Segunda onda à vista: a pandemia está corretamente precificada no valor das ações?
maio 11, 2020Em tese, o preço de uma ação reflete a capacidade de geração de fluxo de caixa futuro da empresa ao longo do tempo. Ao negociarem uma ação, os investidores antecipam as perspectivas de lucros futuros da companhia, comprando ou vendendo papéis. Grosso modo, se acreditam que uma empresa tenha boa perspectiva de lucros, compram; caso contrário, vendem.
Durante a crise da Covid-19, assistíamos à bolsa brasileira despencar de 119.527 pontos no dia 23 de janeiro de 2020 para 63.569 pontos em 23 de março. Em boa parte, a queda foi explicada pela menor perspectiva de lucro das empresas diante das retrações de consumo e investimentos causadas pelas medidas de contenção contra o novo coronavírus.
No entanto, a partir do dia 23 de março, vimos o preço das ações subirem. Apesar da alta volatilidade, o Ibovespa saiu da casa dos 63 mil pontos e passou a girar em torno de 80 mil até hoje.
Diante dessa alta, muitos analistas vêm questionando se essa recuperação irá continuar ou apenas é um ilusório Bull Market (falso cenário de alta).
Em tempos de alta volatilidade, é difícil cravar qualquer previsão. No entanto, alguns fatores nos apontam que a tendência é mais de pessimismo do que de melhora dos mercados. Entre esses fatores, podemos elencar a piora fiscal brasileira, o risco político, as incertezas quanto à pandemia e ao tempo de confinamento e a falta de percepção do tamanho do estrago na economia real.
A questão fiscal brasileira já era motivo de preocupação dos mercados mesmo antes da Covid-19. O ambiente era de cautela em relação à situação fiscal, mesmo com a aprovação da reforma da Previdência e respeito ao teto dos gastos públicos. Imagine agora que, por conta das medidas econômicas emergenciais, o déficit fiscal primário poderá chegar a 8% do PIB e a relação entre dívida bruta/PIB em 90% no final de 2020.
Mas não são apenas as medidas emergenciais que irão piorar a questão fiscal no país. O risco político poderá jogar mais gasolina na fogueira, gerando problemas estruturais permanentes nas contas públicas brasileiras.
A fim de manter sua governabilidade, o presidente Jair Bolsonaro tem se aproximado mais do Centrão. O problema é que essa aproximação geralmente significa concessões que invariavelmente se caracterizam em piora fiscal. Prova disso é que, mesmo antes dessa aproximação, parlamentares propuseram, em meio de uma Pandemia, medidas que nada tinham a ver com o combate ao coronavírus, mas com a defesa dos seus interesses eleitorais, oferecendo a grupos específicos benesses estatais pagas pelo contribuinte brasileiro, como por exemplo, aumento de salário dos servidores públicos e do BPC.
Outro ponto de preocupação é o adiamento do isolamento social. Independentemente da eficácia da medida, quanto mais tempo o confinamento demorar, maior será o estrago na economia. A cada dia que as pessoas ficam em casa, aumenta-se a perda dos negócios, do emprego e da renda.
É difícil ainda mensurar com precisão o tamanho do estrago na economia, até porque as medidas de contenção continuam em curso e não sabemos ainda como evoluirá a Covid-19 nas próximas semanas no país.
Por ora, sabemos que o estrago será grande, tanto no Brasil quanto no resto do mundo. À medida que saírem dados macroeconômicos e de resultados das empresas, teremos uma real dimensão do problema.
Por todos esses fatores, acredito que ainda espaço para mais quedas na bolsa (uma segunda onda) e altas do dólar. Apesar de todos os fatos elencados serem públicos, tenho minhas dúvidas quanto à eficiência do mercado em incorporar essas informações no preço das ações. Não é à toa que importantes gestores estão sentados no caixa ou migrando seus investimentos para a bolsa americana. Por aqui, a situação não é nada animadora. Por enquanto, use máscara, lave bem as mãos e mantenha distância das compras de ativos por impulso.
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Alan Ghani é economista, PhD em Finanças e professor de pós-graduação.
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