Desconforto com Brasil leva gestoras a concentrarem maior parte do risco em mercados internacionais; entenda
dezembro 3, 2020
SÃO PAULO – A alta foi substancial. Foram ganhos de 15,9% da Bolsa brasileira em novembro, na valorização mensal mais expressiva desde março de 2016, e no melhor desempenho para um mês de novembro desde 1999.
O mercado acionário brasileiro retomou, assim, o patamar pré-pandemia, mas a trajetória ainda não convenceu uma parte de gestores renomados do mercado brasileiro. E a razão está no próprio país.
Ainda que os ganhos acionários tivessem sido mais expressivos, não teriam sido suficientes para dissipar as preocupações do grupo com a situação macroeconômica e política brasileira, que tanto tem pesado sobre suas alocações.
Casas como Ibiuna, Legacy, Kairós e BlueLine estão com pouca exposição a risco em Brasil, diante de um cenário de incertezas e de prêmios de risco que podem, inclusive, aumentar se a situação piorar.
“Temos visto um baixíssimo senso de urgência tanto do Executivo quanto do Legislativo para endereçar as dificuldades fiscais”, diz Fabiano Godoi, CIO da Kairós.
Com as discussões sobre as próximas reformas a serem implementadas a reboque da questão orçamentária, e postergadas por conta da pandemia, Godoi chama atenção para o aumento do endividamento neste ano de crise global e do pouco tempo hábil para debater o fiscal, por conta das eleições presidenciais de 2022.
“Por isso estamos super reticentes em Brasil e temos preferido, desde junho, ter pouco risco alocado no país”, assinala.
Desde então, a gestora destina apenas 20% do risco do fundo multimercado ao Brasil, e passou o mês de agosto com essa exposição zerada.
As discussões sobre o Orçamento para 2021 a ser enviado pelo governo ao Congresso e a falta de um acordo na Câmara para definir quem será responsável pela condução dos trabalhos são sinais negativos, na avaliação da Kairós. A preocupação recai especialmente sobre o início de 2021.
“Sem a LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias], vai ser difícil o governo fazer frente às despesas correntes do próprio mês de janeiro”, diz o CIO.
“Estamos em um calendário extremamente apertado para resolver a questão orçamentária, de forma a ser respeitoso ao teto de gastos. Os mercados já estão bastante ansiosos e o nível de precificação dos ativos já reflete essa incerteza e a preocupação com a cara que o Executivo e o Congresso vão dar para a disciplina fiscal.”
Godoi chama atenção para a “grande divergência” entre os preços dos ativos, com a Bolsa retomando níveis pré-crise, juros com prêmios de risco elevados e um câmbio bastante desvalorizado.
Foco no curto prazo
A parte de risco em Brasil da gestora recai exclusivamente sobre juros, porém restrita a vencimentos de curto prazo, em meio à alta projetada pelo mercado para 2021, superior às intenções demonstradas até o momento pelo Banco Central.
Enquanto não houver definição em relação ao Orçamento, o CIO da Kairós vê dificuldades para mudanças no juro, ainda que o mecanismo do “forward guidance” (prescrição futura sobre os juros), adotado desde agosto, deva ser abandonado pelo Banco Central.
A expectativa da gestora é de subida da Selic a partir do segundo trimestre de 2021, encerrando o ano próxima dos 4%.
Para além do Brasil, os 80% de risco adicionais da Kairós estão principalmente em bolsas de países desenvolvidos, com uma rotação em curso desde outubro de Estados Unidos para os mercados europeus e japonês, e com alocação ainda em bolsas asiáticas, consideravelmente em China.
Para o CIO, a Bolsa brasileira não está cara no momento, mas a avaliação entre risco e retorno não é favorável. “É melhor correr esse risco do cenário global em mercados desenvolvidos que em emergentes, especialmente Brasil”, assinala Godoi.
Desconforto tupiniquim
Fábio Akira, economista-chefe da BlueLine Asset Management, tem visão semelhante. Hoje, menos de 20% do risco está alocado no Brasil e, assim como é o caso da Kairós, já foi menor, próximo de 5%.
“Há várias estrelas alinhadas para o Brasil se beneficiar da vacina, mas o risco político e fiscal remanescente nos deixa receosos”, diz Akira, ressaltando que a gestora tem operado de forma pontual no país.
A adição de risco doméstico está mais dirigida a players globais, de commodities, como Petrobras e Vale.
As preocupações principais da BlueLine sobre o país também recaem sobre a parte fiscal, com desconforto ainda em relação aos choques inflacionários, além de uma segunda onda de Covid.
“É difícil ficar vendido, porque o global está muito positivo. Então é preciso ser muito seletivo e ficar com uma posição em que possamos suportar a volatilidade diante do risco idiossincrático do país. Achamos mais eficiente”, observa Akira.
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Na alocação em bolsa internacional, a gestora montou posição no mercado americano e também se movimentou em direção à Ásia, onde chegou a ter mais risco que nos EUA depois da pandemia, embora antes das eleições.
Com a vitória de Joe Biden na disputa presidencial americana e o foco mais concentrado no anúncio de vacinas, foi necessário rever novamente o portfólio.
“Com as vacinas, a diferenciação na forma de tratamento da Covid se nivela mais para baixo. É o jogo mais de ver quem ficou para trás. Um pouco menos de componente de qualidade, de fundamento, e mais técnico”, diz Akira, ressaltando que, mesmo assim, a carteira não sofreu grandes alterações.
A BlueLine está reduzindo a exposição à Ásia e aumentando novamente nos Estados Unidos, de olho ainda na diversificação em regiões que ficaram para trás. “Estamos em um processo de reciclagem”, assinala o economista.
O câmbio responde por 25% do risco hoje, com o restante em bolsa, especialmente americana.
Postura defensiva
Ao longo da semana passada, gestoras como a Ibiuna também expressaram o desconforto em tomar risco em Brasil.
Rodrigo Azevedo, sócio da casa e ex-diretor do Banco Central, demonstrou ceticismo com relação a um ajuste fiscal significativo no curto prazo, em meio a um crescimento relativamente baixo projetado para 2021 e a pressões inflacionárias aparecendo no horizonte antes do esperado.
“Estamos com uma posição muito defensiva no Brasil, comprados principalmente em inflação implícita, sem conforto para posições em ativos de risco”, afirmou Azevedo, durante evento da Santander Asset.
E ainda que enxergue um cenário favorável para as bolsas, a avaliação da Ibiuna sobre o mercado de ações brasileiro não é tão positiva, diante das questões fiscais domésticas.
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Felipe Guerra, sócio e CIO da Legacy Capital, também tem uma percepção mais cautelosa com o Brasil. Empresas vinculadas a commodities, como Petrobras, Vale e Suzano, oferecem potencial de valorização atrativo, mas há maior receio com a parte doméstica.
Mesmo com ativos baratos e uma boa condição técnica dos mercados, os fundamentos do Brasil estão “duvidosos”, afirmou o sócio da Legacy, no mesmo evento. Por isso, é hora de aguardar a resolução da questão fiscal para “comprar o país”.
Hoje, 90% da exposição da casa está em mercados internacionais, desenvolvidos ou emergentes asiáticos, e a gestora está atenta a um movimento de depreciação do dólar com potencial da ordem de 10% a 15%, especialmente em relação às moedas desses países.
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