Cinema nacional vai dar uma força para UCI contornar efeitos da greve dos roteiristas
fevereiro 2, 2024A saga das redes exibidoras de cinema nos últimos anos daria um filme. Além da já conhecida concorrência dos streamings e o impacto da pandemia no setor, o que se anuncia agora é um ano sem crescimento em função da greve dos roteiristas que tomou Hollywood em 2023. Frente aos desafios, o UCI Cinemas vem otimizando seu processo de definição da programação com inteligência de dados, busca eficiência financeira e conta com uma forcinha das produções nacionais.
“É como se fosse um restaurante. Nós apenas servimos os pratos, mas quem os ‘preparam’ são as produtoras”, diz Carlos Marin, diretor da operação brasileira da rede americana de exibição UCI Cinemas. Com a ressaca do pós-greve, há uma expectativa de que os resultados da empresa neste ano andem de lado, notícia ruim frente à lenta, porém contínua, recuperação pela qual passava o mercado brasileiro de exibição após a pandemia.
A paralisação, puxada pelo sindicato dos roteiristas americanos (WGA, na sigla em inglês), durou quase cinco meses. Com isso, séries e filmes em andamento foram adiados ou suspensos. E o fim da greve, em maio, não resolve tudo. Como os produtos audiovisuais demoram meses ou anos para serem finalizados, ocorre um efeito cascata em toda a cadeia, com menos lançamentos disponíveis para distribuidores e exibidores — em especial blockbusters, responsáveis pela maior parte da arrecadação nas salas de cinema.
Assim, em 2024, exibidores devem encarar uma queda de 5% a 10% nos seus faturamentos a nível global. O UCI não abre números de faturamento, mas vinha acompanhando a tendência do mercado nacional, distante em aproximadamente 30% dos números do pré-pandemia — o público acumulado nos cinemas brasileiro, segundo a agência reguladora do setor, foi de 114 milhões em 2023 contra 173 milhões em 2019 — , e agora deve retomar o crescimento novamente apenas em 2025.
Uma das direções para lidar com a escassez de superproduções americanas nas telas brasileiras é recorrer aos filmes locais. Após anos de paralisação na distribuição de recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) no governo Bolsonaro, o financiamento de produções nacionais foi retomado com o lançamento de novos editais para cineastas. Com bons desempenhos, especialmente regionalmente, esses filmes devem ocupar as salas que seriam dedicadas às grandes estreias internacionais. “Isso vai compensar um pouco o que deixaríamos de arrecadar com blockbusters. Não vamos evoluir em uma linha de recuperação, mas pelo menos ficamos mais ou menos em um patamar similar ao de 2023”, aponta Marin.
Durante as tratativas sobre a aprovação da cota de tela para filmes nacionais, paralisada desde 2021 e retomada em janeiro deste ano, a rede se posicionou favorável ao mecanismo de proteção. “Não somos contra a cota. Precisamos de investimento no filme brasileiro, porque precisamos de diversificar o risco. Mas os produtores não devem usar como uma muleta. Precisamos trabalhar juntos para chegar a um nível de qualidade. Tem que proteger até um determinado ponto, chegar a um equilíbrio”, afirma o executivo do UCI.
O cálculo de sucesso regional é um dos ingredientes na composição de programação do UCI — área fundamental para otimizar o potencial de ocupação das salas. Marin dá o exemplo de “Ó Pai, Ó 2”, continuação do clássico contemporâneo dirigido por Monique Gardenberg e estrelado por Lázaro Ramos ambientado em Salvador. “É um filme que com certeza vai bem em Salvador, mas não em Porto Alegre. Nós levamos isso em consideração para definir a distribuição em salas.”
Com dados históricos dos seus mais de 20 anos de atuação no Brasil, a rede hoje possui um setor de dados que ajuda os programadores a definirem qual filme melhor se adequa a cada sala, equilibrando o potencial da obra e a quantidade de poltronas do espaço. Entra ainda na conta a expertise e o feeling dos executivos da rede e até mesmo dados de investimento das produtoras em marketing para cada um de seus filmes.
Na frente de investimentos em tecnologia, a empresa está buscando reduzir diversos custos operacionais para melhorar a eficiência dos gastos. A climatização, um dos maiores gastos de qualquer cinema, está sendo operada por softwares que otimizam a demanda energética pela regulação de temperatura ambiente de forma inteligente.
Espaço para expansão
Penalizado pela alta taxa básica de juros nos últimos anos — a Selic chegou a bater 13,75% de agosto de 2022 a agosto de 2023, aumentando o custo do crédito para investimentos na ampliação da rede —, as últimas inaugurações de salas do UCI ocorreram em 2022, quando abriram três novas unidades no Brasil.
“Agora estamos em um momento de transição. Sabemos que o resultado do próximo ano [2025] será melhor. Os filmes que atrasaram em função da greve serão lançados”, diz Marín. “Sabemos que todos os setores, em especial o varejo, estão passando por uma fase de ajuste e não seria diferente conosco.”
Os investimentos em novos parques exibidores são sempre oportunísticos, em shoppings que cumpram um determinado perfil. “Nós buscamos por shoppings em cidades médias ou grandes, com mais de 700 mil habitantes, e em um empreendimento acima de 24 mil metros quadrados. Isso é o que paga o nosso nível de investimento”, diz Marín. Dados indicam que a estratégia está funcionando. Segundo o anuário da Agência Nacional do Cinema (Ancine), a rede foi dona de três dos dez complexos que mais atraíram público aos cinemas em 2022 — período do último anuário da agência — ainda que seja apenas a sexta em total de salas em funcionamento.
Por uma dinâmica de mercado, shoppings não costumam abrigar mais de um cinema. Para eles, vale a pena ter uma operação na sua capacidade máxima do que duas sob risco de desempenhos financeiros ruins concorrendo. Em função disso, o UCI acaba dependendo também da abertura de novos empreendimentos dentro do seu perfil para expandir.
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