“País tem de recuperar capacidade fiscal”, diz Sergio Rial

“País tem de recuperar capacidade fiscal”, diz Sergio Rial

abril 29, 2020 Off Por JJ

Diante dos reflexos da pandemia do novo coronavírus e de uma crise política agravada pela saída do ministro Sérgio Moro do governo, o presidente do Santander Brasil, Sergio Rial, vê como o principal risco a possibilidade de o País deixar de lado a agenda de equilíbrio fiscal. Na visão do executivo, a covid-19 ressaltou a importância do papel do Estado, mas mostrou que as crises virão e serão cada vez mais frequentes.

“As nações que vão poder melhor enfrentar as crises são aquelas com maior equilíbrio fiscal. O Brasil tem de recuperar capacidade fiscal para a próxima crise, que não vai levar 50 anos”, afirmou Rial, em entrevista por videoconferência para comentar os resultados do primeiro trimestre.

O Santander conseguiu, pela primeira vez, ultrapassar a marca de R$ 1 trilhão em ativos totais em sua operação brasileira, encostando, agora em tamanho, nos concorrentes privados. O motor veio do crédito a empresas, com o banco desembolsando mais de R$ 70 bilhões para o segmento no período, de acordo com Rial. A crise ainda não deixou marcas nos resultados do Santander Brasil, mas já há sinais de aumento dos calotes nos próximos trimestres.

O lucro líquido do banco cresceu 10,5% no primeiro trimestre ante um ano, para R$ 3,853 bilhões. Com tal desempenho, a participação do Brasil no resultado global do conglomerado espanhol voltou a subir para 29%.

Como o banco está vendo o impacto da crise para os próximos trimestres?

Abril foi um mês desafiador. Já tivemos queda de volume de mais de 35% cartão de débito e crédito, e isso vai ter um impacto importante na receita. No que diz respeito à inadimplência, tomamos a decisão, como todo o sistema, da renovação, reestruturação e prorrogação porque acreditamos que a ausência de fluxo de caixa em três meses não necessariamente tem de levar à inadimplência. O que temos de esperar para responder é o impacto do nível de desemprego. Existiram várias medidas para amenizar isso. A primeira foi o financiamento das folhas de pagamento. Outra é a campanha Não Demita, que ajudamos a liderar.

Quanto o banco já emprestou nesta linha, na qual 85% dos recursos vêm do Tesouro?

Quando o governo e os bancos desenharam essa linha, ninguém sabia o quanto seria tomado em recursos. A demanda fica a mercê da empresa querer ou não. Tivemos um desafio de comunicação de algo que nunca foi feito na história do Brasil e dificuldade da própria infraestrutura dos bancos de sermos claros em explicar como seria o acesso. A sinalização que estamos vendo é que, para este intervalo de empresas com faturamento anual entre R$ 360 mil a R$ 10 milhões, parece ser um dispêndio mais de R$ 7 bilhões a R$ 10 bilhões do que R$ 40 bilhões. Muitas empresas talvez não queiram.

O que isso significa?

Que existem potencialmente R$ 30 bilhões para fazermos coisas diferentes. Podemos alterar o intervalo (de faturamento) e em vez de R$ 10 milhões, levarmos a R$ 30 milhões ou R$ 50 milhões. Podemos pensar juntamente com equipe econômica em um fundo garantidor e que permita uma abrangência maior para empresas. O que é importante é que existe mobilização dos setores privado e público para dar liquidez às pequenas e médias empresas.

Como o senhor vê a demanda por crédito na crise?

Vai se estabilizar. Tivemos um aumento importante. Existiam dúvidas de represamento. Os números mostram que não: R$ 70 bilhões a mais para empresas no nosso caso. Existe liquidez e há desenhos que estão sendo construídos pela equipe econômica e o setor privado para diversos setores. Não tem nada mandatório. Algumas empresas, por exemplo, preferem não aderir ao financiamento da folha de pagamentos porque querem ter a flexibilidade se quiserem demitir. Estamos instruindo, mostrando que custa mais caro que outras linhas, mas tudo é um aprendizado.

Qual a grande diferença dessa crise para outras?

Várias, mas esta tem uma muito diferente. Nós nunca tivemos Selic a 3,75% e propensão a pagar a prazo. No Brasil, o prazo as crises passadas era de seis meses. Hoje, falamos em uma carência de 6 meses. O Brasil conseguiu chegar a uma maturidade monetária que permite, de maneira correta e com prazo, dar capacidade a empresa e pessoas físicas de pagarem. São elementos novos de uma crise que nunca vivemos no Brasil.

Se não bastasse a crise de saúde, o Brasil viu sua crise política acentuada na última semana. Qual a sua leitura?

Acredito muito na liderança da equipe econômica. Tem sinalização correta no sentido da aderência de uma cultura de equilíbrio fiscal. Acho que o grande risco do Brasil agora é a gente esquecer que não há nada mais importante do que o equilibro fiscal. A covid-19 demonstrou algo que acredito que fique por bastante tempo: nós vamos continuar enfrentando crises que não seremos capazes de prever. Tivemos a crise em 2008 que ninguém necessariamente viu nos Estados Unidos e que se transportou para a Europa, em 2010. Em menos de dez anos, temos uma crise que jamais imaginamos que o planeta iria enfrentar. As nações que vão poder melhor enfrentar as crises são aquelas com maior equilíbrio fiscal. E a gente vê exemplos ao lado do Brasil como Peru e Chile ou o próprio México com uma capacidade fiscal muito maior. O Brasil tem de recuperar capacidade fiscal para a próxima crise, que não vai levar 50 anos.

E quanto ao papel do Estado na crise?

Outra questão importante para aqueles que ficam discutindo se é liberal ou não é a importância do Estado. Em momentos dessa envergadura, espero que tenha ficado claro a importância de termos um Estado porque o mercado sozinho jamais seria capaz. Então, também, dentro desse contexto é a revalorização do Estado, do Ministério da Saúde e do SUS, que é um sistema com um tripé super bem organizado. O Brasil, sem o SUS, estaria numa situação muito mais caótica.

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