Bolsonaro ganha fôlego no Congresso, mas não o suficiente para reformas
maio 22, 2020SÃO PAULO – Em meio ao movimento mais enfático do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em direção a lideranças do chamado “centrão” desde o início do mandato, as avaliações de analistas políticos sobre a possibilidade de construção de uma base de sustentação do governo no Congresso Nacional melhoraram.
Para muitos deles, os gestos em direção ao establishment político podem ajudar a reduzir riscos de curto e médio prazos de abreviação de mandato, mas não alteraram as perspectivas para a condução de uma agenda de reformas econômicas após o momento mais agudo da crise provocada pela pandemia do novo coronavírus.
É o que indica a 16° edição do Barômetro do Poder, iniciativa do InfoMoney que compila mensalmente as avaliações das principais consultorias de análise de risco político e analistas independentes sobre alguns dos principais assuntos da política nacional. Acesse a íntegra do levantamento, clicando aqui.
O levantamento, feito entre os dias 18 e 20 de maio, mostra que, dividindo os 513 deputados federais e os 81 senadores em três grandes grupos (alinhados com o governo, de oposição e indefinidos), a média das estimativas dos especialistas aponta para uma base aliada com 162 assentos na Câmara (32%) e 22 no Senado (27%).
Os números correspondem a um salto de 65 deputados e 6 senadores na base teórica atribuída pelos especialistas ao governo, em comparação com o mês passado, quando as marcas da aproximação com o centrão ainda não deixava marcas no Diário Oficial.
É a melhor fotografia para a governabilidade em um ano, quando Bolsonaro queimava pontes com o parlamento em plena lua de mel. Ameaçado por investigações e acuado pela pandemia do novo coronavírus, o presidente se vê obrigado a recorrer ao presidencialismo de coalizão.
Participaram desta edição nove consultorias de risco político: BMJ Consultores, Dharma Political Risk and Strategy, Eurasia Group, MCM Consultores, Medley Global Advisors, Patri Políticas Públicas, Prospectiva Consultoria, Pulso Público, Tendências Consultoria. E quatro analistas independentes: Antonio Lavareda (Ipespe); os professores Carlos Melo (Insper) e Cláudio Couto (EAESP/FGV) e o jornalista e consultor político Thomas Traumann.
O presidente Jair Bolsonaro intensificou, nos últimos dois meses, um movimento de aproximação com lideranças do chamado “centrão” – agrupamento de partidos mais conhecido por uma atuação pragmática no parlamento e que costuma pleitear posições no governo em troca de apoio legislativo.
O grupo, heterogêneo em termos de formação de pensamento de seus membros, é composto por Progressistas (antigo PP), PL (antigo PR), PSD, PTB, Republicanos (antigo PRB) e Solidariedade e reúne cerca de 170 deputados. No Senado, ele também é presente mas conta com menor expressividade.
O flerte do presidente com o bloco contou com uma bateria de reuniões com lideranças partidárias e com a oferta de cargos cobiçados na administração pública. Indicados do “centrão” passaram a comandar a diretoria de ações educacionais do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), a direção do Dnocs (Departamento Nacional de Obras contra Secas) e a secretaria de Mobilidade do Ministério de Desenvolvimento Regional.
Na avaliação dos analistas consultados pelo Barômetro do Poder, o movimento dá sobrevida ao governo, mas não garante sustentação à sua agenda de interesse no parlamento – seja ela a pauta do Palácio do Planalto ou do Ministério da Economia.
“Com o apelo ao centrão, o governo deve obter algum fôlego nas próximas semanas. Porém, com o Congresso paralisado em função da Covid-19, das eleições e do relacionamento ruim entre Executivo e Legislativo, tal fôlego pode significar mais capacidade de proteger-se do que de aprovar matérias importantes”, observa um dos participantes.
“O centrão, porém, não de compõe de partidos confiáveis, mas apenas de adesão de acordo com as conveniências. Assim, se o governo mantiver o seu desgaste – o que é o mais provável, tendo em vista suas ações e o cenário –, a tendência é de que esse apoio do centrão se volatize mais à frente”, complementa. Conforme previamente acordado com os participantes, as respostas e comentários são mantidos sob anonimato.
Apesar do salto de 67% em um mês, a média das estimativas para o tamanho da base do governo na Câmara dos Deputados ainda não seria suficiente para garantir o engavetamento de qualquer um dos 39 pedidos de impeachment já protocolados na casa.
Para isso, ainda faltariam dez votos, embora não signifique que os analistas hoje apostem na queda do presidente.
O Barômetro do Poder mostra que 46% dos analistas políticos consultados veem como baixas as chances de Bolsonaro deixar a presidência antes de 2022, seja por um processo de impeachment, pela aceitação de eventual denúncia por crime comum ou uma renúncia.
