Equipe econômica tem disputa contratada com mundo político na renovação do auxílio emergencial
fevereiro 10, 2021SÃO PAULO – Diante da crescente pressão por uma nova rodada de auxílio emergencial, em resposta ao agravamento da pandemia do novo coronavírus nos primeiros meses do ano, o governo federal modulou o discurso e passou a aceitar a discussão sobre os caminhos possíveis para a viabilização do benefício.
Nas últimas semanas, o ministro Paulo Guedes (Economia) tratou de forma mais aberta a possibilidade de novos pagamentos do benefício, desde que contrapartidas sejam feitas para satisfazer as regras fiscais vigentes – ponto que pode não encontrar convergência no parlamento.
O tema foi discutido nas eleições para o comando Congresso Nacional e a defesa do novo socorro foi incorporada pelos novos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Mas ambos falam em solução excepcional e temporária para retomar o benefício oficialmente encerrado em dezembro e que teve sua última parcela distribuída em janeiro.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que dizia que uma nova extensão do programa era inviável, ontem (8) deu uma sinalização mais clara de que o governo agora discute a possibilidade. “Eu acho que vai ter, vai ter uma prorrogação”, disse em entrevista. Mas chama atenção para as limitações fiscais para o movimento, em um aceno aos agentes econômicos.
“Sabemos que estamos no limite do nosso endividamento e devemos nos preocupar com isso. Temos um cuidado muito grande com o mercado, com os investidores e com os contratos. Nós não podemos quebrar nada disso, caso contrário, não teremos como garantir realmente que o Brasil será diferente lá na frente”, afirmou em cerimônia no Palácio do Planalto.
Programa em construção
O auxílio emergencial foi instituído em abril, como o intuito de atender desempregados, trabalhadores informais e beneficiários de outros programas sociais durante a pandemia de Covid-19. O programa começou com parcelas de desempregados, trabalhadores informais e contemplados por outros programas sociais durante a pandemia.
Inicialmente projetado para durar três meses, a medida foi estendida para o total de cinco parcelas e, em setembro de 2020, sofreu nova prorrogação, com a redução das parcelas para R$ 300 mensais (R$ 600 para as mães chefes de família). Ao todo, mais de 60 milhões de brasileiros foram beneficiados e o impacto fiscal foi de pouco menos de R$ 300 bilhões.
O governo tem discutido uma versão mais enxuta para os próximos meses, em uma tentativa de aceno a agentes econômicos preocupados com a trajetória da dívida pública, que saltou de 74,3% para 89,3% em apenas um ano, no contexto da pandemia.
No Ministério da Economia, a ideia é pagar parcelas de R$ 200 por três meses, com foco nos chamados “invisíveis” ‒ trabalhadores informais que estão em uma espécie de abismo entre o Bolsa Família e o mercado formal de trabalho.
Na última quinta-feira (4), o ministro Paulo Guedes indicou que é possível que um novo pagamento atenda a metade do público original do auxílio ‒ reduzindo os beneficiários de 64 milhões para 32 milhões.
Já os beneficiários do Bolsa Família devem retornar ao programa. Hoje, o grupo soma cerca de 14 milhões de famílias e os repasses mensais giram em torno de R$ 190. O orçamento do programa foi ampliado neste ano, permitindo que 15,2 milhões de famílias sejam contempladas.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, o governo pretende mudar o nome do programa para Bônus de Inclusão Produtiva (BIP). Para receber o benefício, a pessoa terá que participar de um curso de qualificação profissional.
O plano é associá-lo à Carteira Verde e Amarela, que deve ser relançada para reduzir encargos trabalhistas e estimular a formalização, com a possibilidade de modelo mais flexível de trabalho. O custo estimado com as três parcelas do BIP é de R$ 18 bilhões.
Todo o movimento, no entanto, dependeria da criação de um novo marco fiscal para conter outras despesas do governo, conforme defende a equipe econômica. E é no debate sobre o timing do programa e as contrapartidas que as divergências políticas podem se destacar.
“O Congresso pressiona por uma solução à questão do auxílio emergencial, já que parlamentares estão sendo cobrados fortemente nas suas bases”, afirmam os analistas políticos da Arko Advice.
“Qualquer benefício a ser liberado terá, porém, um valor mais modesto e atingirá um contingente menor de pessoas. Além disso, terá de respeitar o teto [de gastos]”, complementam.
Os caminhos possíveis
Na prática, há duas direções principais para viabilizar o novo socorro social em meio à persistente crise sanitária (e uma série de derivações como caminhos possíveis): a compensação total dos custos no presente com redução de despesas e o aumento da já elevada dívida pública.
