Como ficam as eleições no Congresso após a decisão do Supremo contra Alcolumbre e Maia?

Como ficam as eleições no Congresso após a decisão do Supremo contra Alcolumbre e Maia?

dezembro 7, 2020 Off Por JJ

Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre
Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

SÃO PAULO – A surpreendente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que barrou a recondução de presidentes na Câmara dos Deputados e no Senado Federal embaralhou a corrida sucessória nas duas casas legislativas a cerca de dois meses das eleições para as mesas diretoras. O pleito será decisivo para a política nacional nos próximos dois anos.

Nos bastidores, havia uma expectativa majoritária de que os ministros tomassem uma decisão que abrisse caminho ao menos para a reeleição de Davi Alcolumbre (DEM-AP) à presidência do Senado Federal. A situação de Rodrigo Maia (DEM-RJ), já eleito três vezes seguidas para o comando da Câmara dos Deputados, era considerada menos segura – e mesmo o parlamentar publicamente preferia dizer que não tinha interesse em um novo mandato.

O julgamento foi iniciado na sexta-feira (4), baseado em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ingressada pelo PTB. Em poucas horas, os votos de quatro ministros – o relator Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski – sinalizavam disposição do tribunal em driblar determinação expressa da Constituição Federal e abrir caminho para a recondução dos atuais incumbentes.

Mas a pressão da opinião pública e de parcela expressiva da comunidade jurídica, acadêmica e de formadores de opinião foi aos poucos mudando o clima no tribunal. Até que, na noite de domingo (6), formou-se maioria para barrar a reeleição, com os votos de Edson Fachin e Luiz Fux somando-se aos proferidos anteriormente por Marco Aurélio Mello, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso. O ministro Kassio Nunes Marques adotou um meio-termo, que beneficiaria Alcolumbre e prejudicaria Maia.

A decisão estreitou (ou impossibilitou) o caminho para a reeleição dos presidentes das duas casas, que agora precisariam aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em tempo recorde para se candidatarem, e acirrou uma disputa que já acontecia há meses na Câmara dos Deputados. No Senado, deu espaço para uma discussão que praticamente não acontecia, em meio à percepção de que havia pouco espaço para uma candidatura alternativa.

“Foi inesperado. O que se criou como consenso é que, no mínimo, o STF diria que as respectivas Casas Legislativas teriam que decidir sobre suas reeleições. Essa decisão – a bem da verdade, a única literalmente em linha com o texto constitucional – pega Brasília no contrapé”, diz Debora Santos, analista política da XP Investimentos.

“No Senado, estava quase certa a reeleição de Alcolumbre. Já na Câmara havia maior confusão”, observa Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores Associados. Os deputados têm observado há tempos uma disputa por espaço entre o atual presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tenta fazer seu sucessor, e Arthur Lira (PP-AL), líder do “centrão”, que se aproximou recentemente do Palácio do Planalto. “Nos dois casos, a questão vai ser saber se serão eleitos nomes próximos ao governo ou não”.

“Em ambas as casas o cenário está bem em aberto”, avalia o analista político Creomar de Souza, fundador da consultoria Dharma Political Risk & Strategy.

A corrida na Câmara

A proibição à difícil reeleição de Rodrigo Maia consolida o atual presidente da casa na posição de responsável por manter seu arco de aliados. Há hoje ao menos seis nomes disputando o espaço de candidato no grupo – e a queda de braço tende a se acirrar nos próximos dias. São eles: Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), Baleia Rossi (MDB-SP), Elmar Nascimento (DEM-BA), Luciano Bivar (PSL-PE), Marcelo Ramos (PL-AM) e Marcos Pereira (Republicanos-SP).

“A possibilidade de que no futuro Maia viesse a se apresentar como ‘salvador’ mantinha uma parcela dos partidos unidos. O risco para Maia é que os aliados se dispersem a partir do momento em que o escolhido for anunciado”, apontam os analistas políticos da XP Investimentos.

A fragmentação do bloco é uma das grandes apostas de Arthur Lira, que ainda conta ainda com a simpatia de Bolsonaro. O Palácio do Planalto pode decidir entrar com menor ou menor intensidade na disputa, oferecendo espaços no governo e recursos em troca de apoio ao candidato de sua preferência. A estratégia, como a história mostrou no caso de Dilma Rousseff (PT), envolve riscos.

