração no crânio que deixa o fio passar é propenso a infeções. No entanto, a Blackrock Neurotech, sediada na cidade de Salt Lake City, está trabalhando em uma atualização totalmente implantável.
A Paradromics, que também utiliza um dispositivo com uma rede baseada no Utah Array, está testando seu dispositivo implantável em ovelhas e espera testá-lo em humanos em cerca de um ano, de acordo com Matt Angle, o CEO da empresa.
Todo o trabalho é rigorosamente regulado pela FDA, que pesa os riscos e os benefícios dos procedimentos. Espera-se que ela primeiro considere o uso desses dispositivos em pessoas com grandes deficiências ou doenças degenerativas. (A agência não comentou especificamente sobre a Neuralink, mas disse que exige relatórios de rotina sobre eventos esperados e inesperados ocorridos em tais ensaios.)
Além disso, os pesquisadores estão divididos quanto à perspectiva de uso generalizado por pessoas sem deficiência, que podem querer que um implante permita a comunicação sem fala ou o download de um idioma, como Musk vislumbra. Alguns investigadores acreditam que os dispositivos estarão disponíveis para os consumidores em geral em décadas. Outros argumentam que nunca será autorizado para atividades como navegar na web no chuveiro, dado o risco de infeção de cirurgias cerebrais repetidas durante toda a vida.
Arbaugh espera que a tecnologia seja implantada primeiro para restaurar funções naqueles que as perderam.
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“E depois ela pode ser utilizada para permitir que as pessoas melhorem as suas capacidades,” ponderou, “desde que não abdiquemos de nossa humanidade ao longo do caminho”, acrescentou.
NYT: ©.2024 The New York Times Company