Vacina à vista

Vacina à vista

março 10, 2021 Off Por JJ

Frascos com CoronaVac no Butantan (REUTERS/Amanda Perobelli)

O mês de março começa com a crise sanitária brasileira atingindo seu momento mais dramático. A esta altura, está claro a todos que a vacinação universal é condição necessária ao combate efetivo da Covid-19 e, infelizmente, largamos atrasados nessa corrida.

Por questões que fogem do escopo deste artigo, o governo brasileiro optou inicialmente por apostar todas as suas fichas na parceria entre a Universidade de Oxford e a AstraZeneca.

Com o atraso substancial da produção doméstica, que ainda não forneceu uma única ampola sequer, a não assinatura de convênios com a Pfizer e com o Instituto Butantan ainda em 2020 cobra elevada fatura.

Diante do quadro atual, é natural o predomínio de dúvidas e de pessimismo quanto ao futuro. Felizmente, também há boas notícias.

As projeções da XP Asset indicam que o ritmo de produção e vacinação deve se acelerar substancialmente neste mês, mesmo com um cronograma bem menos ambicioso do que o divulgado pelo Ministério da Saúde.

Nosso otimismo decorre do fato de que, ao contrário das vacinas prontas, a importação do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) necessário para a produção nacional já flui normalmente há semanas.

Após os atrasos de janeiro, os prazos vêm sendo rigorosamente cumpridos, e já importamos IFA suficiente para a produção de dezenas de milhões de doses.

O Instituto Butantan já produz 700 mil doses por dia e, até o fim de abril, deve entregar 58 das 100 milhões de doses contratadas pelo governo federal.

A Fiocruz vem enfrentando bem mais dificuldades. Atrasos nas etapas iniciais custarão ao menos 11 milhões de doses a menos em março.

De toda forma, a produção nacional finalmente teve início e deverá ter contribuição relevante a partir de abril.

Ainda na primeira metade do ano, a oferta nacional será reforçada por doses importadas junto ao convênio com a OMS (Covax) e com a AstraZeneca, como uma espécie de compensação ao atraso inicial.

Os números a seguir apresentados já levam em conta os atrasos recentes e não consideram quaisquer vacinas que não sejam as duas atualmente distribuídas pelo SUS – premissa bem conservadora à luz da postura recente bem mais ativa do governo federal.

Consideramos (i) que a imunização ocorre após uma dose da vacina da AstraZeneca ou duas da CoronaVac; (ii) que ambas reduzam casos passíveis de UTI e mortes em 90%, em linha com os estudos disponíveis; e (iii) que 75% dos brasileiros vão buscar tomar a vacina, em linha com dados internacionais e com o que temos observado até o momento no país.

Do exposto acima, as internações em UTI e os óbitos teriam rápido recuo até o fim do primeiro semestre, uma vez que praticamente todos os brasileiros acima de 50 anos (que assim quisessem) seriam vacinados até o fim de maio.

Segundo o DATASUS, esse grupo responde por apenas 25% da população, mas por 78% da utilização dos leitos de UTI e por 89% das mortes por Covid-19.

Nesse caso, a vacinação geraria um alívio substancial nas UTIs e mortes: queda de até 41% em maio, 57% em junho e 63% em julho.

Ainda segundo nosso cronograma, o Brasil deve imunizar seus idosos até maio. Além disso, todos os brasileiros acima de 20 anos estariam vacinados em agosto, reduzindo as mortes em 66% até aquele mês.

Caso confirmado, tal cenário seria compatível com uma retomada importante da economia no segundo semestre, especialmente para os setores mais atingidos pela crise, como é o caso dos serviços prestados às famílias (restaurantes, turismo, serviços pessoais e lazer).

Evidentemente, o exercício aqui possui uma série de simplificações que podem gerar resultados melhores ou piores, como novos atrasos na produção nacional ou a celebração de contratos com outros laboratórios.

Em especial, nossas simulações não consideram o possível impacto da vacinação na redução do contágio ou a crescente parcela de imunização decorrente da própria dinâmica da pandemia – lamentavelmente, algo entre 300 e 400 mil brasileiros são imunizados diariamente ao contraírem o vírus, dados estimados considerando taxa de mortalidade entre 0,5% e 0,7%.

Enfim, por bons e maus motivos, a tão aguardada imunidade de rebanho pode estar mais próxima do que se imagina.