Vacinação compulsória: o que significa e quais serão as consequências para quem não tomar a vacina?
janeiro 27, 2021SÃO PAULO – A vacinação no Brasil contra a Covid-19 começou no último dia 18. Diante das mais de 200 mil vidas perdidas e todas as dificuldades que a pandemia do novo coronavírus trouxe, é de se esperar que a maioria das pessoas queira se vacinar. Mas a última pesquisa Datafolha mostra que o percentual de brasileiros dispostos a receber a vacina contra a Covid-19 caiu de 89% na primeira quinzena de agosto para 73% em dezembro, e no mesmo período cresceu de 9% para 22% a parcela de pessoas que declaram que não querem tomar a vacina.
Quem estiver no grupo que pretende ficar fora da campanha de vacinação vai sofrer consequências. O InfoMoney conversou com especialistas para entender o que significa a “vacinação compulsória” e quais podem ser as restrições enfrentadas pelos que optarem por não se imunizar – isso, claro, quando as doses estiverem amplamente disponíveis no país, o que ainda está distante de acontecer.
Vacinação funcionará como votar em eleições
Em fevereiro de 2020, a Lei 13.979/2020 foi sancionada. Seu artigo 3º menciona que, para enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, autoridades poderão adotar medidas que incluem a “determinação de realização compulsória de (…) vacinação e outras medidas profiláticas.”
Em dezembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou uma decisão que detalhou essa vacinação compulsória no Brasil. “O Plenário do STF decidiu que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19, prevista na Lei 13.979/2020. De acordo com a decisão, o Estado pode impor aos cidadãos que recusem a vacinação as medidas restritivas previstas em lei, mas não pode fazer a imunização à força”, diz o texto do site do Supremo.
A interpretação do trecho, segundo Angela Kung, advogada especialista em direito sanitário do escritório Pinheiro Neto, é que a partir do momento em que tivermos imunizantes disponíveis aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), todos os brasileiros devem tomar a vacina. “A medida é um paralelo com a obrigatoriedade do voto no Brasil: todos têm que votar, mas o governo não vai buscar as pessoas em casa e levá-la até o posto de saúde. Assim, o governo não pode e não vai forçar uma pessoa a tomar a vacina”, diz.
Marina Zago, advogada do escritório Demarest e especialista em direito sanitário e administrativo, concorda que o domicílio e o corpo das pessoas são invioláveis em termos jurídicos. Por isso, o STF deixou claro que nada será feito à força. “Mas a vacinação ser compulsória significa que a pessoa está sujeita a uma punição, caso não se vacine. Isso pode ser feito porque o direito coletivo prevalece sobre o direito individual. Não importam quais sejam os motivos, filosóficos ou religiosos, o direito da saúde coletiva vem em primeiro lugar. Afinal, convivemos em sociedade”, explica.
Medidas restritivas para quem não tomar a vacina
Já existem sanções indiretas para os que se recusam a receber doses de vacinas elencadas no Programa Nacional de Imunização (PNI), que coordena todas as vacinações obrigatórias no país. A carteira de vacinação em dia é exigida para pagamentos de benefícios sociais e, em alguns estados, para matrículas em escolas públicas e privadas, por exemplo. Com o posicionamento do STF, ações que sigam essa mesma lógica poderiam ser implementadas no caso da Covid-19.
Autoridades ainda precisam definir quais serão as medidas e quando começarão a ser aplicadas. “A decisão pode ser tomada no âmbito federal pelo Congresso ou pelo Poder Executivo, com o ministro da Saúde lançando uma portaria com as punições, por exemplo. Ou mesmo os gestores da saúde dos estados e municípios têm competência para essas definições”, explica Marina. “A pessoa que não se imunizar pode ter restrições que dificultem atos da vida civil, inclusive determinadas por estados e municípios”, concorda Paulo Almeida, advogado e diretor do Instituto Questão de Ciência (IQC).
Segundo Marina, governo federal, estados e municípios têm uma “competência concorrente” para regulamentar e cuidar de assistência e saúde pública. “As esferas compartilham a autonomia para organizar a área da saúde. As medidas restritivas podem variar de estado para estado, em tese, com alguns deles adotando medidas adicionais às que o poder federal vai definir”, diz.
A advogada explica que essas medidas devem estar previstas em normas, como fez o estado de São Paulo com o uso obrigatório de máscara. Depois, a União também publicou uma norma nesse sentido.
“Pode acontecer de as medidas serem contraditórias, ou uma mais severa que a outra. O cidadão vai poder se posicionar de acordo com uma norma ou outra e levar sua questão para o Judiciário, se achar que alguma medida não é plausível. Esse tipo de situação aconteceu na definição de quem tinha a competência para regulamentar a abertura do comércio, por exemplo”, afirma Marina. “Se os entes federativos não conversarem e chegarem a um consenso, a palavra final será definida na Justiça.”
Segundo os profissionais de advocacia ouvidos pelo InfoMoney, as punições para Covid-19 poderão incluir desde multa até bloqueio de passaporte ou restrições para frequentar determinados lugares, como escolas e transporte público.
