Bolsonaro enfrenta dias decisivos para possível denúncia de interferência na PF; entenda o passo a passo
maio 11, 2020SÃO PAULO – O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) enfrenta dias decisivos no inquérito que apura se houve tentativa de interferência sobre a autonomia da Polícia Federal, aberto há duas semanas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
As investigações têm como base em acusações feitas por Sérgio Moro, que deixou o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública em 24 de abril, e estão sob o guarda-chuva do procurador-geral da República Augusto Aras.
A depender do curso das apurações, um processo por crime comum poderá ser aberto contra o presidente. No rol de contravenções observadas pelos investigadores estão corrupção passiva privilegiada e obstrução de Justiça. Da mesma forma, Moro pode responder por prevaricação, denunciação caluniosa e crimes contra a honra.
Sérgio Moro sustenta que Bolsonaro buscou forçar a saída de Maurício Valeixo da direção-geral da Polícia Federal para nomear uma figura politicamente mais próxima – caso de Alexandre Ramagem, que hoje comanda a Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
O ex-juiz da Operação Lava-Jato também acusa o presidente de pressionar para alterar o comando de superintendências, como a do Rio de Janeiro, e tentar obter relatórios de inteligência da corporação.
Testemunhas e provas
De acordo coom o jornal O Estado de S.Paulo, a versão apresentada por Moro foi corroborada pelo próprio Valeixo, aliado do ex-ministro, que depôs nesta segunda-feira (11), em Curitiba (PR).
Conta a publicação que o delegado disse ter ouvido de Bolsonaro que não tinha nada “contra a sua pessoa”, mas que queria um diretor-geral com quem tivesse mais “afinidade”. A exoneração de Valeixo foi o estopim para o pedido de demissão de Moro.
Até quinta-feira (14), serão ouvidos pelos investigadores três ministros: Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Walter Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). Além da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e delegados da corporação.
Os depoimentos mais aguardados envolvem os ministros da ala militar que despacham do Palácio do Planalto, pela proximidade com o presidente e pela ênfase dada pelo ministro Celso de Mello, relator do caso no STF, que no pedido para a inquirição disse que o não comparecimento poderia suscitar “condução coercitiva” ou depoimento “debaixo de vara”, “não importando o grau hierárquico que ostentem”.
O tom acirrou os ânimos entre os Poderes e ampliou a preocupação de aliados do presidente com o andamento das investigações.
Sérgio Moro, em seu depoimento, indicou como prova o vídeo de uma reunião ministerial em que Bolsonaro teria ameaçado sua demissão caso não houvesse substituição na superintendência do Rio de Janeiro e na direção-geral da Polícia Federal. A gravação já está sob a guarda de Celso de Mello, que deve decidir sobre a liberação do material.
Aliados do presidente temem que a revelação do conteúdo amplifique a crise. Segundo relatos, aquela foi uma das reuniões mais tensas do atual governo e foi marcada por duros ataques aos Poderes Judiciário e Legislativo.
Passo a passo
Há uma avaliação de que, diante do potencial de produção de evidências contra Bolsonaro, os próximos dias serão decisivos para o futuro das investigações em curso. Augusto Aras pode decidir apresentar uma denúncia contra o presidente junto ao STF.
Caso as alegações sejam aceitas por 2/3 da Câmara dos Deputados e pelo plenário do Supremo, o mandatário pode ser afastado do cargo para responder ao processo. Se condenado, deixa definitivamente o posto e tem os direitos políticos cassados.
Desde a redemocratização, nunca um presidente teve processo aberto por crime comum. Antecessor de Bolsonaro, Michel Temer (MDB) foi alvo de três denúncias da PGR. Duas delas foram rejeitadas pela Câmara dos Deputados. Uma terceira não foi analisada por falta de tempo hábil.
Eis o passo a passo:
- A PGR solicita abertura de inquérito ao STF. O pedido foi apresentado por Augusto Aras em 24 de abril, data do pedido de demissão do ex-ministro Sérgio Moro e do discurso que indicou a possibilidade de interferência de Bolsonaro sobre a PF.
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Relator do processo, o ministro Celso de Mello, decano da corte, autorizou a abertura do inquérito contra o presidente em 27 de abril. O magistrado entendeu haver conexão dos fatos narrados com o exercício do mandato de Bolsonaro.
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A PGR colhe provas, ouve testemunhas e decide se oferece ou não uma denúncia contra o presidente. Não há prazos claros para essa etapa, exceto os 60 dias dados por Celso de Mello para a conclusão das diligências pela PF (no entanto, é possível que haja prorrogações se necessário).
No primeiro caso envolvendo o ex-presidente Michel Temer (MDB), o ex-procurador Rodrigo Janot levou 39 dias a partir da abertura do inquérito para oferecer uma denúncia. Em outro caso, pelo chamado “inquérito dos portos”, a ex-procuradora Raquel Dodge levou 463 dias para concluir as investigações e apresentar a terceira denúncia contra Temer. Na ocasião, não houve deliberação dos deputados por falta de tempo hábil (a peça foi apresentada em 19 de dezembro de 2018, 13 dias antes de o emedebista deixar o cargo).
Até agora, o ex-ministro Sérgio Moro e o ex-diretor-geral da PF Maurício Valeixo já prestaram depoimento. Nos próximos dias, também serão ouvidos os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Walter Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e delegados.
- Caso Augusto Aras apresente uma denúncia contra Bolsonaro, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, encaminha pedido para apreciação à Câmara dos Deputados. Os parlamentares têm que deliberar sobre a abertura de processo, não havendo possibilidade de o presidente da casa não pautar o pedido – o que em tese pode ocorrer em pedidos de impeachment.
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O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), envia o documento à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da casa. Os advogados de Bolsonaro teriam prazo de dez sessões para apresentar argumentos de defesa.
Uma das dúvidas seria como ficaria o rito no período de medidas restritivas provocadas pela pandemia do novo coronavírus. Em função da doença, o parlamento está trabalhando com sessões remotas e as comissões estão paralisadas, sequer foram constituídas neste ano.
- O presidente da CCJC, hoje o deputado Felipe Francischini (PSL-PR), indicaria um relator para o pedido e o colegiado teria prazo de cinco sessões para votar o parecer, seja ele favorável ou contrário a uma abertura de processo contra o presidente. O prazo pode ser estendido por duas sessões, caso haja pedido de vistas.
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Independentemente do teor do parecer aprovado pelos membros da CCJC, o texto segue para o plenário da Câmara. Para que um processo seja aberto contra Bolsonaro, são necessários os votos de pelo menos 2/3 dos membros da casa – o que corresponde a 342 dos 513 votos totais. Caso contrário, o pedido é arquivado, como ocorreu com Temer.
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Se o pedido for autorizado pelos deputados, o plenário do STF deve decidir se acata ou não o pedido de abertura de processo contra o presidente. Caso a denúncia seja acatada, instaura-se um processo penal e Bolsonaro é afastado do cargo por até 180 dias. Neste caso, o vice-presidente, Hamilton Mourão, assume interinamente.
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O STF cumpre as etapas do processo penal, colhendo provas e ouvindo testemunhas e o réu. O prazo não pode ultrapassar 180 dias.
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Depois, os magistrados julgam se o presidente é culpado ou não. Se o processo não for concluído em 180 dias ou se Bolsonaro for absolvido, ele volta ao cargo. Se condenado, perde definitivamente o posto, tem os direitos políticos suspensos e pode até cumprir pena. Já Hamilton Mourão passaria a ocupar definitivamente a presidência até o fim do mandato.