Teto de gastos: contexto histórico e como ele pode mudar

Teto de gastos: contexto histórico e como ele pode mudar

janeiro 30, 2023 Off Por JJ

por Marcio Salvato e Reginaldo Nogueira*

Em dezembro de 2016, foi promulgada, pelo Congresso Nacional – e sancionada pelo governo Michel Temer –, a PEC 55/2016, com o objetivo de equilibrar as contas públicas por meio de um rígido mecanismo de controle de despesas. A proposta ficou conhecida como “PEC do Teto dos Gastos”, que limitou o crescimento dos gastos públicos a partir de 2017 ao crescimento da inflação pelos próximos 20 anos.

É importante destacar os motivos que levaram à decisão de imposição de uma regra de teto, a saber, a trajetória de crescimento acelerado da relação entre dívida e Produto Interno Bruto (PIB) a partir do início do segundo governo Dilma – e com previsão para atingir 100% do PIB até 2025, se nada fosse feito. O remédio, por certo, era duro, mas necessário. Após a sua promulgação, a dívida continuou crescendo durante o governo de Temer, mas diminui a taxa de crescimento. O ápice foi atingido já no início do governo Bolsonaro, em agosto de 2019: 77,5% do PIB, fechando aquele mesmo ano em 74,4%.

A conclusão é simples: a regra do teto foi exitosa em cumprir o seu objetivo, mas, por certo, trazia ônus social e político pesado. Para complicar a história, deu-se o início à pandemia em fevereiro de 2020, surgindo a necessidade da aprovação de mecanismos para “furar” a regra durante o período. Então, já em dezembro de 2020, atingiu o máximo da série histórica da dívida pública, com 88,6% do PIB, mas com redução rápida nos dois anos seguintes, apontando para um fechamento abaixo de 77% no ano passado.

Com a vitória no pleito eleitoral, de 2022, do candidato Lula, iniciaremos seu terceiro mandato em janeiro de 2023 com um cenário muito diferente do que ele entregou no fim do segundo governo, quando a dívida era 51,8% do PIB, em dezembro de 2010. As propostas de campanha apontam para uma necessidade de ampliação das políticas assistencialistas, para as quais não havia recursos disponíveis no orçamento aprovado para o ano em curso. Foi necessário um esforço para aprovação da PEC 32/2022, que ficou conhecida como “PEC Fura-Teto”. A proposta inicial eram dois anos de gastos extras de R$ 198 bilhões acima do previsto. Entretanto, após a discussão nas duas casas, Câmara e Senado, foi promulgada uma extensão dos custos em R$ 145 bilhões acima do teto, por um período de um ano.

Alguns podem até pensar que o novo governo perdeu quanto ao que queria, contudo, cabem várias observações. Primeiro, o governo conseguiu ir além do que tinha sido deferido pelo ministro Gilmar Mendes (STF), retirando da regra os programas assistenciais – isso representa R$ 70 bilhões. Além disso, obteve R$ 75 bilhões adicionais para implementar e engrossar outros programas, como o Farmácia Popular, e financiar o reajuste real do salário mínimo.

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Segundo, há dispositivos adicionais que preveem novas despesas que também ficam fora da regra do teto: investimentos adicionais de R$ 23 bilhões, caso haja receita extra; uso de R$ 24 bilhões de PIS/Pasep retido (não resgatado pelos trabalhadores); usufruto de fundos de doações de projetos socioambientais e doações para universidades federais; e utilização de recursos estaduais transferidos à União para obras de infraestrutura e auxílio-gás.

Em terceiro lugar (e mais importante), há dispositivo na PEC promulgada para que o governo entregue para análise do Legislativo, até o fim de agosto, nova regra fiscal em substituição ao teto, que pode ser encaminhada como Projeto de Lei Complementar (PLP), que é mais fácil de ser aprovada do que uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC).

Não é difícil observar que se abre o caminho para a eliminação da regra do teto já em meados de 2023. Ainda não se sabe qual será a nova regra fiscal, mas já há sinais de que será menos rígida que a atual. Na prática, o que acabamos de observar foi a aprovação de uma PEC que define o caminho legislativo para o fim da regra. É certo afirmar que este ano será o último de vigência desse teto, que teve aplicação por apenas sete anos – veja que a própria PEC 55/2016 já previa revisão da regra após dez anos.

E agora? Já temos definida a data do “velório”. Ainda não conhecemos a nova regra fiscal, mas já podemos dizer que a trajetória de redução da dívida pública será descontinuada. Dado o patamar atual da dívida/PIB, é de se esperar que a queda na taxa de juros básica da economia será muito mais lenta que o esperado.

Além disso, o prêmio de juros pago sobre os títulos da dívida pública (indexados pela inflação) devem subir imediatamente, tornando o custo de rolagem dessa dívida mais alto para o governo nos anos seguintes. Em um cenário no qual o crescimento esperado é baixo, haverá movimentos de ampliação dos fundos de investimentos em títulos públicos, reduzindo os recursos disponíveis para financiamentos privados.

Pelo andar da carruagem, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deve voltar com a ampliação de recursos para financiamento público – mas com desvio a grandes empresas. O fim da história: encarecimento das fontes para o pequeno e médio empresário. Voltaremos ao que chamamos de “políticas desenvolvimentistas”, em que o custo do endividamento do governo é desprezado. Este gasto de acerto fica para as gerações futuras. Enquanto isso, vamos sobrevivendo com taxa de juros elevada, inibindo as decisões de investimento privado.

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Relação Dívida/PIB
Final 1º governo Lula dez/06 55,5%
Final 2º governo Lula dez/10 51,8%
Final 1º governo Dilma dez/14 56,3%
Segundo governo Dilma dez/15 65,5%
Impeachment Dilma ago/16 69,3%
1º ano Governo Temer dez/16 69,8%
PEC do Teto dos Gastos em dez/16
2º ano governo Temer dez/17 73,7%
3º ano governo Temer dez/18 75,3%
Máximo pré-pandemia ago/19 77,5%
1º ano governo Bolsonaro dez/19 74,4%
Pandemia (início) fev/20
2º ano governo Bolsonaro dez/20 88,6%
3º ano governo Bolsonaro dez/21 80,3%
4º ano governo Bolsonaro out/22 76,8%

* Marcio Salvato é doutor em Economia e gerente-geral do Ibmec BH; Reginaldo Nogueira é PhD em Economia e diretor-geral do Ibmec SP