Outros 31% atribuem probabilidade alta ou muito alta de isso acontecer. Em uma escala de 1 (muito baixa) a 5 (muito alta), a média das projeções para a abreviação do mandato presidencial seria de 2,92.
“Os três eixos da crise – aumento no número de mortos por covid-19, recessão e turbulências políticas – vão avançar nas próximas semanas. Apenas o troca-troca de cargos por votos não será suficiente para garantir ao governo uma base no Congresso”, pondera um respondente.
Neste momento, contudo, mais do que a probabilidade para uma abreviação do mandato, as estimativas ainda revelam um quadro de debilidade do governo no Legislativo. Um risco a mais, considerando a complexidade das proposições na mesa, o calendário eleitoral e o cenário de terra arrasada que a pandemia deverá produzir.
Para a maioria dos analistas consultados pelo Barômetro (54%), hoje o governo tem uma capacidade moderada de aprovar proposições no Congresso Nacional. Apenas 8% veem boas condições, contra 39% que apontam ambiente desfavorável para a pauta do Executivo no parlamento. Em uma escala de 1 (muito baixa) a 5 (muito alta), a média das projeções para o poder de agenda do governo é de 2,62.
“O exercício de recomposição do diálogo com a Câmara dos Deputados, ao mesmo tempo que resolve dificuldades do governo, cria sobre ele uma maior dependência dos novos aliados, o que pode, no curto e médio prazos, criar uma necessidade de reformulação de agenda por parte do Executivo”, avalia um terceiro participante.
Mesmo com os esforços de aproximação e o reconhecimento por caciques do establishment, a leitura é que a relação entre os Poderes ainda tem muito para evoluir – o que indica as marcas dos atritos do passado e a desconfiança presente.
De acordo com o levantamento, caiu de 84% para 46% entre abril e maio o grupo de analistas que vem como ruim ou péssima a relação entre os Poderes Executivo e Legislativo. Ao mesmo tempo, saltaram de 15% para 54% as avaliações de que a relação é regular. Desde que essa pergunta é feita, há mais de um ano, nenhum analista diz ver um clima favorável entre governo e parlamento.
Desta vez, no entanto, voltaram a aparecer os otimistas com o futuro das relações entre o Palácio do Planalto e Congresso Nacional. Segundo o levantamento, 15% dos consultados esperam um ambiente mais favorável nos próximos seis meses – melhor marca desde abril de 2019, quando o grupo correspondia a 50% dos entrevistados.
Nos últimos dois meses, o grupo de respondentes que esperavam uma piora no clima entre governo e parlamento caiu de 69% para 31%. Os que apostam na estabilidade saltaram de 31% para 54% no período.
Diante de um ambiente melhor mas ainda longe do ideal na relação entre os Poderes, da crise provocada pela pandemia do novo coronavírus, das investigações contra o presidente e seu entorno e da aproximação das eleições municipais, analistas mantêm o pessimismo com o andamento de uma agenda de reformas econômicas.
Na avaliação da maioria dos consultados pelo levantamento (62%), deverá ser baixa a disposição do parlamento em retomar tal pauta passado o momento mais agudo da crise do novo coronavírus. Apenas 8% acreditam que haverá clima favorável nas casas legislativas para essa discussão.
“Ao final da pandemia o governo precisará se reinventar. O que inclui repensar sua agenda inicial. Se a mantiver intacta – em um contexto totalmente diferente – algo estará errado”, observa um dos analistas consultados.
O levantamento mostra que nenhuma das três PECs (Propostas de Emenda à Constituição) da agenda de reformas econômicas pós-previdência, enviada pelo governo federal ao parlamento em novembro do ano passado, são vistas com boas chances de aprovação.
Delas, a proposta vista com maior otimismo é a PEC dos Fundos, que extingue fundos públicos de financiamento infraconstitucionais. Dos analistas consultados, 23% atribuem chances altas ou muito altas de ela passar no Congresso Nacional, contra 46% que veem probabilidade baixa ou muito baixa.
Considerando uma escala de 1 a 5, a média das projeções atribuídas para aprovação desta proposta no parlamento são de 2,69. Já a PEC Emergencial e a PEC do Pacto Federativo ficaram com média de 2,46 e 2,08, respectivamente. Em termos de calendário, a primeira é a vista com mais chances de ser pautada ainda em 2020.
“Bolsonaro começou a operacionalizar, enfim, o presidencialismo de coalizão, trazendo partidos relevantes no Congresso para dentro do governo. É exatamente o jogo que existe no Brasil desde 1946 (excetuando a ditadura militar)”, observa um analista.
“Mas Bolsonaro não adotou o presidencialismo de coalizão em troca de agenda, de reforma ou o que for. Fez isso em troca de reduzir o risco de impeachment. O governo está morto, sem agenda congressual, perdido em guerras paranoicas intermináveis”, critica.