Pela atual fotografia orçamentária, o governo poderá gastar R$ 1,485 trilhão neste ano, mas apenas R$ 83,9 bilhões em despesas discricionárias ‒ ou seja, as que contam com alguma liberdade de manejo, apesar de tal categoria incluir gastos com manutenção da máquina pública (excluindo pessoal). Isso significa que não há margem de manobra na atual situação.
“Colocar a discussão [do novo auxílio] em número parece contenção de dano. Se o objetivo é falar ‘não’, não se faz uma proposta intermediária. Mas as condicionantes são importantes. Limitar os beneficiários é um primeiro passo para diminuir o impacto fiscal, mas não há recurso no Orçamento deste ano para contingenciar [no montante necessário]”, avalia o economista Victor Scalet, da XP Investimentos.
Membros da equipe econômica acreditam que há ambiente político para a aprovação de compensações suficientes para bancar o novo benefício. O caminho normalmente apontado vem de uma combinação de mecanismos previstos em duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs): a Emergencial (PEC 186/2019) e a do Pacto Federativo (PEC 188/2019).
O ministro Paulo Guedes defende a inclusão de uma “cláusula de calamidade” para regulamentar a liberação de recursos e o acionamento de gatilhos fiscais em um momento de severa crise provocada por causas imprevisíveis.
A discussão das duas proposições trazia uma série de mecanismos, como a desindexação temporária (ou seja, o congelamento na correção de benefícios sociais e aposentadorias pela inflação), e a imposição de gatilhos como o corte proporcional de jornada e de salários de servidores.
Mas com o passar do tempo, os impactos fiscais das medidas em 2021 diminuem, de modo que muitos acreditam que elas já não são suficientes para cobrir as novas despesas em discussão – e como se tratam de PECs, o problema tende a piorar ainda mais, já que a tramitação exige uma série de etapas nas duas casas legislativas.
Neste caso, outras medidas também consideradas indigestas no meio político teriam que ser consideradas para uma compensação já no curto prazo no caixa do governo. Alguns exemplos citados por especialistas seriam:
- Redirecionamento parcial de emendas parlamentares para o pagamento do benefício;
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Redução do teto de gastos para os demais Poderes, que economizaram com o home office em 2020;
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Revogação da prorrogação da desoneração da folha de pagamento a 17 setores da economia, aprovada pelo Congresso Nacional;
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Acordo com Estados para a divisão dos custos do benefício, dado os ganhos de receita em 2020 com as transferências da União e com os efeitos arrecadatórios trazidos pelo próprio auxílio emergencial.
Caso a busca do governo seja por um acordo para compensar a despesa do novo auxílio com medidas de redução de despesa e aumento de receita com impactos apenas a partir de 2022, mais opções aparecem (muitas delas igualmente complexas). Eis alguns exemplos:
- Revogação de benefícios tributários no Imposto de Renda para Pessoa Física;
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Revogação de benefícios fiscais de setores econômicos específicos;
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Privatização ou extinção de empresas estatais de menor porte;
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Redução temporário dos repasses para o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM);
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Prorrogação do congelamento da folha de pagamento do serviço público;
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Redução proporcional de jornada e salários de servidores;
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Congelamento dos reajustes para aposentados e pensionistas de renda mais elevada.
Diante de uma percepção de dificuldades em encontrar convergência política em torno de compensações suficientes para as novas despesas, a expectativa é que o governo passe a adotar uma postura de mitigar danos, evitando que o aumento de gastos com o auxílio culmine em brechas para despesas em outras áreas.
Neste caso, os caminhos variam entre os mais eficazes no atingimento dos objetivos e aqueles que poderão gerar maior preocupação com uma elevação mais expressiva nos gastos públicos.
Para especialistas em contas públicas, a saída mais controlada seria a partir da abertura de um crédito extraordinário. Tecnicamente, o processo seria mais complexo, já que há um entendimento de que a Constituição Federal não prevê waiver para a regra de ouro neste caso.
Tal encaminhamento dependeria da aprovação do PLOA, seguido por um Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) com pedido de crédito orçamentário suplementar que garanta o waiver da Regra de Ouro para as despesas do Orçamento sem fonte (hoje estimadas em R$ 453 bilhões), e da edição de Medidas Provisórias com as regras do novo auxílio e de crédito extraordinário. Na sequência, teria que ser enviado um projeto de lei alterando a meta primária da Lei de Diretrizes Orçamentárias.
O crédito aprovado seria superior ao entendido como necessário, e, na medida em que fossem entrando recursos como transferências do Banco Central, devoluções do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ou da liberação de recursos de fundos infraconstitucionais, seria aberto espaço dentro da regra de ouro, liberando recursos.
Este caminho é entendido como o menos negativo para as contas públicas, já que não liberaria novas despesas de forma descontrolada – embora não evite a piora do resultado fiscal. Por outro lado, há uma avaliação de que pode demorar até que os recursos cheguem na ponta para o pagamento do novo socorro, o que contrariaria a posição de atores relevantes na política.
Uma vertente em análise é a possibilidade de abertura de nova exceção na emenda do teto de gastos, como ocorreu no repasse de verbas de leilão de exploração do pré-sal para Estados e municípios. O caminho seria via PEC (Proposta de Emenda à Constituição), que exige maioria de 3/5 em dois turnos de votação em cada casa legislativa.
Há outras duas opções, ambas com risco de maior impacto fiscal. Uma envolveria a reedição do decreto de calamidade pública para a viabilização do retorno da PEC da Guerra, que afastou as metas de resultado primário e regra de ouro em 2020 (o teto de gastos seguiria em vigor, mas seria possível a execução de um orçamento paralelo vinculado à pandemia).
Técnicos da equipe econômica, porém, argumentam que o movimento demandaria a aprovação de uma nova proposta, já que a anterior foi revogada e não poderia voltar a valer. E o caminho é visto como uma maior possibilidade para a aprovação de gastos adicionais.
A outra possibilidade seria seguir um caminho que foi ensaiado pelo governo durante a primeira onda da pandemia: ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando liminar para não cumprir limites fiscais em nome do direito fundamental à saúde. Tal caminho, porém, é visto com resistência entre especialistas, já que poderia abrir precedentes para outras iniciativas neste sentido no futuro, reduzindo a urgência do debate fiscal no âmbito político.
Disputa contratada
Membros da equipe econômica entendem a pressão política por uma nova edição do auxílio emergencial, mas veem maior preocupação dos parlamentares com a dimensão fiscal do debate. Para eles, houve um arrefecimento no discurso contra o teto de gastos.
Ao mesmo tempo, entendem que, apesar do aumento dos casos registrados e óbitos provocados pela Covid-19 no início do ano, o momento é distinto ao experimentado durante a primeira onda da crise. A avaliação é de que a atividade econômica está mais próxima da normalidade e os protocolos sanitários estabelecidos para os mais diversos setores contribuíram para a adaptação à nova realidade.
No Ministério da Economia, entende-se que há obstáculos para a implementação imediata de uma nova edição de socorro aos mais vulneráveis, posição que é enfaticamente defendida pelos presidentes das duas casas legislativas.
Nos bastidores, essa avaliação de que a implementação do novo benefício levaria tempo (sobretudo se forem exigidas contrapartidas fiscais) é interpretada por muitos como uma forma de esfriar os ânimos. Na prática, a equipe econômica tenta ganhar tempo para, com um melhor momento na campanha de vacinação, haja uma diminuição da necessidade do socorro financeiro e menor pressão sobre as contas públicas.
“Como aprovar corte de despesas substancial em um ambiente conflituoso? Vai ser uma discussão que vai tomar tempo. Conforme isso acontece, o Bolsa Família pode ser pago com esse acréscimo, a vacina fica um pouco mais próxima, há uma retomada da economia”, observa Paulo Gama, analista político da XP Investimentos.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), acenou, na última segunda-feira (8), para a possibilidade de o parlamento abrir uma “excepcionalização temporária” para garantir uma nova rodada do auxílio emergencial de forma mais célere.
“Só temos duas saídas: ou votamos rapidamente o Orçamento ou o governo federal vai procurar alguma forma do Congresso excepcionalizar temporariamente até que nós tenhamos Orçamento para votar um projeto de novo de inclusão mais acessível para a população e que traga as pessoas que estão numa situação muito difícil”, disse.
Já o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse que não é possível condicionar a concessão do benefício a medidas de ajuste fiscal, com o argumento de que a situação é de urgência. Em entrevista à GloboNews, o parlamentar disse que a situação pode mudar nos próximos meses, com a evolução do programa de imunização, mas hoje há necessidade de prorrogação do benefício.
A posição contrasta com a narrativa adotada pela equipe econômica. Na pasta, o discurso é que a pauta fiscal também é urgente e que não se pode abrir mão da busca por fontes de financiamento do novo programa, sob risco de contratar “problemas maiores no futuro”. Além disso, o entendimento é que o benefício não entraria em funcionamento em prazo tão curto.