Modelos de negócios: o que se espera de um clube de futebol?
janeiro 31, 2021Na semana passada, falamos sobre modelos de gestão nos clubes de futebol e qual o papel que os dirigentes políticos deveriam ter na estrutura de um clube.
Nesta semana, daremos sequência ao tema, mas agora falando sobre modelos de negócios.
A ideia inicial era falar sobre a montagem da estrutura operacional, dos papeis e das responsabilidades de cada executivo.
Mas, com a ajuda do Dr. Fernando Cezar, que comentou o artigo no Twitter, vamos tratar primeiro do modelo de negócios. Bons leitores ajudam na hora de movimentarmos as peças.
“Modelo de gestão” e “modelo de negócios” são duas definições diversas.
Tecnicamente, primeiro vem o modelo de negócios, pois ele é a definição (de forma simplista) do que é a empresa, como ela cria, distribui e captura valor. Na prática, como o negócio está estruturado para fazer dinheiro.
A partir disso é que se tem o modelo de gestão, que é a maneira como se transforma o modelo de negócios em resultado. Ou seja, como ele é executado. De certa forma, enquanto o modelo de negócios é a estratégia, o modelo de gestão é a tática.
O objetivo ao começar pelo modelo de gestão era mostrar que nossos clubes de futebol possuem uma estrutura engessada, arcaica e politizada, de forma que é difícil até pensar no modelo de negócios a partir de uma modelo de gestão ultrapassado.
Iniciando pela ideia de que os políticos devem estar fora da execução e serem responsáveis pela estratégia, entramos então nos diversos modelos de negócios de um clube de futebol. Assim, podemos desenhar as melhores formas de organização executiva de um clube.
O DILEMA DO LUCRO
Antes de entrar nos modelos, precisamos debater aquele que é o maior dilema de uma organização esportiva: o lucro.
A ideia mais básica é a de que o futebol não é feito para dar lucro. Na verdade, o lucro do futebol são as conquistas. Por isso, inclusive, a ideia de constituir um clube como associação sem fins lucrativos.
Afinal, gerar lucro significa gastar menos do que seria possível, e gastar menos significa ser menos competitivo. Distribuir o lucro, então, é praticamente um crime, dirão os terraplanistas do esporte (sim, eles existem!).
A questão não é o lucro. A questão é que o lucro como objetivo depende justamente do modelo de negócios. Esse é um dos aspectos que justifica os diversos modelos possíveis no futebol.
MODELOS DE NEGÓCIOS
Podemos dividir o mundo do futebol em dois grandes modelos, cujas denominações são autorais (aceito sugestões de mudanças): Dominantes e Formadores.
Naturalmente, essas características e modelos podem se compor e possuem diversas variantes, a depender das características culturais do clube.
DOMINANTES
São aqueles clubes cujo objetivo maior são as conquistas. Geralmente, são clubes de grande torcida, acostumados aos títulos. São os chamados Clubes Globais, ou, pensando localmente, os “clubes grandes”.
Este modelo demanda investimentos constantes, elevados, formação de elenco forte. Custam caro, mas retornam com grande exposição, conquistas e receitas. Não visam ao lucro, mas obviamente não devem dar prejuízo. Lucro, para eles, é a conquista.
Por sua característica, demandam estruturas organizações complexas, típicas de grandes corporações, e incluem área de inteligência de mercado, inovação, produção de conteúdo, branding, indo muito além do futebol nosso de cada dia. O time dentro das quatro linhas ainda é o core business, mas depende de inúmeras outras áreas para se manter relevante em campo e fora dele.
Real Madrid, Barcelona, Manchester United, Manchester City, Liverpool, Juventus, Bayern e PSG são alguns exemplos. No Brasil, já foram os “12 candidatos ao título brasileiro”. Hoje, podemos dizer que não passam de cinco ou seis clubes.
FORMADORES
São clubes cujo objetivo é formar atletas para vender para os mais ricos. Geralmente, eles têm consciência de que não possuem receita e custo para competir com os gigantes. Portanto, precisam reforçar as receitas recorrentes (TV, Publicidade, Bilheteria) com a venda de atletas.
Há dois “subgrupos”, mas que se combinam: i) os que formam atletas desde bem jovens (Sub-13) e ii) os que buscam no mercado atletas entre 17 e 21 anos com potencial técnico, mas já desenvolvidos. Compram barato, lapidam, e vendem caro.
Este modelo demanda forte investimento não só em estrutura de formação, mas também em estrutura de análise e monitoramento. As equipes de scouting são grandes e o uso de tecnologia é bastante difundido.
Exemplos clássicos são Sevilla, Lille, Monaco e Atalanta.
Para se ter uma ideia, a Atalanta possui uma equipe de 16 analistas de desempenho (e o projeto para aumentar esse time para 24 profissionais), além de observadores que atuam em mercados-alvo, como o Leste Europeu e a África. Com um centro de formação recém inaugurado, a Dea (como é chamada a equipe italiana) é considerada a melhor estrutura da Itália para desenvolvimento de jovens.
Por mais que deem atenção a aspectos como imagem e conteúdo, esses fatores são menos relevantes nessas estruturas. Os clubes não possuem milhões de seguidores nas redes sociais, nem um número de torcedores relevante dentro do próprio país de origem. Eles têm uma construção mais low profile da marca.