Uma senha para a fragmentação foi dada pelo atual vice-presidente da casa, o deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP). O parlamentar comemorou a decisão do Supremo e aproveitou para confirmar sua candidatura à sucessão de Maia.

“Serei porque estou dialogando com os (as) colegas e sinto que há uma busca por renovação. Óbvio que estamos em um grupo político e tenho convicção que poderei ser o candidato deste grupo”, disse. Embora integre o grupo próximo a Maia, o Republicanos também é o partido que acolheu dois dos filhos de Bolsonaro: o senador Flávio Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro.

“A coalizão que levou Maia a pacificar a Câmara dos Deputados não existe mais. Uma parte do centrão está com o governo, no que podemos chamar de uma coalizão de impeachment. De outro lado, Maia conseguiu os votos também da oposição. A dificuldade é construir esse nome e convencer que vale a pena investir nesse tipo de costura. E isso passa por mostrar que o Planalto continuará desarticulado”, pontua o analista político Creomar de Souza, fundador da Dharma Political Risk & Strategy.

Analistas políticos também veem na impossibilidade jurídica à reeleição de Rodrigo Maia uma oportunidade para o grupo consolidar o apoio de parlamentares da esquerda, que se sentiam desconfortáveis com a possibilidade de o presidente da casa tentar um quarto mandato. Vale lembrar que PT e PSB integraram a lista de partidos que apoiaram o manifesto contra a reeleição de Maia e Alcolumbre.

“A decisão do Supremo aumenta a possibilidade de vitória do grupo de Maia. Do ponto de vista político, seria difícil mobilização, sobretudo na esquerda, em torno do nome do próprio Maia. Essa decisão teria um custo de mobilização. Resta agora a capacidade de Maia escolher um sucessor, que tenha a possibilidade de atrair votos da esquerda. Em certo sentido, o que há é incerteza em relação à estratégia desses grupos”, avalia o analista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria Integrada.

Para ele, o governo deverá investir na infidelidade de siglas que hoje orbitam em torno de Maia – o voto nas eleições para a mesa diretora é secreto, o que facilita traições. O especialista acredita que a maior chance de Arthur Lira seria levar a eleição em primeiro turno. Caso nenhum dos candidatos alcance a maioria absoluta dos votos (ou seja, 257 votos), as chances de o candidato do “centrão” conquistar o apoio necessário para vencer diminuem, tendo em vista a esperada rejeição junto à esquerda.

“Até aqui a administração Bolsonaro usou até de forma ineficiente os recursos políticos que o governo tem para organizar as disputas legislativas e a agenda. É um dos preços de um governo que não construiu uma coalizão majoritária. A ação do Planalto passaria por alguma indisciplina entre os partidos mais próximos ao projeto em torno de Rodrigo Maia”, diz.

Já Ribeiro acredita que nomes alinhados com o governo não são favoritos, mas Arthur Lira elevou suas chances em relação a uma semana atrás. “As chances de Arthur cresceram um pouco. Para Maia, mesmo que não fosse candidato, a possibilidade de se reeleger aumentaria seu cacife nas negociações. Estava atrapalhando um pouco as conversas com a esquerda, mas no balanço é que ele ficaria mais forte tendo na mão a carta da reeleição. Em contrapartida, Arthur se fortalece, mas não o suficiente para torná-lo favorito”, avalia.

A percepção de resistências ao nome de Arthur Lira também pode levar o governo a pensar em outras opções, como os atuais ministros Fábio Faria (Comunicações) e Tereza Cristina (Agricultura). Tal movimento pode ser um indicativo relevante sobre a força que o governo colocará na disputa pela presidência da casa.

“O governo tenderá a fazer promessas. O problema para o governo é que não tem Orçamento e, se Bolsonaro entregar ministérios, talvez ele perca seus apoiadores mais fiéis. Essa parece ser a encruzilhada: o governo pode prometer até onde? É um ponto fundamental que temos que ter em mente e pensar em um cenário futuro”, diz Creomar de Souza.

Um aparente consenso entre os analistas é que haverá menos espaço para pacificação no parlamento daqui para frente. “Qualquer que seja o resultado da eleição, vai deixar a Câmara mais fraturada. Vai ser uma eleição que vai provocar mais divisão. Não vai ser como foi com Rodrigo Maia. Quem assume [não] assume com uma capacidade de agregação relevante. Quem ganhar vai deixar o lado perdedor menos disposto a colaborar”, observa Ribeiro.

