Pandemia empurra 5 milhões de brasileiros para fora das estatísticas de emprego (o problema é quando eles retornarem)
dezembro 3, 2020
SÃO PAULO – Em meio à pandemia, milhões de pessoas foram empurradas para fora da força de trabalho do país e, portanto, deixaram de fazer parte da estatística que mostra a parcela da população que está desocupada. Por uma questão de metodologia, é como se essas pessoas “sumissem” da taxa mais observada para medir o desemprego no país.
Mas, ao olhar com uma lupa os dados do IBGE é possível identificar esse contingente e ter uma visão mais clara da situação do emprego no país, e entender por que economistas estão alertando que o quadro é pior do que pode parecer.
O principal grupo que fica de fora da taxa de desocupação compõe a chamada força de trabalho potencial, que aumentou 63,1% do terceiro trimestre de 2019 para o terceiro trimestre deste ano, chegando a 12,8 milhões de pessoas, de acordo com dados da última Pnad Contínua, pesquisa de emprego do IBGE divulgada na última semana.
Do ano passado para cá, 4,982 milhões de brasileiros foram incluídos nesse grupo, que inclui as pessoas que não estão trabalhando, mas que têm potencial para voltar ao mercado. Vale ressaltar que essas pessoas não são consideradas desempregadas, segundo os conceitos do IBGE, porque não integram a força de trabalho.
De acordo com os especialistas ouvidos pelo InfoMoney, esse dado, menos divulgado que a taxa de desemprego, é importante porque mostra uma fotografia ampliada do desemprego no país – que não para na taxa recorde de 14,6% de desocupados, ou 14,1 milhões de pessoas, conforme a Pnad Contínua do terceiro trimestre deste ano.
Ainda que o IBGE tenha passado a divulgar também a Pnad Covid, que traz um recorte focado na pandemia, a Pnad Contínua é o indicador oficial do desemprego no país.
Para compreender porque a força de trabalho potencial aumentou tanto e os efeitos na taxa de desemprego, antes é preciso entender a divisão feita pelo IBGE. Veja:
Apesar das tecnicidades do instituto, vale esmiuçar o perfil de pessoas que estão nessa categoria para enxergar um retrato mais claro sobre o desemprego no país. A força de trabalho potencial inclui dois principais grupos: os desalentados e não desalentados, segundo Jefferson Mariano, analista socioeconômico do IBGE.
Veja quem se encontra dentro de cada grupo:
Desalentados | Pessoas que gostariam de trabalhar e estão disponíveis, mas nem procuraram vagas por diversos motivos, entre eles: a) pandemia e seus efeitos; b) não encontrou trabalho na localidade; c) não tem experiência profissional ou qualificação; |
Não desalentados | a) quem não buscou emprego, mas que está pronto para o mercado de trabalho, como estudantes, profissionais em período sabáticos; |
– | b) quem buscou emprego, mas não estava disponível, como uma pessoa que mandou o CV, foi chamada, mas optou por não trabalhar |
Pandemia é a principal responsável pelo aumento na força de trabalho potencial
Thiago Xavier, economista da Tendências Consultoria Integrada, explica que o aumento relevante de 63,1% na força de trabalho potencial significa que muitas das pessoas desse grupo são desalentados, ou seja, que poderiam trabalhar, mas não estão porque não conseguiram emprego e desistiram de procurar – e a pandemia é o principal motivo para isso.
Mas, segundo ele, além disso, é preciso incluir nesse contexto o dado de ocupação: na comparação anual, a Pnad mostrou uma queda de 11,3 milhões de pessoas ocupadas no terceiro trimestre deste ano.
“Ou seja, o aumento da força de trabalho potencial se deve em grande parte à queda da ocupação. Muitas pessoas foram obrigadas a parar de trabalhar devido ao contexto de pandemia neste ano, mães que tiveram que cuidar dos filhos porque eles não poderiam estar na escola e não tinham com quem ficar; trabalhadores informais que foram afetados pelo isolamento; e ainda teve a falta de oferta, que atrapalhou os planos de muita gente. A perda da atividade econômica foi compulsória para milhões de pessoas”, avalia Xavier.
Além disso, o economista explica que o auxílio emergencial também é responsável por esse aumento na força de trabalho potencial. “O auxílio funcionou como uma espécie de incentivador para boa parte desse grupo ficar em casa e não procurar trabalho assim que perdeu a atividade econômica. A pessoa parou de trabalhar, mas não ficou sem renda devido ao benefício e não foi buscar vagas”, diz o economista da Tendências.
Mariano diz que a pandemia é o principal fator para a força de trabalho potencial ter crescido tanto e diz que os trabalhadores domésticos também foram muito afetados. “Uma participação significativa da força de trabalho potencial é de mulheres, especialmente do segmento de serviços domésticos. A classe média desligou essas profissionais devido ao isolamento e à crise. Assim, elas saíram da força de trabalho direto para o desalento”, disse.
Xavier acrescenta que a partir desse cenário houve um macromovimento no mercado de trabalho. “A conclusão desse ‘efeito pandemia’ foi um movimento claro de pessoas saindo da posição de ocupadas para ficar em casa. Elas não começaram a procurar emprego assim que pararam de trabalhar, por isso, não entraram na estatística”, disse Xavier.
Cosmo Donato, economista da LCA Consultoria, pontua que se não fosse a alta da força de trabalho potencial, a taxa de desemprego poderia bater inacreditáveis 20% no trimestre. Isso porque esse grupo de pessoas, apesar de não estar trabalhando, não compõe a força de trabalho e, portanto, não é contabilizado dentro da taxa de desocupação.
“No quadro de pandemia que vivemos, com a restrição de circulação e a crise econômica, quando as pessoas perderam o emprego e saíram do mercado de trabalho, não procuraram emprego imediatamente, aumentando a fatia de desalentados [e portanto a força de trabalho potencial] e isso ajudou a segurar o desemprego. Se a força de trabalho fosse mantida próxima ao que tínhamos em fevereiro, no patamar pré-crise, a taxa de desemprego estaria perto de 20%. Mas essa força reduziu devido ao contexto”, explica Donato.
Efeito na taxa de desemprego
Para Mariano, a força de trabalho potencial é um dado importante de se observar justamente porque ao retomar a busca por trabalho, essas pessoas voltam à estatística de desemprego.
Na última divulgação da Pnad, a taxa de desemprego chegou a 14,6%, recorde da série histórica iniciada em 2012, e mostrou que o país conta com 14,1 milhões de desempregados.
Mas esse contingente não inclui a parcela de milhões de pessoas da força de trabalho potencial, ou mesmo os subocupados por insuficiência de horas (quem tem jornada de trabalho inferior a 40 horas semanais, mas gostaria de trabalhar mais horas e está disponível), porque pelo conceito do IBGE apenas quem está efetivamente buscando emprego é considerado desempregado.
Se fossem incluídos os outros conceitos da Pnad que englobam pessoas que não estão trabalhando, o número seria de cerca de 33 milhões de pessoas: essa dado corresponde à chamada subutilização da força de trabalho.
Na sua coluna semanal do InfoMoney, Alexandre Schwartsman também discute o fato de a taxa de desemprego não ser a métrica mais adequada para avaliar a situação do emprego no país.
“Por isso, o desemprego da vida real está muito pior do que o número que a taxa de desemprego por si só consegue expressar. A demanda por trabalho é muito maior do que a taxa de desemprego. Se metade da força de trabalho potencial [cerca de 6 milhões] voltasse a procurar emprego no próximo trimestre o número de desempregados iria subir, bem como a taxa de desemprego. E é o que deve acontecer nos próximos meses”, avalia Mariano, do IBGE.
Para entender melhor, é preciso conhecer a fórmula cujo resultado é a famosa taxa de desemprego.
Assim, essas seis milhões de pessoas do exemplo voltariam a buscar um emprego, portanto seriam, em um primeiro momento, desocupadas e aumentariam o numerador e denominador da conta, fazendo a taxa de desemprego subir.
“Mesmo a parcela de pessoas que conseguisse a vaga agregaria a força de trabalho, mas não seria suficiente para impedir o crescimento final da taxa. O numerador e o denominador aumentariam, mas proporcionalmente o denominador cresceria menos do que o numerador porque teríamos um aumento maior nos desempregados e menor nos ocupados basicamente porque o mercado de trabalho não consegue absorver essas milhões de pessoas em poucos meses”, explica Mariano.
Nessa lógica, Donato ressalta que a redução do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300 também deve impulsionar a taxa de desemprego para cima. “A redução do auxílio vai forçar as pessoas desse grupo potencial a procurarem renda. E quando acabar a concessão do benefício esse movimento de busca por emprego deve se intensificar e pode aumentar a taxa de desemprego nos próximos meses”, diz.
Incertezas pela frente
A partir disso, Xavier, assim como muitos outros economistas, acredita que a taxa de desemprego deve subir nos próximos meses muito em função desse grupo de pessoas que deve voltar a fazer parte da força de trabalho.
“Com o fim do auxílio emergencial, o orçamento apertado por muito tempo e o afrouxamento das restrições de circulação será natural a busca por emprego. Mas não sabemos se uma segunda onda da pandemia pode chegar e fechar tudo novamente, ou mesmo se a retomada da economia vai acontecer de forma mais sólida. Por enquanto, há sinais de recuperação, mas ainda insuficientes para impulsionar uma melhora no desemprego”, avalia Xavier.
Mariano, do IBGE, diz que, em um cenário de piora da pandemia, a alta na taxa de desemprego pode ser menor com um isolamento social mais rígido, do que se o governo federal optar por uma abertura econômica total com a possibilidade de aumento dos casos.
“Em uma segunda onda da pandemia, em termos de taxa desemprego, o impacto negativo será muito maior se houver uma abertura econômica, do que se o isolamento social entrar em vigor de novo. Isso porque o risco da crise sanitária e de saúde voltar com força é alto. Além disso, alguns setores já estão preparados para operar remotamente depois desse ano, como varejo, e-commerce e mesmo o setor alimentício, então, o impacto de uma quarentena deve ser menor”, diz.
Mas, para ele, em qualquer circunstância parte dessas pessoas que hoje estão fora do mercado deve procurar emprego porque elas vão precisar de renda e como resultado veremos a taxa de desemprego aumentar.
“Seja com a retomada da economia ou com a extensão da crise, as pessoas vão voltar a buscar emprego. E, mesmo se o governo estender o auxílio emergencial [que contribuiu para que mais pessoas deixassem de buscar emprego], por exemplo, deverá ser em menor valor”, avalia o analista do IBGE.
Para observarmos uma queda na taxa de desemprego, o principal fator de impulso positivo vai vir da retomada sólida da economia.
“Falta oferta de vaga no mercado porque os sinais vitais da economia estão fracos. Precisamos aumentar a taxa de investimento e retomar o ritmo de alguns setores que contratam bastante, como o de serviços, que foi bastante afetado neste ano, e da indústria têxtil, por exemplo, que não estão em plena retomada”, conclui Mariano.
Caged x Pnad Contínua
Muito se falou sobre os resultados de desemprego nesses últimos dias porque na semana passada, além da Pnad Contínua, do IBGE, também foi divulgado o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), pelo Ministério da Economia.
De um lado, a Pnad com recorde no desemprego, do outro, os dados do Caged mostraram que o saldo de geração de empregos ficou positivo com 394.989 vagas com carteira assinada criadas em outubro – também recorde da série histórica iniciada em 1992.
O presidente Jair Bolsonaro comemorou o resultado do Caged. “Levando-se em conta outubro, o Caged nos deu um superávit de 400 mil novos empregos com carteira assinada. Se nós acreditarmos em projeções, vamos terminar o ano, no mês de dezembro, com mais gente empregada do que dezembro do ano passado. Isso atravessando uma pandemia”, disse durante cerimônia no Palácio do Planalto.
Mas por que duas pesquisas de importância nacional apresentaram resultados opostos? “A Pnad é mais abrangente porque engloba trabalhadores formais, informais, domésticos, empregadores com e sem CNPJ, desempregados e pessoas fora da força de trabalho; enquanto o Caged tem dados apenas do setor formal, dos trabalhadores com carteira assinada”, explica Xavier.
Outra diferença é que a Pnad trabalha com o conceito de hora trabalhada e por semana. “Se a pessoa trabalhou uma hora na última semana é subocupada, se não trabalhou, mas procurou um emprego é desempregada, e assim vai. Tem muitas nuances. Já o Caged apenas registra a movimentação dos profissionais admissões e demissões”, explica o economista.
Veja as principais diferenças de cada pesquisa:
Pnad | Caged | |
Entrevistado na pesquisa | Pessoas moradoras do domicílio | Estabelecimento (empresa) |
Nível de divulgação das informações | Brasil, Grandes Regiões, Unidades da Federação, Mesorregiões, Microrregiões, Regiões Metropolitanas, e Municípios |
Brasil, Grandes Regiões, Unidades da Federação, Municípios das Capitais, Regiões Metropolitanas que contêm Municípios das Capitais e Região Integrada de Desenvolvimento da Grande Teresina |
Periodicidade de divulgação | mensal e trimestral | mensal |
Período de referência da informação | semana de referência para ocupação e de 30 dias para desocupação | mês de referência da movimentação |
Abrangência | trabalhadores formais, informais, domésticos, empregadores com e sem CNPJ, desempregados e pessoas fora da força de trabalho | trabalhadores com carteira assinada |
Principais informações | taxa de desemprego, força de trabalho potencial, taxas de participação da força de trabalho, taxa composta de subutilização, nível de ocupação e desocupação, rendimento médio das pessoas ocupadas, entre outros, | Vínculos celetistas que tiveram movimentação (admissão ou desligamento) |
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