Ao mesmo tempo, atuam com forte viés de inovação, mas dentro do core business, desenvolvendo modelos proprietários de monitoramento e avaliação de atletas, além de sistemas que auxiliem os treinadores no desenvolvimento do modelo de jogo.
COMBINAÇÃO DE MODELOS
Obviamente, os modelos podem combinar. É possível que os Dominantes também tenham boa estrutura de captação e formação, mas é mais natural busquem atletas já testados em outros clubes e ligas, de forma a chegar prontos para o desafio de atuar num clube de ponta.
Faz mais sentido contratar Hazard que Renier, mas o Real Madrid fez as duas coisas. Assim como o Liverpool foi buscar Salah, Mané e Firmino, antes de se tornarem quem são, mas, ao mesmo tempo, trouxe Thiago Alcântara.
Clubes como o Sevilla e a Atalanta possuem projetos ambiciosos, que vão além do mercantilismo. Querem, a partir dessa capacidade de formação, se tornar dominantes um dia. Dificilmente contratarão atletas já formados e caros. Mas, a depender da fase do projeto, eles podem chegar.
Como, por exemplo, nesta janela. O Sevilla contratou Papu Gomez, argentino de 33 anos vindo justamente da Atalanta. Não é o perfil do clube espanhol, mas é uma peça que pode encaixar no projeto dele se tornar dominante.
E QUEM NÃO É UM NEM OUTRO?
Sempre é possível ficar no mata-burro. Mas nunca é desejável. Porque haverá clubes que sabem que não têm condições de serem dominantes, pois lhes falta dinheiro e estrutura. Mas eles tampouco investem fortemente na formação de elenco e atletas. Falta a eles a clareza sobre o modelo de negócios. Ou não.
Haverá clubes cujo objetivo é permanecer na primeira divisão local, pois isso garante partidas interessantes em casa, traz um bom dinheiro da TV, mantém o status quo do presidente do momento – ou do proprietário – e a vida. É o pessoal do meio da tabela, mas que vira-e-mexe luta contra o rebaixamento. A turma que troca três vezes de treinador no campeonato, que têm inúmeros atletas emprestados no elenco, que só usa a base no desespero, mesmo sabendo que a formação é frágil.
É a falta de clareza no modelo de negócios que faz com que a contratação de um veterano sem brilho seja melhor que a de um desconhecido jovem e com potencial.
Porque insistem em sonhar em ser dominantes, ignoram que deveriam investir na formação, e acabam no limbo do sufoco a cada temporada. Até cair para a Série B.
PROJETOS
Para pensar o modelo, é necessário quem o projete. Seja para a construção, seja para o aprimoramento, é fundamental uma área que pense e desenhe projetos a serem apresentados aos acionistas ou associados.
Cito aqui dois exemplos de reconstrução: AC Milan e FC Internazionale.
Depois de nove anos de domínio da Juventus na Serie A, e com forte perda de receitas e relevância no cenário internacional do futebol, os dois clubes de Milão resolveram mudar suas estratégias para voltarem a ser dominantes.
Desde a chegada ao controle do Fundo Elliott, o modelo de negócios do Milan passou a ter o perfil de Formador. Com a equipe de menor média etária da Serie A nesta temporada, o Rossonero passou a monitorar e contratar atletas jovens e de potencial de desenvolvimento.
Para isso, reforçou sua equipe de scouting com a chegada de Geoffrey Moncada, vindo do Lille. Também vieram diversos atletas bastante jovens, como Hauge, Rafael Leão, Brahim Diaz, Tonali e Kalulu. Os destaques do time são Donnarumma (21 anos), Kessie (24 anos), Hernandez (23 anos) e Çalhanoglu (26 anos). Mas, é claro, para uma equipe tão jovem funcionar foram buscar o alicerce de experiência: Ibrahimovic e seus 39 anos.
Já na Inter de Milão, o modelo foi claramente o Dominante. Com a chegada do grupo chinês Suning ao controle, e depois de uma fase de ajuste financeiro para atender demandas do Fair Play da UEFA, o clube nerazzuro investiu fortemente na contratação de atletas de ponta.
Em duas temporadas, chegaram Lukaku, Vidal, Young, Erikssen, Moses e Sanchez. Eles se juntaram a Brozovic, Handanovic, de Vrij e Lautaro. Hoje, formam um elenco caro. Mas também chegaram Bastoni, Barella, Sensi, jovens com potencial de desenvolvimento.
Na atual temporada, a dupla milanesa é líder e vice-líder da Serie A.
POR QUE ISSO É IMPORTANTE?
Pensar corretamente o modelo de negócios e os projetos que o tornam viável é fundamental para que o clube tenha sucesso: porque isso gera expectativa interna, mas especialmente externa, junto ao torcedor.
E lembro sempre da célebre equação: Frustração = Expectativa (-) Realidade
Logo, se o clube não tem claro seu modelo de negócios, não conseguirá se planejar nem comunicar corretamente seus objetivos.
Gera uma expectativa que acaba não se realizando. E isso leva a uma enorme frustração. De frustração em frustração, o clube vai perdendo seu grande ativo: o torcedor.
Na próxima coluna, falaremos sobre a estrutura operacional que permite aos clubes executarem seus modelos de negócios.