A busca por espaço no Senado

Com a saída de Davi Alcolumbre do páreo no Senado, o MDB busca aproveitar o espaço aberto para recuperar o comando da casa. A maior bancada da casa legislativa, com 13 senadores, tem uma série de nomes a oferecer. As opções vão desde o líder do partido, Eduardo Braga (AM), passando por Simone Tebet (MS), atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça, até os nomes de Fernando Bezerra Coelho (PE) e Eduardo Gomes (TO), respectivamente líderes do governo no Senado e no Congresso Nacional.

“Não me surpreenderia o surgimento de um nome da velha política que pudesse aglutinar a casa e dar mais projeção. Essa é uma queixa frequente entre os senadores. Apesar de Alcolumbre ter construído boa relação com o Planalto, não deixou de incomodar alguns senadores a perspectiva de ter perdido projeção. Esse incômodo não seria suficiente para gerar um nome alternativo caso o STF tivesse votado a possibilidade de reeleição”, diz Creomar de Souza.

A casa legislativa costuma respeitar mais a tradição de o comando ficar com a maior bancada – o que não é uma regra, como se observou no último pleito, que elegeu Davi Alcolumbre, apesar de o DEM ter apenas cinco senadores, oito a menos que o MDB.

Deste modo, uma primeira disputa deverá ser travada entre os próprios nomes do MDB. Neste caso, a proximidade maior ou menor em relação ao Palácio do Planalto também poderá dar as cartas. Eduardo Gomes e Fernando Bezerra são os nomes considerados mais alinhados, e Simone Tebet a mais independente.

“O Senado não tem sido propriamente uma casa mais dócil ao Planalto. Davi era uma solução que evitava mais riscos, embora não formalmente pertencesse à base. Agora com a dificuldade de encaminhamento, aumenta o risco de um nome mais independente”, observa Rafael Cortez, da Tendências Consultoria Integrada.

Para ele, as disputas nas casas legislativas devem estar associadas. “Aquele mundo em que o DEM conseguiu as duas casas é difícil de se repetir. Se o nome de Maia for Baleia Rossi, isso pode dificultar a conquista do partido no Senado”.

Externamente, o nome escolhido pelo MDB pode ter que enfrentar nomes também experientes da política, como os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE), Antonio Anastasia (PSD) e Esperidião Amin (PP-SC), ou figuras mais alinhadas à narrativa da “nova política”, que encontra eco entre parlamentares da casa.

“A decisão do STF deve intensificar a disputa não apenas entre os senadores do MDB, mas dentro da Casa como um todo. O grupo Muda Senado, que conta com senadores do Podemos, PSD, PSDB, Cidadania, e tem cerca de 21 votos, pode apresentar candidato próprio”, avaliam os analistas da consultoria Arko Advice.

Na avaliação de Creomar de Souza, a percepção de que a reeleição de Alcolumbre estava mais encaminhada agora coloca o parlamentar em pior posição para a definição de seu sucessor em comparação com Maia na Câmara. Em questão de horas, chama atenção a expressiva perda de capital político do senador.

Olhos em 2022

Para o analista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria Integrada e professor de ciência política do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), a posição formada pelos magistrados amplia o nível de incerteza no Poder Legislativo – e em relação ao futuro da agenda do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O especialista acredita que a disputa pelo comando nas duas casas legislativas refletirá uma disputa mais intensa entre partidos da centro-direita, observada com o resultado das eleições municipais e em uma espécie de antecipação da perspectiva de confrontos em 2022.

“Isso está refletindo uma eventual dinâmica da segunda metade do mandato, que é uma disputa mais forte entre os parlamentares de centro-direita”, observa.

Em linhas gerais, as eleições municipais mostraram uma divisão mais equilibrada de prefeituras entre os partidos da centro-direita, com o MDB mantendo a liderança, mas reduzindo sua vantagem sobre PP e PSD, que ampliaram presença nos Executivos locais. O DEM cresceu de forma expressiva, assim como o Republicanos.

“O poder de barganha está mais homogeneamente distribuído entres os partidos. O custo da governabilidade está se tornando mais alto nesta segunda metade [do mandato presidencial]“, complementa.

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