“As punições serão medidas restritivas à liberdade, ou seja, do ir e vir. O objetivo é reduzir a propagação da doença, impedindo as pessoas não vacinadas de frequentar lugares cheios, por exemplo. Sempre de forma proporcional à situação”, explica Marina. “Ninguém pode ser preso por não tomar vacina. Mas podem existir regras de impedimento à entrada em bares ou metrôs, por exemplo. Também é possível que pais que não vacinarem os filhos não possam efetuar a matrícula na escola”.
Angela, do Pinheiro Neto, reforça que o impedimento para tirar o passaporte deve ser uma das principais medidas, assim como a aplicação de multas.
Porém, as medidas restritivas ainda devem demorar um pouco para começar a valer na prática. “É preciso adequar as multas e punições ao nível de suprimento de vacinas. Hoje, temos muito pouco imunizante. Como você vai cobrar que a pessoa esteja vacinada, se não há vacinas no país? Então, a partir do momento que tivermos mais vacinas e pelo menos iniciado a vacinação dos grupos que não são prioritários, as autoridades vão começar a definir as medidas restritivas. Imagino que no primeiro semestre de 2022. Mas poderemos ver algumas medidas sendo impostas antes, a depender de como andar a vacinação no país”, diz Angela.
Marina levanta pontos que ainda precisam ser discutidos falando em medidas restritivas: como vai funcionar se profissionais da saúde se recusarem a tomar? E como as empresas vão lidar com isso?
As companhias são obrigadas a garantir saúde e segurança de trabalho e devem fornecer álcool em gel e máscaras para proteção no caso da Covid-19, por exemplo. Mas a necessidade de vacinação para entrar na empresa é incerta, porque ela não é obrigatória por lei. Alguns advogados consideram que a demissão por justa causa poderá ser feita ao funcionário que não se vacinar, diante da preservação do direito coletivo à vida sobre o privado.
Como fiscalizar a vacinação?
Diante de medidas restritivas, e conforme a vacinação for acontecendo, outra questão é levantada: como fazer a fiscalização de quem não tomou a vacina?
Para Angela, a fiscalização vai ocorrer de forma mais indireta. “Não vai ter fiscal batendo de porta em porta, conferindo a carteirinha de vacinação. Mas, enquanto a pessoa for convivendo e tiver que apresentar documento, eventualmente vai ser questionada sobre a vacina contra o novo coronavírus. Por exemplo, ao tirar o passaporte e renovar a CNH. Não acho que vai ter uma fiscalização ativa. O processo é custoso e trabalhoso”, diz.
Marina entende que o desafio é complexo, mas pontua que novas tecnologia podem surgir em função da gravidade e da experiência de pandemia. “É bem complicado fiscalizar se os clientes de um bar ou os passageiros do metrô estão vacinados. Mas pode ser que aconteçam algumas atualizações de sistema, com informações digitalizadas em alguns locais. Como adicionar a informação da vacina no cartão do metrô, integrar sistemas para conseguir controlar melhor essa questão”, pondera. “Porém, isso pode ficar mais para o futuro. Se já não é fácil manter as pessoas em casa para não aglomerar, imagine integrar sistemas dessa maneira.”
Vacinação como prevenção
As comunidades médica e científica defendem a aplicação da vacina por ser a forma mais eficaz de conter o avanço dos contágios e, ao longo do tempo, reduzir significativamente os casos do novo coronavírus.
“A vacina é a única forma de prevenção para além do distanciamento social. Temos imunizantes que são bons, com eficácias comprovadas internacionalmente e aprovados pela Anvisa. Ao tomar a vacina, a pessoa passa a ter um papel na transformação do ambiente no qual ela vive, além de contribuir para o fim da pandemia e de suas restrições”, afirma Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
A vacinação contra a Covid-19 iniciada no final de dezembro pelos Estados Unidos já está apresentando resultados no país, segundo o Goldman Sachs. Em relatório publicado no dia 19 de janeiro, o banco de investimentos mostrou um ponto de inflexão nas hospitalizações americanas após as vacinações realizadas no último mês de 2020. Segundo o Goldman Sachs, as internações por Covid-19 nos Estados Unidos cresciam em um ritmo de 1% por dia entre setembro e o começo de janeiro. Entre 7 e 19 de janeiro, portanto, era esperado que as hospitalizações subissem 12%. Porém, o banco de investimentos apurou que houve uma queda de 7% no período.
Kfouri explica que o movimento antivacina no Brasil não tem uma parcela grande de adeptos devido ao histórico do país com campanhas de vacinação consideradas um sucesso, como as contra Sarampo, Rubéola, Coqueluque, Meningite e Hepatite A. “O Brasil é um grande exemplo em campanhas de vacinação. O maior exemplo é a erradicação da poliomielite com a Vacina Oral Poliomielite (VOP), que especialistas no mundo todo sempre duvidaram. Outro exemplo de sucesso foi a erradicação da febre amarela urbana por campanhas de vacinação”, completa Mauricio Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp).