Chineses driblam governo e seguem como investidores “ocultos” de criptomoedas
maio 8, 2023Mesmo quase dois anos após a China proibir as criptomoedas, seus cidadãos continuam comprando e vendendo ativos digitais no país, reforçando as suspeitas de que parte dos 1,4 bilhão de habitantes da China desrespeitam a proibição imposta por Pequim em setembro de 2021, enquanto buscam investimentos alternativas a imóveis e ações.
Todo esse cenário aumenta a dificuldade de analisar as perspectivas para os mercados de ativos digitais, que se recuperaram parcialmente este ano de uma queda em 2022, marcada por falências como a da exchange de criptomoedas FTX.
Há até especulações de que a proibição no continente poderia ser afrouxada — embora não haja indícios de que isso aconteça — depois que Hong Kong adotou uma postura “pró-cripto” para atrair investimentos, uma medida que conquistou o apoio silencioso de Pequim.
A evidência do contínuo apetite chinês por tokens vem de várias fontes, incluindo cidadãos que disseram ter usado plataformas cripto e soluções alternativas para driblar a proibição de Pequim.
Difícil de “eliminar”
“Essencialmente, as proibições não funcionam”, disse Caroline Malcolm, chefe global de políticas públicas da Chainalysis, empresa especializada em rastrear transações de ativos digitais. “A natureza descentralizada das criptomoedas e o fato de que elas podem ser transferidas peer-to-peer (ponto a ponto) e negociadas em exchanges globais tornam difícil para qualquer governo eliminá-las completamente.”
Os pedidos de falência da FTX nos EUA, que entrou em colapso em novembro do ano passado, mostram que os usuários chineses representavam 8% dos clientes da corretora. Os consultores da FTX registraram mais de 9 milhões de contas de clientes no geral, enquanto as cobranças dos credores totalizam pelo menos US$ 11,6 bilhões.
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Jack Ding, sócio da empresa Duan & Duan Law Firm, disse que representa seis credores chineses com um total de US$ 10 milhões de crédito na FTX. Eles fazem parte de um comitê para clientes estrangeiros da exchange, falou.
Teoricamente, a negociação de criptomoedas é proibida para os chineses no país e no exterior, mas é “difícil de aplicar”, disse Ding. Muitas vezes, trata-se de sistemas de compliance nas corretoras e se elas filtrarão os portadores de passaportes chineses, acrescentou.
Pequim reprimiu os ativos digitais devido a preocupações com lavagem de dinheiro, evasão de divisas e impacto ambiental da mineração. Empresas como Binance, OKX e FTX recorreram a investidores abertos ao risco na China, que já foi o maior mercado mundial de trading de Bitcoin (BTC), para impulsionar seus crescimentos.
Desafios de compliance
As plataformas cripto agora tentam bloquear os endereços de internet chineses, mas VPNs (redes privadas virtuais) podem derrotar essas tentativas mascarando os locais.
Entrevistas com cinco investidores chineses apontam para o desafio de compliance. Quatro deles disseram que negociaram na plataforma de ativos digitais da Binance e um quinto falou que também usou a OKX, após a proibição de Pequim. A Binance é a maior exchange de criptomoedas, enquanto a OKX ocupa a segunda posição, segundo dados do agregador CoinGecko.
Os cinco disseram que ficaram um pouco frustrados com as suspensões atuais ou anteriores de suas contas. Quatro disseram que moravam na China e passaram pelos procedimentos de “conheça seu cliente” (verificação de identidade) usando documentos chineses.
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A OKX se recusou a comentar sobre o assunto. Um porta-voz da Binance disse que a empresa não opera na China ou possui qualquer tecnologia no país, incluindo servidores ou dados.
‘Grande Firewall’
“Após a proibição de setembro de 2021, a Binance, incluindo o site e o aplicativo móvel, foi bloqueada por trás do Grande Firewall”, disse o porta-voz da Binance, referindo-se ao sistema que a China usa para separar sua internet do resto do mundo.
Um sexto investidor chinês, David Jin, disse que mora no Vale do Silício e teve US$ 8 milhões em cripto congelados na Binance desde julho a mando da polícia de Chongqing, cidade na China. A polícia estava investigando tokens supostamente vinculados a cassinos online ilegais, acrescentou Jin, negando envolvimento.
Um policial de Chongqing de sobrenome Mu, que está encarregado do caso, não respondeu aos inúmeros pedidos de comentários.
Um porta-voz da Binance falou que a empresa tem uma política de cooperação com pedidos de informações da justiça e com consultas de autoridades relacionadas a investigações, processos, ações de confisco e atividades suspeitas.
“A Binance se reserva o direito de rejeitar pedidos de aplicação da lei que falham no escrutínio legal, não atendem a um propósito legal ou quando a abordagem investigativa é falha”, acrescentou o porta-voz.
Cidadãos “dominicanos”
Em março, a Bloomberg informou que outra grande exchange cripto, a Huobi Global, estava dando aos usuários chineses a opção de solicitar uma “identidade digital” Na República Dominicana, no Caribe. Uma vez a bordo, o perfil do aplicativo os identificava como cidadãos dominicanos, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto, que pediram para não serem identificadas.
A Huobi disse que não opera na China e que os endereços internet chineses são “estritamente proibidos” de acessar a plataforma. Falou ainda que os novos clientes são “de qualquer lugar, menos da China”.
“A Huobi saiu do mercado chinês e proibiu os usuários chineses de se inscrever ou fazer login”, disse a empresa.
O Banco Popular da China, que anunciou a proibição de ativos digitais em setembro de 2021, quando disse que todas as transações relacionadas a criptoativos são ilegais, não respondeu imediatamente ao pedido de comentário sobre os sinais de que os cidadãos chineses continuam negociando ativos virtuais.
Desde a proibição, os reguladores chineses não anunciaram sanções a nenhuma exchange offshore por registrar usuários do país.
Malcolm, da Chainalysis, disse que a proibição foi ineficaz ou de fato pouco aplicada. O valor médio mensal de cripto fluindo para a China caiu quase pela metade em 2022 em relação ao ano anterior, mas ainda permaneceu considerável, em US$ 17 bilhões, estima a empresa.
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Se de alguma forma o setor cripto fosse legalizado na China no futuro, “provavelmente levaria a um aumento na demanda por criptomoedas”, falou Malcolm.
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